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Jejum: a dieta do “ainda não”

É possível emagrecer comendo o quanto quiser, mas não quando quiser? Entenda o que diz a ciência sobre o "jejum intermitente".

Por Clarissa Barreto
Atualizado em 2 out 2020, 16h19 - Publicado em 26 jul 2017, 17h47

Comecei minhas dietas quando tinha 11 anos. De lá para cá, foi tanto efeito-sanfona que Luiz Gonzaga poderia ser a trilha sonora da minha vida – perde cinco, ganha três, perde dez, ganha oito, perde nove, ganha 15, num xote que fez meu guarda-roupa ser trocado diversas vezes em vinte e poucos anos. A fase mais magra da minha vida foi mesmo no final da adolescência, quando pulava o café da manhã porque estava sempre atrasada para a escola, mas almoçava, lanchava à tarde e ainda jantava antes das 20h, para só comer de novo às 13h do dia seguinte.

Depois dessa época, fiz muita dieta padrão para perder o peso que chegava. A começar pela de comer de três em três horas, com o objetivo de não sentir fome e “manter o metabolismo ativo”. O problema é que esqueceram de combinar com o meu metabolismo. Quanto mais vezes eu comia, mais fome sentia. E os lanchinhos à base de maçã e três castanhas-do-pará não davam conta. Passava o dia me alimentando dentro da lei, mas à noite atacava o que viesse pela frente. Isso acontece porque o nosso autocontrole tem um limite bastante claro. Funciona assim: em situações de stress, liberamos histamina, um vasodilatador que nos deixa em estado de alerta, com o autocontrole a mil. Mas uma hora o corpo pede arrego – e os níveis de histamina despencam. Aí já viu: quem passou o dia, a semana ou o mês a queijo branco com torrada, desconta num panelão de brigadeiro quando a histamina evapora, levando junto qualquer resquício de bom-senso.

Há um ano, comecei uma dieta de novo – inicialmente, de três em três horas, como as velhas táticas que não deram certo. Além de os ponteiros da balança quase não se mexerem, ainda tinha um problema: eu me exercito de manhã – e se como algo, qualquer coisa, uma mísera banana, fico enjoada durante a aula. Com o tempo, lembrei-me da minha fase adolescente, de comer só em um período específico do dia, e resolvi escutar o meu corpo. Se eu não sentia fome, por que me obrigar a engolir comida? Comecei então a ficar sem comer até o almoço do dia seguinte. Basicamente 16 horas sem alimentos – enchendo a cara de água, muita água.

Ficar em jejum nesse período, em vez de me fazer bater um pratão, me faz sentir menos fome. Com um almoço frugal, daqueles com carne, salada e arroz, fico satisfeita. Sem saber, eu tinha adotado uma dieta que começava a gerar burburinho: a do jejum intermitente, que tem sido bombada por best-sellers como Dieta de 8 Horas, de David Zinczenko, uma espécie de Gabriela Pugliese dos EUA – ou seja: não é um nutricionista, só uma celebridade do mundo fitness.

O sucesso provavelmente vem da gorda recompensa que a dieta oferece. Você fica 16 horas sem comer (incluindo o tempo em que estiver dormindo, naturalmente). A esse período, segue-se uma “janela de alimentação” de 8 horas, nas quais você está liberado para comer o equivalente ao que deglutiria num dia inteiro. E nada de fatia de queijo branco com microtorrada. Comida de verdade.

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De onde vem essa ideia, aparentemente idiota? Bom, ela até tem um fato científico para se embasar: os nossos genes de caçadores, forjados na época em que o Homo sapiens era só mais um predador entre tantos outros das savanas da África.

Jejuar e caçar

A história da humanidade é a história da comida – ou melhor, da fome. O primeiro ser que podemos chamar de “humano”, o Homo erectus, nosso ancestral, surgiu há 2 milhões de anos. A agricultura tem só 13 mil. Nesse meio-tempo, que corresponde a precisamente 99,3% da nossa história, fomos caçadores.

E vida de caçador não é fácil. Um guepardo gasta 40% de todas as calorias que consome em basicamente dois piques diários de 120 km/h, de que lança mão para conseguir suas presas. Cada corrida não chega a durar um minuto e, se a presa escapar, talvez só apareça outra no dia seguinte.

Se é difícil para um guepardo, imagine para os nossos ancestrais. Eles viviam uma rotina com mais dias de vacas magras do que de vacas gordas. E mesmo nos dias de caça abundante nos faltava o que ainda falta aos leões: geladeira para guardar as sobras. A fome estava sempre à espreita. Longos períodos de jejum, então, eram parte das vidas deles. E isso ficou impresso nos nossos genes – até por isso o corpo humano aguenta, pelo menos, três semanas sem comida.

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“O comportamento alimentar dos seres humanos era baseado em grandes oscilações energéticas, consequência dos longos períodos de jejum seguidos de alimentação farta. Por isso, alguns autores acreditam que o genótipo humano estaria perfeitamente adaptado para condições extremas de fome seguidas de períodos de superalimentação”, diz a nutricionista Fernanda Reis de Azevedo, da Faculdade de Medicina da USP.

Genes de um passado de escassez não combinam com fartura: entra aí o jejum intermitente, que remonta à dieta dos nossos antepassados.

 

É a teoria dos genes econômicos. A tese é aquela que você provavelmente conhece: nossos genes, preparados para períodos de abundância seguidos de escassez, não combinam com a abundância alimentícia de hoje. Se antes gastávamos metade das nossas calorias em busca de alimento, hoje é só pegar o celular e, em meia-hora, surgem 5 mil calorias na porta na forma de uma pizza. Nossa tendência, então, é sempre engordar – tanto que metade dos brasileiros está acima do peso. O jejum forçado seria, portanto, uma forma de simular o ambiente selvagem.

