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Doença do aparelho respiratório: respiração a fundo

Ao partir do nariz, o ar deveria entrar no mais eficiente aparelho de condicionamento. Mas isso geralmente não acontece, porque os caminhos que levam aos pulmões estão danificados pela fumaça da poluição e dos cigarros

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h32 - Publicado em 31 dez 1990, 22h00

Ao partir do nariz, o ar deveria entrar no mais eficiente aparelho de condicionamento. Mas isso geralmente não acontece, porque os caminhos que levam aos pulmões estão danificados pela fumaça da poluição e dos cigarros

Por Lucia Helena de Oliveira

Respirar, segundo o bom e velho dicionário Aurélio, é “absorver o oxigênio do ar nos pulmões”. Cientistas americanos, no entanto, pretendem fazer um acréscimo a definições clássicas como essa: pois, segundo eles, repirar é também encher os pulmões com um líquido transparente, insípido e inodoro, conhecido como perfluorcarbono. Ainda nos anos 60 , descobriu-se que essa substância possui uma concentração tão grande de oxigênio, a ponto de os pulmões de cobaias serem capazes de extraí-lo com facilidade. Só no final do ano passado, porém, na Universidade de Temple, nos Estados Unidos, experimentou-se pela primeira vez em seres humanos a chamada respiração líquida, ou seja, a substituição do ar pelo perfluorcarbono. Foram sete casos de bebês prematuros demais para realizarem os movimentos respiratórios sem a ajuda de aparelhos. Um sistema foi especialmente construído para injetar nos pulmões, com extrema delicadeza, o líquido rico em oxigênio.Nenhum bebê sobreviveu, por causa de outras complicações de saúde. Mas os cientistas garantem que, apesar disso, a respiração líquida, em si, pode ser considerada um sucesso, digno de ser comemorado como um dos grandes avanços da Medicina nos últimos tempos. Trocar o gás da atmosfera por esse líquido fabricado em laboratório oferece a vantagem imediata de aposentar os tradicionais aparelhos de ventilação artificial, usados sempre que os pulmões não conseguem trabalhar por conta própria. As máquinas convencionais de ventilação, ao simularem os movimentos respiratórios, lançam ar no organismo do paciente com tanta força, que a pressão acaba arrebentando as células, aliás, são uma das mais frágeis estruturas do corpo humano. Por isso, chega a ser surpreendente que uma pessoa de meia-idade ainda tenha pulmões funcionando, bem ou mal, vivendo em um mundo coberto pela fumaça da poluição e dos cigarros, próprios ou alheios.Isso só é possível porque o ar, antes de alcançar as células pulmonares, percorre as chamadas vias aéreas, repletas de obstáculos para toda sorte de partícula tóxica. Esse caminho ainda tem mistérios que fazem alguns pesquisadores perderem o fôlego de espanto. Só para comparar: hoje em dia, o homem consegue mapear o cérebro em áreas de acordo com a função, mas ignora o papel de seis dos oito tipos de células que revestem as vias aéreas. Embora seja o protagonista do processo, o pulmão mesmo não tem segredos. Afinal, o organismo humano troca gases exatamente como as amebas, seres unicelulares que surgiram há cerca de 500 milhões de anos. Isto é, o ar atravessa uma membrana finíssima, com aproximadamente 0.5 milésimo de milímetro de espessura, e se dissolve no citoplasma, o líquido que recheia a célula. Assim, o oxigênio pode ser transportado até microscópicos vasos capilares, onde pega carona nas moléculas de hemoglobina do sangue; pelo mesmo trajeto, em direção inversa, o gás carbônico, produzido pela queima do oxigênio no organismo, é mandado para fora.

A questão é que, diferente das amebas, o homem consome muito mais oxigênio do que sua superfície corporal seria capaz de capturar. O organismo humano adulto precisa de nada menos do que 90 metros quadrados forrados de células especializadas na troca gasosa. E, de fato, ele dispõe de toda essa superfície para a absorção do oxigênio, só que dobrada milhares de vezes, a ponto de ocupar o espaço modesto de dois sacos cor-de-rosa com mais ou menos 25 centímetros de comprimento, que pesam juntos cerca de 700 gramas. Um pulmão nada tem a ver com um balão, oco por dentro. Sua estrutura pode ser descrita como uma árvore com um tronco cartilaginoso, o brônquio, que se divide ao meio em dezessete gerações, isto é, 262 000 vezes, em galhos cada vez mais finos.

