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O bife condenado

Experiências recentes associam a carne vermelha a seis tipos de tumor. Três mil especialistas reunidos no Rio de Janeiro alertam para ter cuidado com ela.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 19h02 - Publicado em 30 nov 1998, 22h00

Denis Russo Burgierman, com Sônia Maia, de Londres

De acordo com o julgamento das maiores autoridades do planeta no combate ao câncer, só o cigarro pode ser mais perigoso do que uma picanha na brasa. Daqui para a frente, o rodízio e outros cultos da carne passam a ser o inimigo público número 2 segundo a bancada de juízes reunida no 17º Congresso Mundial do Câncer, em agosto, no Rio de Janeiro. Quem acha que essa é outra moda passageira vai mudar de idéia quando ficar sabendo que, segundo os médicos, 35% de todas as mortes por câncer se devem, em boa parte, ao abuso no consumo de filés, lombos e lingüiças.

Bye bye, fraldinha

“Quem come mais de 140 gramas por dia deveria pensar em reduzir a cota”, disse à SUPER o oncologista inglês John Cummings, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Ou seja, se você é um carnívoro moderado e só ingere, diariamente, o equivalente a dois hambúrgueres médios de qualquer modalidade de carne vermelha (o que inclui boi, porco e os outros mamíferos comestíveis),

é melhor cortar um deles já. E se você é daqueles que não passam 24 horas sem deglutir uma portentosa fraldinha grelhada, é melhor procurar um nutricionista e se submeter a uma reeducação alimentar geral.

Nos países ricos o trauma será menor porque boa parte da população já vinha empurrando o vermelho para fora da paleta alimentar. Agora, com o veredicto dos cancerologistas, o destino do bife mal passado, no mundo todo, é se tornar ator coadjuvante em cardápios cada vez mais dominados por plantas e por delicadas receitas à base de peixes e frangos.

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Os venenos que a proteína esconde

A lista de doenças atribuídas ao bife não é apenas impressionante. Ela está crescendo. Para se ter uma idéia, até o início dos anos 90, a preocupação dos médicos concentrava-se nos males da gordura animal para o coração. Os fanáticos do espeto corriam alto risco de ataques cardíacos, hipertensão e aterosclerose. “Como a proteína vermelha tem muita gordura, ela aumenta as taxas de colesterol, um entupidor de artérias”, diz Bruno Debenois, diretor de Nutrição da Organização Mundial da Saúde.

Nesta década os médicos perceberam que também tinham que se preocupar com outra sinistra coleção de moléstias, a dos tumores malignos. Até 1990, apenas um câncer havia sido relacionado ao açougue, o do intestino, o terceiro que mais mata no mundo. Mas, de lá para cá, apareceram os da boca, da faringe e do estômago, o campeão de mortes no Brasil. E, este ano, estudos preliminares estão revelando ataques a mais dois órgãos, o seio e a próstata. Segundo previsões do Instituto Nacional do Câncer, os tumores do estômago terão sido responsáveis

pela morte de 13 200 brasileiros em 1998. Isso faz dele o mais letal do país (o segundo colocado é o que ataca o pulmão, com 12 700 vítimas).

Abaixo o bem-passado

Não está claro, ainda, qual é o elo entre a proteína vermelha e a proliferação de células malignas nos órgãos da digestão, mas que ele existe, existe. Há cinco suspeitos. Um deles é a gordura. “Ela dificulta a digestão, forçando o fígado e o estômago a produzir ácido em excesso”, explicou à SUPER o oncologista suíço Fabio Levi, da Universidade de Lausanne. “E a corrosão das paredes do intestino pode provocar mutações cancerígenas”, afirma ele.

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Outra hipótese é a de que o enxofre contido nos medalhões e escalopes possa estar participando de uma conspiração terrível, ao lado de uma infinidade de pequenas foras-da-lei. São as bactérias moradoras do intestino, denuncia o oncologista Cummings. “É quase certo que as toxinas expelidas pelas bactérias ao devorar o enxofre colaboraram para o aparecimento da doença.” No começo deste ano, Cummings fez uma experiência que confirma a hipótese (veja infográfico abaixo, à esquerda).

