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Macromoléculas: Gigantes para todo serviço

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h40 - Publicado em 30 nov 1988, 22h00

Durante uma corrida, a respiração compassada do atleta é apenas o início de um ciclo cujo resultado final é a energia utilizada. A cada fração de segundo, dentro do organismo, uma infinidade de substâncias cumpre seus papéis de modo tão sofisticado que parece perder sentido a antiga separação entre matéria inanimada e seres vivos. Pois cada uma dessas substâncias aparenta ter vida própria, ainda que todas sejam simples moléculas — a menor partícula de matéria que conserva suas propriedades. Elas são capazes de mudar de forma por conta própria como se dotadas de raciocínio; em outros casos, agem como verdadeiros veículos de transporte de carga, entregando outras moléculas no endereço certo; e podem até construir moléculas tão complexas quanto elas mesmas. Num organismo vivo, as moléculas são tudo — como pedreiros, constroem as células, utilizando para isso ferramentas e tijolos também feitos de moléculas. No entanto, a água e os sais são moléculas igualmente — e não possuem tais características. Já as moléculas da vida — as proteínas que formam os tecidos, o DNA da hereditariedade e a hemoglobina do sangue — são muitíssimo maiores em tamanho e peso. Por esse motivo são chamadas macromoléculas. Mas o que as torna tão especiais?

Basta flagrar uma delas em ação no organismo. Por exemplo, a hemoglobina, responsável pela respiração. Seu trabalho começa no pulmão, onde se distribui pelos finíssimos vasos sangüíneos que irrigam os alvéolos pulmonares. Quando o ar é inspirado, enchendo os alvéolos, o oxigênio atravessa a fina membrana alveolar e se dissolve no sangue. Apenas desse modo, o oxigênio vital já poderia chegar às demais células do organismo. Mas há outro método muitíssimo mais eficiente: no interior dos glóbulos vermelhos do sangue (as hemácias), a hemoglobina permite o transporte de trinta a cem vezes mais oxigênio do que seria possível se estivesse simplesmente dissolvido. O corpo de um homem de 70 quilos contém aproximadamente 750 gramas de hemoglobina, uma molécula cuja estrutura somente pôde ser desvendada após o aparecimento da técnica da cristalografia por raios X na década de 30. Ainda assim, foram precisos mais de vinte anos para que a equipe da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, comandada pelo pesquisador austríaco M. F. Perutz, conseguisse montar o quebra – cabeça molecular, apresentando em 1959 a sua arquitetura externa. Perutz declarou na época sentir-se como “um explorador que havia descoberto um novo continente, mas sem chegar ao fim da viagem, pois o modelo não revela nenhuma pista do mecanismo molecular do transporte de oxigênio”. Muitos afirmaram que o modelo de hemoglobina apresentado era diferente do que deveria acontecer no seu ambiente natural, constituído pelas hemácias.

A hemoglobina, afinal, é composta de longas seqüências de aminoácidos, como contas de um colar, cada uma delas ligadas a um átomo de ferro cercado por um anel de carbono. É a esse átomo de ferro que se liga a molécula de oxigênio (O2). Uma solução de hemoglobina tem a cor púrpura, como a do sangue venoso, mas, quando se borbulha nela oxigênio, torna-se escarlate como o sangue arterial. A presença do oxigênio sob a pressão dos alvéolos pulmonares forma a oxi-hemoglobina, que é transportada pela circulação. Ao chegar aos capilares que irrigam as células, o oxigênio é liberado e uma molécula de gás carbônico (CO2) ocupa seu lugar, formando a desoxi – hemoglobina, que reinicia a viagem de volta, para ser expelida nos pulmões. Tudo isso ocorre umas doze vezes por minuto, estando o ritmo respiratório de uma pessoa em condições normais. A oxi-hemoglobina e a desoxi- hemoglobina formam cristais diferentes, como se fossem substâncias sem parentesco entre si.

Os cientistas ficaram atordoados ao descobrir que a hemoglobina não é um simples tanque de oxigênio, mas um verdadeiro pulmão molecular, mudando de estrutura cada vez que absorve ou libera O2. A rigor, sendo uma forma de matéria tão inanimada quanto a água, a hemoglobina não deveria ser capaz de alterar a sua estrutura — e foi isso que deixou os pesquisadores especialmente intrigados. Depois de muito investigar, concluíram que a solução da charada parece estar na maneira como os 12 mil átomos que formam a molécula da hemoglobina conseguem trabalhar juntos. De fato, essa máquina molecular, mantida coesa graças a forças elétricas, adota uma forma bem precisa quando está descarregada — assemelha-se a uma ostra, com quatro conchas articuladas formando uma esfera. As conchas são rígidas, mas se abrem sob o bombardeio que sofrem das moléculas de oxigênio, permitindo que elas grudem na fresta entre uma concha e outra, bem onde estão localizados os átomos de ferro. Como numa requintada coreografia, a ligação da primeira molécula de oxigênio é que desencadeia o processo de abertura das três outras ligações. Essa capacidade de ligar-se ao oxigênio ou ao gás carbônico, no entanto, tem uma desvantagem: a afinidade da hemoglobina com o monóxido de carbono (CO), que sai dos escapamentos de automóveis e da fumaça do cigarro, é 210 vezes maior que a sua atração pelo oxigênio. Ou seja, a hemoglobina prefere o monóxido de carbono mesmo quando sua presença no ar é 210 vezes menor que a do oxigênio. Quem acende um cigarro atrás do outro pode bloquear 20 por cento dos pontos de ligação para o oxigênio que existem na hemoglobina. Desse modo, menos O2 é transportado pelo sangue.