Com menos de 1 milímetro de diâmetro já se pode falar em bronquíolo, um tubo sem cartilagem, formado apenas por músculo e mucosa. Presos nos brônquios, encontram-se sacos com 1 a 2 centímetros, os lobos pulmonares. Estes, por sua vez, se subdividem em saquinhos com 0,1 a 0,3 milímetro, cercados por vasos capilares: são os alvéolos , cenário efetivo das trocas gasosas. Os dois pulmões somam cerca de 300 milhões de alvéolos. “Se pudessem ser espalhados no chão, eles cobririam uma quadra de tênis”, calcula o professor de Educação Física Benedito Sérgio Denadai, que vem pesquisando os mecanismos dos pulmões na Escola Paulista de Medicina, onde está instalado um dos primeiros laboratórios brasileiros de fisiologia respiratória, inaugurado há doze anos. Ali, entre outras coisas, modernos equipamentos comparam o fôlego de atletas e de pessoas sedentárias, o que entusiasma Denadai, ex-jogador de basquete na cidade de Marília, no interior de São Paulo. Em qualquer parte do planeta, o ar que se respira é composto em 22,93% por oxigênio. “No alvéolo”, descreve Denadai, “o oxigênio tende a passar para o sangue, que depois de circular por todo o corpo chega ali com baixíssima concentração e, portanto, pouca pressão desse gás.”Com o gás carbônico acontece o contrário, pois o sangue venoso que alcança os pulmões carrega grande quantidade dele, enquanto o ar possui apenas 0,04% dessa substância. Assim, é natural que o gás carbônico troque o aperto no sangue pelafolga no ar do interior do alvéolo. Respirar, no entanto, envolve outras questões de Física. “Se a pressão dentro dos pulmões fosse idêntica à da atmosfera, o ar não se deslocaria. É preciso haver diferenças”, determina o fisiologista Ivan da Cruz Piçarro, professor da Escola Paulista de Medicina. No caso, o jogo de pressões é realizado por músculos do tórax: “As pessoas têm a ilusão de que o peito estufa na inspiração porque os pulmões se enchem. Mas, na realidade, são os pulmões que ficam cheios porque o tórax dilata”, esclarece Piçarro. A contração muscular faz a caixa torácica aumentar de tamanho, e a pressão interna cai. Quando isso acontece, aproximadamente meio litro de ar entra nos pulmões, porque, mais uma vez, o gás tende a sair do lugar de maior pressão para o de menor pressão.