Outra substância perigosa contrabandeada para dentro do organismo é o chamado amino heterocíclico. Apesar de não existir nas proteínas cruas, ele é criado pelo calor da grelha ou da panela, formando aquele pretinho crocante dos churrascos e das frituras. “Os aminos acabam no interior das células, onde se ligam ao DNA e provocam mutações cancerígenas”, diz Barbara Pence, da Universidade Técnica do Texas, nos Estados Unidos. Ela demonstrou que, em altas doses, esses compostos chamuscados atacam o intestino e o estômago de ratos. Em novembro, os saborosos suspeitos foram também associados ao câncer do seio.

Quinteto de morte

As duas últimas substâncias incriminadas são o alcatrão, o mesmo do cigarro, contido na fumaça que sobe da picanha na brasa, e, pasmem, o sal que recobre a tradicional carne seca. Sozinho, ele é inofensivo. Mas, misturado a uma substância de nome arrevesado, o N-nitrosamida – segregado pela ligeira fermentação da carne ao sol – se transforma numa toxina cancerígena. Diante de um quinteto nefasto como esse, fica difícil ignorar os riscos da proteína vermelha.

Coma de tudo, até carne

Que uma coisa fique bem clara: você precisa de proteína. Ela constitui a matéria-prima com a qual são feitos todos os seus órgãos e as engrenagens do organismo no dia-a-dia (a hemoglobina, por exemplo, transporta oxigênio do pulmão para as células o tempo todo). Sem ela, seu corpo simplesmente não funciona. E a fonte número 1 dessas moléculas essenciais está na carne. A branca e a vermelha. Sem dúvida, alguns vegetais, como o feijão e a soja, também têm muitas proteínas, mas elas não são tão úteis quanto as dos animais. Isso se deve à maneira como o corpo aproveita a comida. Na digestão, as moléculas sofrem uma desmontagem, até serem reduzidas a peças menores, chamadas aminoácidos. Então, as células remontam as substâncias de que têm necessidade. Acontece que as proteínas vegetais não apresentam, em quantidade suficiente, todos os aminoácidos que entram na receita do organismo humano.

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Dito de outra maneira, você até pode adotar uma dieta 100% vegetariana e desistir de toda comida animal – ovo, leite, queijo, peixe, frango e boi. Só que, aí, vai ter que comer muito feijão para compensar. Seria preciso engolir, por dia, 1 quilo da leguminosa mais presente na dieta brasileira para suprir todas

as suas necessidades de aminoácidos. Por isso, os nutricionistas não acham boa idéia abandonar de vez os pratos de origem animal. “Eu aconselho consumir até 80 ou 100 gramas de carne vermelha a cada 24 horas”, conta a holandesa Wya van Staveren, pesquisadora da Universidade Wageningen. Desde que não seja todos os dias: “Umas três vezes por semana, deve-se substituí-la por peixe, ovo, queijo ou leite”, acrescenta Wya. A meta, aqui, é justamente ampliar a oferta de aminoácidos diferentes.

Menos desperdício

As folhas, grãos, frutas e outros vegetais também ajudam a aumentar a diversidade protéica à mesa e ainda acrescentam ingredientes que nem sempre existem nos frigoríficos, como as vitaminas e os carboidratos (veja no quadro abaixo à esquerda). “Esses itens são essenciais para que as proteínas sejam absorvidas e bem utilizadas”, ensina a nutricionista brasileira Flora Spolidoro. Os carboidratos fornecem energia para montar as moléculas; as vitaminas e os minerais controlam as reações químicas, evitando desperdício de matéria-prima.

“O segredo da boa saúde é mesmo a variedade”, afirma o gastroenterelogista Dan Weitsberg, editor da Revista Brasileira de Nutrição Clínica. Consumindo de tudo um pouco, o corpo aproveita melhor o que entra. O oncologista Saxon Graham, da Universidade do Estado de Nova York, diz que dá para garantir a saúde mesmo consumindo carne todos os dias, desde que não faltem vegetais no menu. “Se ela eleva o risco de câncer”, argumenta ele, “as plantas, em compensação, reduzem o perigo.” Saxon lembra que não se sabe bem como a coisa funciona, mas o fato é que quem tem uma boa dieta verde conquista a capacidade de consertar danos feitos pela carne no DNA, antes que os estragos virem tumor. É, ao mesmo tempo, uma boa notícia e um argumento definitivo a favor de mais pluralidade na bandeja.

