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Cultivo de rins humanos em porcos para transplante já é possível

Vírus suínos foram eliminados do DNA de porcos com engenharia genética; feito pode diminuir a fila de transplantes criando animais com órgãos humanos

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 14 ago 2017, 19h48 - Publicado em 14 ago 2017, 19h43

Segundo os dados mais recentes, só no Brasil há 41 mil pessoas na fila do transplante – 24 mil delas precisam de um rim. A lista de doadores, por outro lado, contou com apenas 3 mil voluntários em 2016. Uma saída para esse problema matemático básico são campanhas de conscientização do Ministério da Saúde. Outra, com jeito de ficção científica, é colocar um rim humano para “crescer”, quase como um vegetal, no interior do corpo de um porco – e então, quando o órgão estiver maduro, transplantá-lo para o corpo do paciente. 

Parece absurdo, mas não é. Questões éticas à parte, já é possível criar embriões de porco em que os trechos do DNA responsáveis por criar rins suínos são substituídos por genes com instruções para criar rins humanos. Em outras palavras, nasce um porco com rins de gente, que poderiam, em tese, ser usados para diminuir o problema quase universal das filas de doação. Essa técnica, que atende pelo palavrão “xenotransplante”, tem muito potencial, mas animais híbridos ainda não saíram do laboratório por vários motivos. O principal são vírus.

Porcos vêm da barriga da mãe com vírus chamados PERVs. A sigla, do ponto de vista técnico, significa porcine endogenous retrovirus (retrovírus suínos endógenos). Na prática, é um trocadilho engraçadinho com “pervertido”. Ninguém sabe se eles têm potencial para causar doenças seres humanos, mas não vale a pena arriscar. A troca de vírus endógenos – os “de fábrica” – nunca causou um problema de saúde pública, mas já há pesquisas que os associam, ainda que sem evidências consideráveis, a câncer e esclerose múltipla. Ao longo da história, epidemias tão graves quanto a AIDS nasceram da troca de vírus comuns entre o Homo sapiens e outros animais.

Para o alívio das agências sanitárias, essa barreira acaba de ser derrubada, ainda que em um estágio puramente experimental, por pesquisadores da empresa de biotecnologia eGenesis. Em um artigo científico publicado na Science, eles explicam como é possível usar a nova (e já famosa) técnica de edição CRISPR-Cas9 para tirar os PERVs do material genético dos embriões, criando porquinhos seguros e livres de vírus para fazer xenotransplantes.

Isso não significa que amanhã você já poderá ganhar um rim suíno, mas é um marco histórico para a engenharia genética. “Essa pesquisa representa um importante avanço na abordagem de problemas de segurança na transmissão de vírus entre espécies”, declarou à imprensa Luhan Yang, uma participante do estudo. “Nossa equipe ainda irá aperfeiçoar a linhagem de porcos livres de PERVs para permitir xenotransplantes seguros e eficientes.”

Para refrescar a memória: CRISPR-Cas9 é uma das novidades mais importante da história da engenharia genética. Com essa dupla de proteínas, é possível editar genes na base do “copiar e colar”, substituindo trechos problemáticos por sequências corretas de bases nitrogenadas – a técnica foi usada de forma promissora para curar doenças cardíacas em embriões humanos no começo do mês, mas ainda precisa ser aperfeiçoada.

Os xenotransplantes, portanto, são só mais uma das frentes de pesquisa que a técnica CRISPR viabilizou ao longo de 2017. Como a tecnologia ainda é nova, os avanços ainda são modestos – mas caminham a passos rápidos, desafiando barreiras éticas. Alguns críticos temem que a eliminação dos PERVs – que sequer apresentam riscos comprovados para o organismo humano – aumente demais o preço da aplicação do método, o que geraria problemas novos para resolver os antigos. “Se isso for necessário, demorará muito para que os porcos possam ser usados em pacientes que precisam desesperadamente dos órgãos”, afirmou à Science David Cooper, da Universidade do Alabama. “E isso vai aumentar o preço do fornecimento de porcos para os primeiros testes clínicos.”

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