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Lá em casa, deu resultado. Em cerca de dez meses, além de emagrecer mais de 20 quilos, meu percentual de gordura diminuiu e o de massa magra aumentou.

Mas e aí? O que as pesquisas científicas dizem sobre isso?

Durante a “janela de alimentação”, vale comer o que der vontade, sem contar calorias (Dulla/Superinteressante)

Jejum no laboratório

O jejum é bastante estudado. Não tanto por causa de dietas da moda, mas porque mais de 1 bilhão de pessoas pelo mundo o praticam por razões religiosas. Na USP, por exemplo, há um grupo que se dedica ao tema. “Pensamos em práticas de culturas milenares, como a do Ramadã”, diz  Fernanda. De fato: o Ramadã, mês em que os muçulmanos ficam sem comer da hora em que saem da cama até o pôr do sol, é quase uma dieta do jejum intermitente, ainda que com uma janela de alimentação menor – na Arábia Saudita, berço do islamismo, o sol se põe por volta das 19h na época do Ramadã (que coincide com o início do verão), o que dá uma janela de cinco horinhas para quem vai dormir à meia-noite.

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Fernanda e seus colegas publicaram uma revisão de vários estudos disponíveis sobre jejum – a maior parte deles com animais. E registraram bons resultados em redução do colesterol ruim, aumento do colesterol bom e redução de gordura abdominal.

Um estudo da Universidade do Alabama, nos EUA, chegou a resultados semelhantes com humanos. A equipe colocou voluntários para passar 18 horas em jejum. O único período do dia disponível para fazer alguma refeição era entre as 8h e as 14h. O pulo do gato ali é que não houve restrição de calorias. Todo mundo consumia a mesma quantidade de alimentos de um dia normal, com café da manhã, almoço, janta e lanchinhos, só que tudo concentrado nesse período de seis horas.

“Quatro dias depois do início do estudo, registramos aumento na queima de gordura, mesmo sem que houvesse restrição nas calorias”, disse à SUPER a nutricionista Courtney Peterson, uma das responsáveis pelo estudo.

Trata-se de um resultado pouco ortodoxo. O maior experimento com dietas da história, publicado pela Faculdade de Saúde Pública de Harvard em 2009, acompanhou 811 pessoas com sobrepeso ao longo de dois anos. Os pesquisadores as dividiram em quatro grupos. Cada um adotando uma dieta diferente. No fim, cada grupo perdeu a mesma média de peso: 4 quilos. Conclusão: o que faz perder peso é a quantidade de calorias que você coloca para dentro, não o que você come ou o horário das suas refeições.

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O estudo da Universidade do Alabama vai contra essa tese, pois indica que, sim: dá para emagrecer sem necessariamente reduzir a quantidade de calorias, só restringindo os horários e parando de comer cedo. A chave, segundo os pesquisadores, estaria na digestão noturna. “Se você come até tarde da noite, quando vai dormir ainda está digerindo alimentos, e isso impede o processo de eliminar gorduras durante o sono”, diz Courtney.

Mas, calma. Nada disso garante que o jejum seja a panaceia dos vigilantes do peso. “É importante ter em mente que a maioria dos resultados positivos até então foi obtida com grupos pequenos de indivíduos, e por pouco tempo. Ou seja, ainda é cedo para afirmar que eles possam ser replicados na vida real”, diz Fernanda de Azevedo.

Pior: não se sabe se o corpo realmente aguenta a barra de ficar com a energia no vermelho por tanto tempo. Isso significa, no mínimo, uma vida de indisposição permanente. Esse não foi o meu caso. Mesmo assim, a posição mais saudável é aquela consensual entre os nutricionistas: a do ceticismo. “Existem estudos demonstrando que os seres humanos conseguem compensar o déficit energético dos períodos de jejum em períodos de alimentação normal. Mas também existem pesquisas mostrando que não”, diz Fernanda.

Não se sabe se o corpo aguenta a barra de ficar com a energia no vermelho diariamente, com intervalos tão longos.

O mérito do meio-termo

Ana Harb, nutricionista da Unisinos (RS), também recomenda uma baixada na bola. Ela defende que a dieta do jejum é só mais um dos modismos que podem, sim, ajudar a perder peso, mas dificilmente garantirão a manutenção dessa perda – que é o grande desafio de onze em cada dez dietas. Segundo uma revisão da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), metade das pessoas que emagrecem com dietas recuperam tudo em um ano. “Os estudos mais modernos indicam que quanto mais factível e sustentável for uma dieta, mais chance ela terá de dar certo”, diz Ana. “E um jejum intermitente não é isso. Ele nem é compatível com a vida social.”

E o que uma dieta sustentável significa depende de cada pessoa. Segundo Ana, ela deve ser o mais personalizada possível, respeitando o ritmo, o organismo e até os hábitos alimentares de cada um. “Já tive muita gente no meu consultório que não consegue tomar café da manhã, por exemplo, não importa o que eu diga.” Nesses casos, o jeito é ir tirando maus hábitos da rotina.

É o que eu mesma tento fazer. Dieta à parte, passei a me exercitar três ou quatro vezes por semana e deixei de tomar bebidas alcoólicas. Por outro lado, ainda escorrego com frequência nos doces, nos pães, nos churrascos e, mesmo assim, consigo manter o que perdi. Ao que tudo indica, a única dieta que realmente funciona é a que obedece ao nosso organismo.

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