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A solução é verde e branca

Em 1981, o empresário Vital Zurita representava uma raridade no Brasil. Fundador do restaurante Sativa, em São Paulo, ele era um dos poucos a servir comida natural no país. Quase vinte anos mais tarde, segundo ele, a situação se inverteu. “Naquela época, era quase impossível pedir um prato que não tivesse proteína animal”, lembra. “Agora, a concorrência é grande e até as churrascarias têm mais opções de saladas do que de assados.”

Não é só uma frase de efeito. Aqui, como em muitos países, rola, mesmo, uma onda verde, que tende a afogar os adeptos da lingüiça em um mar de almeirão. Uma pesquisa feita em outubro pela revista americana Cancer mostra que houve um crescimento de 20% no consumo de vegetais, nos Estados Unidos, desde 1973. Não é à toa que a Burger King, a segunda maior cadeia de lanchonetes do mundo, resolveu fazer um teste e lançou, em 1996, um hambúrger de soja nos Estados Unidos. A empresa afirma que ainda não tem uma avaliação definitiva, mas considera que, até agora, o resultado tem sido “interessante”.

A força das hortaliças é ainda mais clara na Inglaterra, a meca mundial dos vegetarianos. Lá, mais de 5% da população já é adepta dessa religião alimentar. E, de acordo com um levantamento do Instituto Gallup, feito há dois anos, 46% dos ingleses estavam cortando a carne vermelha das refeições.

Fome de granola

Com essa fome de granola, não espanta que a Linda McCartney Foods, criada em 1991, tenha se tornado uma potência no ramo dos produtos veggies. A dona da empresa, ex-mulher do músico Paul McCartney, por triste ironia morreu em abril de câncer no seio. Mas a companhia viu seu faturamento crescer 800% em sete anos e já exporta para a Austrália e os Estados Unidos.

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Não são apenas os vegetais que tendem a expulsar a proteína animal dos menus. A carne branca, representada pelo frango, também participa do movimento. Embora tenha uma quantidade um pouco menor de alguns minerais importantes, como zinco e ferro, é muito nutritiva e não tem tanta gordura quanto a dos bovinos. Além disso, não está sendo indiciada por causar doenças letais, como esta última.

Frangos no alto

As estatísticas demonstram que, na Europa e nos Estados Unidos, o frango voa alto, enquanto a vaca vai para o brejo. Nos dois lugares, o consumo de picanha vem caindo devagar, mas com firmeza, nos últimos dez anos. O tombo foi de aproximadamente 20% nos países europeus e de 7,5% nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, a procura pelo frango vem subindo aos saltos. As taxas de crescimento são de 40%, nos Estados Unidos, e de 20% na Europa. No Brasil, apesar de a carne vermelha ter crescido 40%, a subida dos galinácios é ainda mais extraordinária, de 100%.

“A redução no consumo é mais acentuada nos países ricos”, explica o especialista em comércio internacional de alimentos Frank Fuller, da Universidade do Estado de Iowa, nos Estados Unidos. “Nesses países, existe uma busca crescente por cardápios mais saudáveis.” Já os pobres, que antes não tinham acesso à cara carne vermelha, estão se aproveitando da queda internacional dos preços. A carne bovina também ganha adeptos no Oriente, lembra Fuller. Os casos extremos, segundo ele, são o Japão e a Coréia do Sul. Na Coréia, o consumo mais do que dobrou em dez anos. Fuller suspeita que esses povos estejam, como retardatários, imitando o hábito ocidental de exagerar nos hambúrgueres e filés.

O que é grave. Segundo Cummings, o especialista de Cambridge, os cânceres do sistema digestivo, antes quase inexistentes, estão começando a aparecer com freqüência cada vez maior naqueles países. É sinal de que a troca de sua mesa tradicional, farta em peixes, pelo anacrônico modismo ocidental está custando caro. Não é bom negócio ignorar o julgamento dos médicos reunidos no Rio. Até que sejam apresentadas novas provas, fica valendo a sentença: o bife só pode se aproximar de seu prato de vez em quando.