Na expiração, contudo, os músculos não costumam ter trabalho — basta que relaxem e a caixa torácica encolhe. Logo a pressão interna fica maior do que a pressão do ambiente e o ar escapa para fora. Se alguém fura a caixa torácica, a pressão vai embora e, dai, fica impossível respirar. É por isso que tiros e facadas no peito quase sempre matam, mesmo sem haver perfuração do pulmão ou do coração. Segundo Piçarro, a situação dos músculos respiratórios só muda durante exercícios físicos : “Então, os pulmões passam a receber até 1,5 litro de ar, cada vez que se enchem”, diz ele. “Como todo esse gás precisa ser renovado rapidamente, para atender à necessidade de oxigênio durante o esforço, alguns músculos passam a se contrair para acelerar a expiração.” No governo desse ritmo está o cérebro, cujas células constantemente analisam o pH (índice de acidez) do sangue, para verificar o equilíbrio entre o gás carbônico e o oxigênio (veja quadro). “Tanto faz estar numa praia, onde a pressão atmosférica é alta, ou no pico de uma montanha, onde o ar é rarefeito”, revela Piçarro. “Pois o organismo regula o ritmo respiratório para absorver sempre a mesma quantidade de oxigênio.”Também não importa o lugar, o gás da atmosfera nunca é suficientemente bom para entrar em contato com as exigentes células pulmonares — mesmo o mais puro ar do campo. “As vias aéreas são o mais perfeito aparelho condicionador de que se tem notícia”, considera a pneumologista Ilma Aparecida Paschoal, que divide seu tempo entre as salas de aula da Universidade de Campinas, no interior de São Paulo, e as pesquisas com o microscópio eletrônico, usado para examinar as células que revestem o caminho do ar pelo nariz, seios faciais, faringe, traquéia, brônquios e bronquíolos — enfim, as vias aéreas. “As células pulmonares enrijecem e até congelam com temperaturas frias” conta a pesquisadora. “Por isso, mal entra no nariz, o ar começa a ser aquecido, graças a uma rede de vasos sangüíneos sob a mucosa, para chegar nos alvéolos com uma temperatura exata: 37 graus Celsius, nem mais, nem menos.”No caso de um andarilho no calor do deserto, a função das vias aéreas pode ser a de resfriar o ar, liberando água na superfície da mucosa. “Independente do calor excessivo, enquanto respiramos, perdemos água”, revela Ilma. Mais uma vez isso acontece em prol das células pulmonares, que, de tão finas, se ressecam com facilidade: o ar só pode entrar em contato com elas quando possui uma umidade relativa de 100%. Para se ter uma idéia, em épocas de chuva, a umidade relativa de uma cidade como o Rio de Janeiro fica em torno de 75%; em climas desérticos, porém, a umidade relativa média costuma ser 10%, dando mais trabalho ao aparelho respiratório. O conceito antigo de que climas secos fazem bem aos pulmões vem do fato de que algumas bactérias causadoras de doenças são aeróbicas, isto é, respiram. Assim, se a secura do ar não facilita as coisas para os pulmões, também não ajuda esses microorganismos a sobreviver.

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O ar ainda pode ser considerado uma suspensão de partículas e, teoricamente, nenhuma delas deve entrar nos pulmões. Para defendê-los, as vias aéreas possuem células gorduchas, as calciformes, que não param de produzir uma substância grudenta, o muco. Dessa maneira, as partículas de poluentes vão ficando coladas nas paredes das vias aéreas, à medida que o ar passa. Esse muco, por sua vez, é constantemente arrastado para cima, até ser engolido na altura da glote, sem que se perceba. Quem realiza esse serviço de limpeza, varrendo o muco contra a força da gravidade, são minúsculas células, cada qual com 200 microscópicos cílios em média. “A coreografia dos cílios é impressionante”, nota Ilma, com os olhos azuis arregalados pelo entusiasmo. De fato, se os cílios simplesmente batessem de um lado para outro o muco ficaria zanzando, sem sair do lugar. Mas não é isso o que se observa. Esses microscópicos feixes, mergulhados na camada gelatinosa que reveste as vias aéreas, realizam movimentos como os dos braços de um nadador. Ou seja, emergem e batem na frente; em seguida, se encolhem mergulhando. Dessa forma, o muco é conduzido em um único sentido — para o alto.

Quando esse transporte deixa de ser eficiente, o muco passa a se acumular. Em um ato reflexo, os músculos abdominais se contraem com violência, para que um forte jato de ar expulse esse excesso. É a tosse. O espirro tem um papel semelhante, embora cause mais efeito para limpar as vias aéreas superiores, como o nariz: após uma inspiração profunda, ocorre uma expiração súbita pela boca, com o ar atingindo uma velocidade de até 150 quilômetros por hora.

Há catorze anos, pesquisadores suecos fizeram uma descoberta curiosa: a estrutura dos cílios do aparelho respiratório é idêntica à do espermatozóide. Existem doenças hereditárias em que o homem, além de ser estéril porque seus espermatozóides são imóveis, também sofre de bronquite crônica, por causa de defeitos nos cílios. Mas raramente o transporte nas vias aéreas é mal realizado por causa de problemas genéticos como esse: “O primeiro efeito do 3. cigarro. 3 é paralisar os cílios”, acusa Ilma. O pior, vem algumas tragadas mais tarde, quando essas células ficam carecas. Afinal, uma célula ciliada demora até 220 dias para se renovar. Sabe-se que entre aquelas seis células desconhecidas das vias aéreas, uma se transforma em célula ciliada, quando uma substituição é necessária. Resta saber qual delas. Só assim os pesquisadores poderão entender o câncer de pulmão, que misteriosamente sempre nasce nos brônquios. “Os poluentes devem causar alterações na metamorfose da célula desconhecida em célula ciliada. Daí surgiria a doença”, suspeita Ilma. A poluição e o cigarro também causam a proliferação das células calciformes, produtoras do muco. Eis o pigarro do fumante. Faz sentido: quanto mais muco, maior a barreira entre as paredes das vias aéreas e os tóxicos, capazes de provocar queimaduras.

