Mortalidade infantil e número de nascimentos aumentaram após restrições no aborto nos EUA
Dois novos estudos mostram que os impactos das proibições não foram uniformes entre a população americana.

O número total de nascimentos aumentou em estados americanos que passaram a restringir ou proibir o aborto nos últimos 18 meses, mostrou uma nova análise. Ao mesmo tempo, a mortalidade infantil também subiu nessas regiões.
A conclusão vem de dois artigos publicados recentemente na revista científica JAMA.
A equipe, liderada por pesquisadores da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, calculou que a proibição do aborto em 14 estados resultou no nascimento adicional de 22.180 bebês. Além disso, foram registradas 478 mortes de recém-nascidos acima do esperado caso não houvesse mudanças nas leis.
Em junho de 2022, a Suprema Corte dos EUA mudou um entendimento de décadas que legalizava o aborto em todo o país. A partir daí, cada estado americano passou a decidir sobre o procedimento. O estudo focou em analisar os resultados de 14 estados que passaram a proibir ou restringir a interrupção da gravidez nos últimos 18 meses.
Na média, a mortalidade infantil subiu 5,6%. O impacto, porém, não foi o mesmo para todos. Entre bebês afro-americanos, por exemplo, a mortalidade subiu 11% em relação ao que era esperado caso a proibição não acontecesse. Já o aumento de mortes decorrentes de doenças congênitas foi de 10,9%.
Por outro lado, a taxa de fertilidade aumentou mais entre minorias raciais (negros, hispânicos e outros), mulheres jovens, solteiras e sem diploma universitário.
Os autores sugerem que o aumento da mortalidade infantil ocorreu, principalmente, por dois fatores: primeiro porque gestações de fetos com doenças congênitas, que tinham poucas ou nenhuma chance de sobrevivência, eram interrompidas com mais frequência antes da proibção do aborto. Alguns dos estados que restringiram o procedimento ainda mantêm a permissão para casos como estes, mas outros não abrem exceções.
O segundo fator é que as mulheres que mais afetadas pela proibição foram as de classes sociais mais baixas e de minorias raciais, que não conseguem, por exemplo, bancar viagens para estados onde o aborto é permitido. E essas populações sempre demonstraram maiores taxas de mortalidade infantil e materna.
“Essas descobertas indicam que muitas grávidas não conseguiram superar as barreiras para acessar serviços de aborto e, em vez disso, foram forçadas a continuar gestações indesejadas ou inseguras até o parto”, diz Suzanne Bell, professora assistente da Bloomberg School e coautora do estudo.
“Os efeitos dessas proibições não são sentidos uniformemente, os maiores impactos acontecem entre as populações que vivenciam as maiores desvantagens estruturais e em estados com os piores resultados de saúde materna e infantil.”
Os pesquisadores usaram dados de 2012 até dezembro de 2023. Com base nas tendências dos anos anteriores, construíram um modelo de quais dados seriam registrados em 2022 e 2023 caso não houvesse uma mudança no acesso ao aborto, e compararam os números com os que de fato foram vistos nesses 14 estados.
No Brasil, o aborto é ilegal em todo o país, com algumas exceções: gravidez decorrente de estupro, risco de vida à mãe e anencefalia do feto.