Para saber mais

The Nutrition Desk Reference, Robert Garrison e Elizabeth Somer, Keats Pub, New Canaan, 1997.

The Vegetarian Life: How to Be a Veggie in a Meat-Eating World, Elizabeth Ferber, Berkley Pub Group, Berkley, 1998.

Na Internet: https://www.ganesa.com

Gases vigiados

Cientistas ingleses desmascaram um conluio de bactérias para criar células malignas.

1. Um voluntário fica numa sala lacrada, onde o ar entra e sai por tubos dotados de válvulas. Controlando o tubo de saída, sabe-se quais são os gases produzidos pelo sistema digestivo da cobaia.

2. Os cientistas dão ao cidadão uma dieta de carne vermelha, que contém enxofre e hidrogênio, e esperam, mais tarde, durante a checagem, encontrar este último entre os gases gerados na sala.

3. No final da experiência, entretanto, acham muito pouco hidrogênio e passam a desconfiar que ele poderia estar sendo consumido dentro do intestino do voluntário. Decidem procurar quem é o ladrão de gás.

4. Exames revelam bactérias chamadas dessulfovíbrio, capazes de combinar hidrogênio e enxofre para obter energia. Elas expelem um composto tóxico, o dióxido de enxofre, que é cancerígeno.

Trivial variado

Cada almoço e cada jantar devem oferecer uma boa diversidade.

Proteína

A matéria-prima do corpo. Com elas, você produz sangue e outras células. Ela está nas nas carnes, nos queijos, nos ovos e em vegetais como a soja e o feijão. A dose diária é de 90 gramas de carne ou dois ovos.

Gordura

A grande vilã dos cardíacos não é de todo má. Sem ela, o corpo não absorve vitamina C. A recomendação é evitar excessos, especialmente a da pele de frango e da carne vermelha.

Energia

Os açúcares, encontrados nos doces e frutas, e os carboidratos, no milho, arroz e batatas,liberam nas células a energia que faz tudo funcionar. Três a cinco copos de cereais ao dia fornecem a quantidade de que você precisa.

Vitaminas e minerais

Fazem o corpo usar a comida sem desperdício. Frutas e verduras têm vitamina C; leite, cálcio; carne, vitamina B e ferro. A medida é três a cinco copos de folhas ou legumes picados.

Fibras

Duras demais, não são digeridas. Passam direto pelo intestino e varrem toda a sujeira. Estão em frutas, arroz, trigo, centeio, cevada. Você completa a cota com duas ou três maçãs ao dia.

O gosto pelas plantas, desde a Antiguidade

“A cada ano, 1 milhão de americanos tornam-se vegetarianos”, exulta Bruce Friedrich, chefe das campanhas contra a carne da Peta, sigla em inglês para Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais, uma organização não-governamental americana de defesa dos direitos dos animais. É provavelmente um exagero e não há números confiáveis sobre isso. Mas a onda parece estar crescendo. Seria o reinício de uma tradição milenar, como sugere a lista dos vegetarianos de ontem e de hoje, que você lê ao lado.

Zoroastro (628 a.C.-551 a.C.), religioso persa

Pitágoras (580 a.C.-500 a.C.), matemático grego

Sócrates (470 a.C.-399 a.C.), filósofo grego

Ovídio (43 a.C.-17 d.C.), poeta romano

Leonardo Da Vinci (1452-1519), pintor italiano

Isaac Newton (1643-1727), físico inglês

Voltaire (1694-1778), poeta francês

Arthur Schopenhauer (1788-1860), filósofo alemão

Charles Darwin (1809-1882), naturalista inglês

Franz Kafka (1883-1924), escritor tcheco

John Lennon (1940-1980), músico inglês

Linda McCartney (1941-1998), empresária inglesa

Brad Pitt (34 anos), ator

Brigitte Bardot (64 anos), atriz

Brooke Shields (33 anos),atriz

Claudia Schiffer (27 anos), modelo

Dustin Hoffman (62 anos), ator

Kim Basinger (45 anos), modelo

Martina Navratilova (43 anos), tenista

Paul McCartney (56 anos), músico

Richard Gere (49 anos), ator

Steve Jobs (43 anos), empresário

Sting (47 anos), cantor

Yoko Ono (65 anos), artista plástica

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