O problema é que o muco é um campo fértil para microorganismos e, por esse motivo, ele aumenta muito quando alguém está resfriado, por exemplo. Microorganismos nunca são bem recebidos no aparelho respiratório, que deveria ser esterilizado da garganta para baixo, graças a um batalhão de células de defesa na faringe. O invasor que passa incólume não pode respirar aliviado: a postos nas paredes das vias aéreas ficam os macrófagos, células imunológicas que literalmente engolem os inimigos. Se, mesmo assim, o microorganismos escapa, muitos portões se fecham nas passagens para os pulmões. Ou seja, os brônquios se contraem para impedir a sua entrada. Daí a dificuldade do doente para respirar.Por zelo, dentro dos alvéolos encontram-se mais macrófagos, embora nenhum microorganismo devesse entrar nessa área nobre. Quando isso acontece, a inflamação resultante é a famosa pneumonia. “Se um germe consegue vencer todas as batalhas nas vias aéreas, é sinal de que as defesas estão muito enfraquecidas, como na AlDS, ou de que estamos diante de um inimigo muito poderoso”, comenta Ilma “Os médicos devem encarar qualquer caso de pneumonia com o maior respeito. Para o pneumologista Flávio Tavares Martins, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, mais grave ainda é o enfisema, uma degeneração gradual das paredes pulmonares, que se rompem. “Isso não causa dor, só falta de ar”, diz ele. “As pessoas só notam o problema quando a doença já evolui há vinte anos. Então, há pouco o que fazer.”Segundo o médico, problemas pulmonares podem ser controlados com drogas e exercícios para os músculos respiratórios. Além disso, a Medicina tem realizado proezas: em novembro de 1990, na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, uma mãe transferiu parte do seu pulmão para substituir o órgão danificado na filha de 12 anos de idade. Os médicos agora esperam que a porção do pulmão materno cresça até atingir o tamanho normal na menina. Os cientistas, porém, desconhecem uma maneira de poupar os pulmões. Diferente do coração, por exemplo, não há ginástica que melhore a sua saúde: o único remédio é o luxo de respirar um ar livre de qualquer espécie de fumaça

Para saber mais:

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Atchiiim!

(SUPER número 6, ano 6)

Em ritmo acelerado

Com monitores para medir a respiração e o oxigênio absorvido pelo organismo, um atleta pedalou normalmente uma bicicleta; em seguida passou a pedalar com uma perna só. Para surpresa do fisiologista Antonio Carlos da Silva, que realizou a experiência na Escola Paulista de Medicina, a mudança fez a respiração do atleta acelerar. “Os músculos respiratórios são comandados por sinais nervosos que partem da região do tronco cerebral”, explica o fisiologista. “Esses comandos, por sua vez, poderiam ser influenciados por substâncias liberadas durante a fadiga muscular.Ao agüentarem sozinhos a carga de uma bicicleta, os músculos de uma única perna se cansariam mais, portanto liberariam mais substâncias, aumentando o ritmo da respiração em um reflexo.Tradicionalmente, acreditava-se que esse ritmo era regulado apenas em função do oxigênio existente no sangue arterial, analisado por células especializadas no próprio cérebro e na artéria carótida, que parte do coração. “Para o sistema nervoso, aliás, pequenas alterações na oxigenação sanguínea são menos importantes do que variações na quantidade de gás carbônico”, esclarece Silva. “Esse gás é capaz de modificar a acidez do sangue, o que prejudica o funcionamento das células, especialmente as nervosas.”

Setor de Trocas: Onde se absorve oxigênio

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A troca de gases ocorre em 300 milhões de saquinhos, os alvéolos, dentro dos pulmões. Ali, o oxigênio do ar passa para o sangue venoso, onde existe uma baixa concentração desse gás. Já o gás carbônico, cuja concentração sangüínea é alta, passa para o ar, que possui apenas 0,04% dessa substância.

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