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Hormônios sexuais podem explicar por que mulheres morrem menos de Covid-19

Cientistas brasileiros estão estudando o papel do estrógeno na infecção do coronavírus. Nos EUA, médicos já começaram a testar a substância como possível tratamento para pacientes homens.

Por Bruno Carbinatto
10 jun 2020, 20h04

Seis meses após o início da pandemia, um mistério sobre o coronavírus ainda intriga cientistas pelo mundo. Uma série de estudos já demonstrou que os homens correspondem a maior parte das vítimas fatais do vírus, e parecem apresentar sintomas mais graves com mais frequência do que as mulheres.

Ainda não se sabe exatamente por quê, mas algumas hipóteses já foram levantadas, incluindo explicações comportamentais – como o fato de as mulheres procurarem ajuda médica com mais frequência. Mas uma outra ideia ganhou força recentemente: a de que os hormônios femininos possam ser uma arma contra a doença.

Antes de tudo, vale lembrar as evidências que apontam que o coronavírus parece afetar homens de maneira mais agressiva. No Brasil, dados do meio de maio divulgados pelo Ministério da Saúde mostram que quase 55% dos internados com sintomas graves eram homens. Uma revisão de estudos feitos no começo da pandemia, entre janeiro e março, também mostrou que a letalidade entre homens era até três vezes maior do que entre mulheres. Desde então, dezenas de estudos em diferentes países, como Inglaterra, Estados Unidos, Itália e bancos de dados internacionais mostram que o padrão se repete: na maioria dos países, homens morrem mais de Covid-19 do que mulheres. 

Além disso, o fato de mulheres grávidas parecerem, em grande parte, apresentar apenas sintomas leves da doença (apesar de estarem no grupo de risco, graças ao sistema imunológico alterado) intrigou cientistas de todo o mundo. 

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Acontece que gestantes têm, naturalmente, níveis de hormônios femininos altíssimos durante o período de gravidez. Isso levou muitos especialistas a se perguntarem se os hormônios sexuais podem ter alguma relevância na evolução da doença.

A hipótese não surgiu totalmente à toa: há muito tempo se sabe que o estrógeno e, em menor parte, a progesterona, ambos hormônios produzidos em alta escala pelo corpo feminino, parecem aprimorar o sistema imunológico das mulheres. Apesar dos detalhes do fenômeno ainda não estarem tão claros, sabe-se que a resposta imune de mulheres é melhor do que a de homens – e não apenas contra o coronavírus.

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Mas apenas esse mecanismo geral não parece explicar diferenças tão marcantes e específicas dos números da Covid-19. Uma outra explicação pode envolver a enzima conversora da angiotensina 2 (ACE2), uma proteína que é expressa em vários tecidos do corpo humano e é usada pelo SARS-CoV-2 como “porta de entrada” para nossas células. Experimentos em laboratório já mostraram que o estrógeno parece reduzir a presença dessa enzima no corpo humano.

Ou seja: mulheres teriam menos “portas” para o vírus em suas células do que homens por conta da ação do estrógeno, o que as tornaria mais resistentes. Mas ainda faltam provas definitivas para definir se isso de fato acontece em proporções suficientes para explicar a diferença entre os sexos.

Pesquisas em desenvolvimento

Por essa razão, equipes de cientistas no Brasil e no mundo estão levando adiante experimentos para testar essa possibilidade. Por aqui, cientistas da Unifesp lideram um estudo para investigar se os hormônios femininos têm alguma influência no processo de invasão do vírus. Em células cultivadas em laboratório e infectadas com o coronavírus, os cientistas vão testar diversos compostos relacionados ao estrogênio e observar seus possíveis efeitos (diversos porque “estrogênio” é, na verdade, um termo genérico que engloba um grupo de hormônios maior que possuem sub-tipos no corpo humano, como, por exemplo, o estradiol). Os resultados ainda não foram publicados.

Nos EUA, duas equipes separadas de médicos pretendem ir além: em seus testes, os hormônios femininos serão utilizados como possíveis tratamentos para pacientes do sexo masculino. Em Nova York, uma das equipes já começou a tratar pacientes homens em estado grave com doses de estrogênio, e pretendem publicar em breve o resultado desse experimento. Do outro lado do país, em Los Angeles, um hospital prepara um estudo em que usará um outro hormônio feminino, a progesterona, no tratamento de homens com Covid-19. 

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Sara Ghandehari, pneumologista responsável pelo experimento de Los Angeles, disse ao The New York Times que 75% dos pacientes internados em estado grave no hospital são homens, o que levou a equipe a considerar que os hormônios possam proteger contra o vírus.

Nos dois experimentos, os hormônios serão administrados apenas temporariamente. Os pacientes receberão o aviso sobre possíveis efeitos colaterais, embora as substâncias sejam consideradas bastante seguras. E mesmo que esses hormônios estejam associados a características sexuais secundárias em nosso corpo, o uso deles por curto prazo não oferece mudanças significativas. 

Apesar disso, vale lembrar que nenhum estudo publicado mostra que de fato o estrogênio ou a progesterona podem ser a cura definitiva do coronavírus. Há, inclusive, um ponto que parece colocar a teoria em risco: as diferenças entre sexos nos números de letalidade se mantêm mesmo em pessoas idosas. Ou seja, até mulheres mais velhas morrem bem menos do que homens da mesma faixa de sua idade. Só que, depois da menopausa, que costuma ocorrer após os 40 anos, mulheres param de produzir grandes quantidades de hormônios sexuais, o que significa que isso não explicaria as diferentes mortalidades entre os sexos em indivíduos mais velhos.

Se não forem os hormônios, o que explicaria o fenômeno? É possível que outras diferenças no corpo de mulheres e homens possam ter alguma relevância, como a própria genética. Também pode ser que a resposta não esteja na biologia, mas sim nas diferenças comportamentais. Diversas pesquisas já mostraram que homens fumam mais do que mulheres (e não é preciso lembrar que o cigarro está associado a uma saúde pior no órgão mais afetado pelo coronavírus, o pulmão), além de lavarem as mãos com menos frequência e procurarem assistência médica mais tardiamente quando sentem sintomas.

É possível também – e talvez até mais provável – que essa diferença não seja explicada somente por um único fator, mas por uma combinação de biologia, genética e comportamento, além de outros fatores que ainda não desvendamos.

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