Quando o monóxido de carbono entra em contato com a hemoglobina, resulta uma ligação muito estável, tornando-se quase impossível deslocar as moléculas desse gás. Em casos de severa intoxicação, os médicos costumam administrar oxigênio sob pressão, para melhorar o estado geral do paciente, conseguindo assim desfazer essa ligação. Mas por que teria a hemoglobina tamanha afinidade com uma substância tão venenosa como o monóxido de carbono? Os cientistas não têm uma resposta pronta e acabada. Eles supõem que, por não ser o CO um gás comumente encontrável na natureza e, além disso, pouco solúvel em água, a hemoglobina não teria como prevenir-se contra essa ligação. Os bioquímicos estão estudando os possíveis ancestrais da hemoglobina humana para descobrir como chegou a ser o que é. Ela resulta de 4 bilhões de anos de evolução, desde que os primeiros aminoácidos propiciaram o aparecimento da vida. Segundo o professor John Hopfield, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, a hemoglobina tem para a Bioquímica a mesma importância do hidrogênio para a Física, pois serve de padrão tanto para novas teorias como para técnicas experimentais.

“A hemoglobina”, afirma Hopfield. “é o protótipo das moléculas protéicas que alteram sua estrutura em resposta a um estímulo químico.” Mas por que a natureza teve tanto trabalho para realizar uma tarefa aparentemente tão simples? As formas mais primitivas de vida é que desenvolveram uma molécula transportadora de oxigênio. Os moluscos, como as ostras, e os artrópodes, como os caranguejos, utilizam a hemocianina, um complexo protéico ao redor de um átomo de cobre. A variação da temperatura ambiente, porém, desestabiliza essa molécula e o animal morre. Segundo o químico Ricardo Ferreira, da Universidade Federal de Pernambuco, que pesquisa a evolução da hemoglobina, algumas espécies de lulas-gigantes do mar do Norte, na Europa, costumam aparecer mortas quando sobe a temperatura. Ele compara: “A hemoglobina, com suas quatro cadeias protéicas e um núcleo de ferro, dotou os animais de grande resistência, o que não seria possível com a hemocianina. Há 500 milhões de anos, nos peixes da classe Agnatha (enguias e lampreias), surgiu a mais antiga forma de hemoglobina, com apenas uma cadeia protéica.

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Passaram-se 50 milhões de anos até surgir a forma de quatro cadeias, todas absolutamente iguais. A hemoglobina moderna, com dois pares diferentes, apareceu também entre os peixes, há 430 milhões de anos. Mas, quando, em épocas remotas, estes saíram da água, passando a respirar o ar, diminuiu logicamente a afinidade pelo oxigênio, relativamente escasso na água. “É muito mais fácil retirar o oxigênio do ar, onde sua concentração é sempre da ordem de 21 por cento”, explica o biólogo Arno Schwantes, da Universidade Federal de São Carlos, no interior paulista, “do que respirar o oxigênio dissolvido na água, onde é preciso uma hemoglobina que tenha grande atração pelo gás”. Nas células, em geral, existe até 1 bilhão de macromoléculas dos mais diversos tipos. E cada uma delas tão sofisticada quanto a hemoglobina. Apenas no cérebro, segundo os cálculos do biólogo austríaco Paul Weiss, autor de estudos pioneiros sobre o sistema nervoso, existe cerca de 1 quatrilhão de células, ou 1015. Além disso, Weiss estimou que cada célula tem cerca de 10 mil vezes mais moléculas que o número de estrelas da Via Láctea. Nem todas, é claro, são macromoléculas. Para ser classificada como tal, uma substância precisa pesar 10 mil vezes mais que o átomo de hidrogênio. O peso molecular é contado em dáltons (d); 1 dálton equivale ao peso de um átomo de hidrogênio. A molécula de oxigênio (O2) tem o peso molecular de 32 d, e a da água (H2O), 18 d. Já o açúcar (C12H22O11), por exemplo, pesa 342 d.

