Rafael Kenski
As maiores montanhas do mundo são o local de trabalho de Lonnie Thompson, da Universidade do Estado de Ohio, Estados Unidos. Nos anos 70, a principal área de estudo dos pesquisadores da história do clima no planeta – os paleoclimatologistas – era o gelo dos pólos. Thompson voltou sua atenção para os glaciares presentes nas montanhas próximas ao trópicos e só teve surpresas: não só encontrou informações valiosas como percebeu que muitas dessas geleiras estavam diminuindo rapidamente. De acordo com sua previsão, as neves do Kilimanjaro, a maior montanha da África, terão desaparecido até 2015. Agora ele corre atrás dos principais glaciares do planeta para cavar buracos de centenas de metros de profundidade, tirar amostras e guardá-las em um frigorífico para análise.
Você conseguirá amostras de gelo suficientes antes que os principais glaciares desapareçam?
É um desafio. Cada perfuração leva três anos, entre preparar a logística, conseguir autorizações, escavar e fazer as análises. É possível que alguns glaciares desapareçam antes que consigamos estudá-los. Perderemos primeiro os menos elevados e, depois, os mais altos. O meu campo de pesquisa talvez desapareça. Penso muito nisso porque treinamos estudantes e não é claro se haverá um futuro para eles nesse ramo.
Qual a importância de estudar as montanhas dos trópicos?
Os glaciares são os melhores arquivos do passado. Eles não só registram informações sobre o clima – precipitações, temperatura, poeira e velocidade do vento em cada época – como também as forças capazes de modificá-lo, como vulcões e a incidência solar. Eles guardam até o pólen das plantas que viveram na região e informações sobre como elas responderam às mudanças climáticas. É muito triste ver os glaciares desaparecerem.
Você já obteve alguma evidência que ligue o aquecimento à ação humana?
Os pedaços de gelo que recolhemos possuem bolhas que mostram a composição da atmosfera no passado. Temos amostras da Antártida de até 900 mil anos atrás. Nesse tempo, não houve uma concentração igual à que temos hoje de dióxido de carbono e de outros gases que contribuem para o efeito estufa. Agora temos também as maiores temperaturas: 1998 foi o ano mais quente já registrado e 2004 foi o quarto maior. Mas as mudanças climáticas no passado ocorreram por variações naturais. As forças de agora são os gases do efeito estufa e o impacto humano. Nos últimos 30 anos, a incidência solar até diminuiu.
O que é o mais difícil nas expedições?
A principal questão é levar 6 toneladas de equipamentos até altitudes acima de 6 400 metros. E, na hora de descer, temos que manter as amostras congeladas, então é preciso protegê-las termicamente. É um desafio diferente em cada país. Em Sajama, Bolívia, tivemos que contratar 102 carregadores locais. Já no Himalaia, no Tibete, chegamos a 7 200 metros de altitude, o que é a perfuração em local mais alto já feita no mundo. As amostras foram trazidas de trenó até a borda do glaciar, de onde seguiram em mais de 100 iaques até um caminhão.
É muito mais difícil que uma expedição de escalada?
Nós não vamos só para o topo e voltamos. Chegamos na montanha, armamos acampamento e ficamos um mês ou dois escavando o gelo. Eu dei uma palestra há alguns anos para um grupo de médicos e eles disseram que eu detinha o recorde mundial de permanência acima de 5 500 metros de altitude. Ao todo, foram 840 dias da minha vida lá em cima.
Como é passar tanto tempo nessa altitude?
Não é fácil. Se você está a 7 mil metros, você tem só entre 30 e 40% do oxigênio do nível do mar. Trabalhar e se mover se torna muito difícil. Além da falta de ar, o lugar é frio e tem uma comida ruim. Não é para qualquer um.
Qual foi a situação mais perigosa que você já teve que enfrentar?
Existe sempre o risco de avalanches, de cair em fendas nas geleiras ou de estar no lugar errado na hora errada. Também há o problema da falta de oxigênio, que já fez membros da equipe perderem a visão. Uma vez, em Huascarán, Peru, tivemos ventos terríveis por três dias que romperam o suporte da minha barraca. Ela começou a descer em direção a um penhasco e a única maneira de parar foi cravando uma picareta no chão da barraca. Passei a noite inteira nessa situação.
Qual é o próximo desafio?
Estamos trabalhando para que nossas pesquisas façam diferença em termos de políticas. Tenho a sensação de que o ser humano é bem eficiente em casos de crise, mas não faz nada até que seja preciso. Como o dióxido de carbono permanece 100 anos na atmosfera, a primeira crise que aparecer virá acompanhada de muitas outras.
Além dos glaciares, que outros arquivos naturais correm riscos?
Há corais, recifes, árvores antigas e lagos que estão em risco por causa das atividades humanas. São áreas que precisam de cuidado e de pessoas inteligentes trabalhando nelas.
Lonnie Thompson, paleoclimatologista