Parece muito, mas é quase nada perto de uma proteína do leite, que tem nada menos de 5 941 átomos e pesa 42 020 d. Na verdade, trata-se ainda de uma pequena proteína, pois o peso médio dessas substâncias costuma girar em torno de 60 mil dáltons. A hemoglobina, que não é exatamente uma proteína, mas um derivado protéico, pesa 64 450 d. Um hormônio produzido pela glândula tireóide, que controla o metabolismo humano. pesa 630 mil dáltons. Enfim, o DNA, a molécula regente da organização celular, pode ser considerado um dos campeões entre as macromoléculas, com seus quase 2 bilhões de dáltons. As proteínas, a hemoglobina e o DNA são macromoléculas fundamentais para se entender o maior de todos os mistérios — a vida.

Ela pode ser considerada como um esforço por parte do organismo para manter as extremamente complexas moléculas que o compõem. A dificuldade da tarefa pode ser avaliada a partir do fato de que uma característica da maior parte das moléculas protéicas é ser extremamente instável, comparada com outras estruturas químicas. Fatores tão diversos, como o calor da mão humana ou a exposição ao ar, são suficientes em alguns casos para alterar de tal forma uma solução protéica que ela se torna biologicamente inútil. Que a vida possa existir, construída com moléculas tão frágeis que chegam a ser evanescentes, não é surpreendente, mas inevitável. Pois a vida implica ajustar-se rapidamente a novas condições. Existe algo num organismo vivo que o torna capaz de ajustar-se sem parar, absorvendo energia, apesar de mudanças na pressão atmosférica, na concentração de oxigênio, na temperatura, ou ainda em qualquer outra das centenas de variáveis do meio ambiente. Esse algo são as macromoléculas.

Para saber mais:

Átomos à vista

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(SUPER número 2, ano 3)

Motorzinhos do progresso

(SUPER número 4, ano 4)

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Novidades nas prateleiras das farmácias

(SUPER número 8, ano 5)

Nanotecnologia no coração da matéria

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(SUPER número 5, ano 6)

Longos colares da vida

Da geléia de mocotó aos xampus, tudo hoje em dia parece conter uma categoria muito popular de macromoléculas, as proteínas — assim como cerca de três quartos dos sólidos do organismo, que são pura proteína. Muitas delas atendem por nomes familiares: hormônios, anticorpos, enzimas, genes. Sua importância não poderia ser maior. Sem as enzimas, por exemplo, nenhuma reação química seria possível no organismo. Cabelo, pele e unha, por sua vez, são feitos de queratina, uma proteína estrutural, ou seja, responsável pelo revestimento externo do corpo. As propriedades das proteínas, que explicam suas múltiplas funções, são tão extensas que constituem o capítulo principal da Bioquímica. Como todas as macromoléculas, as proteínas são longos colares de aminoácidos, apenas catorze dos quais estão presentes no organismo em quantidades significativas. Os outros estão nos alimentos. A única fonte de aminoácidos que permite ao organismo sintetizar novas proteínas é uma dieta que também contenha proteínas animais (carne, leite e ovos) e vegetais (grãos). No estômago e no intestino, essas proteínas são partidas em cadeias cada vez menores até se chegar aos elementos básicos, os aminoácidos, que são então absorvidos.

Em média, uma molécula protéica possui quinhentos aminoácidos, combinados nas mais variadas seqüências. As possibilidades são de tirar o fôlego: com apenas dez aminoácidos é possível construir 3,5 milhões de proteínas diferentes; com vinte aminoácidos esse número dispara a estratosféricos 2,5 quintilhões (2,5 x 1018) de arranjos. Isso porque basta uma única mudança num aminoácido para se ter uma nova proteína. Desse modo, a natureza—a que não pode ser acusada de imprevidente — fabrica proteínas específicas para todas as tarefas possíveis e imagináveis, livre do risco de ficar sem alternativas. Apenas recentemente as novas técnicas de Biologia Molecular permitiram aos pesquisadores identificar a estrutura de algumas proteínas e criar por Engenharia Genética bactérias capazes de produzi-las em grande escala. Os primeiros frutos dessa revolução são a insulina humana para o tratamento da diabete, o hormônio do crescimento e a proteína TPA, que dissolve os coágulos sangüíneos durante um ataque cardíaco. Animados, os cientistas tentam agora criar nada menos que uma nova classe de proteínas inexistentes na natureza — uma substância que combina as propriedades dos anticorpos e das enzimas e por isso leva o nome de anticorpo catalítico ou abzima. Com ela será possível produzir um remédio capaz ao mesmo tempo de localizar uma célula cancerosa (função de anticorpo) e destruir sua membrana (função enzimática). E as proteínas dos xampus? Estas servem apenas para dar volume ao penteado, um efeito puramente cosmético, pois a pele não as absorve. De modo que a melhor receita para ter cabelos ricos e sedosos, como diz a propaganda, ainda é uma dieta balanceada.

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