‘Red Nº3’: corante alimentício eritrosina é banido nos EUA por causar câncer em ratos
A FDA, no entanto, diz que não há riscos para humanos. Por aqui, a substância é permitida e a Anvisa reavaliará a questão.

A Food and Drug Administration (FDA) – agência reguladora americana equivalente à nossa Anvisa – revogou a autorização que permitia o uso do corante eritrosina em alimentos, bebidas e medicamentos no país. A substância, conhecida por lá como “Red nº 3” (“Vermelho número 3”), foi proibida após uma revisão das evidências científicas mostrar que ela está associada ao aparecimento de câncer em ratos.
Apesar da proibição, a FDA afirmou que não há nenhum indício de que o corante possa causar câncer ou outros malefícios em humanos.
O corante é comum na indústria alimentícia e farmacêutica, tanto nos EUA quanto no Brasil. Por aqui, a Anvisa já avisou que a eritrosina segue permitida, mas que analisará os documentos apresentados à agência americana para decidir se será necessário uma reavaliação da questão.
Com a nova diretriz, as empresas alimentícias dos EUA terão até 2028 para reformular seus produtos, excluindo o corante da composição. Já as farmacêuticas deverão fazer isso até 2027.
O que é eritrosina?
O vermelho número 3 é um corante sintético muito usado em alimentos processados e ultraprocessados, em medicamentos, tintas para cabelos e cosméticos. Derivado do petróleo, ele dá uma cor vermelho-cereja brilhante nos produtos em que é aplicado. Foi sintetizado no final do século 19 e amplamente aplicado na indústria durante o século 20 por ser barato e potente.
Hoje, ele é especialmente encontrado para dar a cor vermelha a doces, balas, cupcakes, biscoitos, bebidas e tudo mais de sabores como morango, cereja e red velvet. Também é encontrado em alguns medicamentos, incluindo em xaropes contra a tosse.
O vermelho nº 3 causa câncer?
Não é de hoje que cientistas e grupos civis chamam a atenção para os possíveis riscos da eritrosina. Na década de 1980, um estudo forneceu altas doses do corante para ratos, e os resultados mostraram que alguns deles desenvolveram câncer na tireoide.
O artigo foi utilizado como argumento para pedir a proibição do corante. No entanto, as evidências não convenceram a todos, já que se tratava de um estudo com ratos e com doses muito altas da substância, acima das consumidas por nós.
Na década de 1990, a FDA baniu a eritrosina de ser usada em cosméticos e alguns alimentos (como sorvetes), mas manteve a permissão para uso na maioria dos alimentos e medicamentos.
Outros países também passaram a regular a substância com base nessas evidências; na União Europeia, por exemplo, o corante só pode ser usado em cerejas em calda e em pastas de dente em baixa concentração.
Por outro lado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e diversas agências de saúde de países ao redor do mundo permitem o uso do corante, desde que em quantidades baixas. Essas entidades citam estudos que não mostram nenhum malefício à saúde humana, incluindo quando o assunto é câncer.
Por que foi banido?
Quando, há 35 anos, a FDA proibiu o uso da eritrosina em cosméticos, admitiu que a proibição em alimentos também era questão de tempo. Isso porque, por lei, a agência não tinha muita opção.
Numa lei federal de 1958, que regula os aditivos alimentares, há uma cláusula chamada “cláusula Delaney”. Esse pedaço da legislação diz claramente que uma substância que está associada à incidência de câncer em humanos ou animais não pode ser considerada “segura”.
Em 2022, grupos civis que advogam pela saúde pública e pelos direitos do consumidor entraram com um pedido oficial para que a FDA reavaliasse a eritrosina, alegando que ela desrespeita a cláusula Delaney.
A resposta saiu agora, em janeiro de 2025. A agência concordou com o argumento, já que, de fato, o corante está ligado ao aparecimento de câncer em ratos. Por isso, retirou a permissão do seu uso na indústria alimentícia e farmacêutica.
A FDA, no entanto, ressaltou que outros estudos feitos com humanos e outros animais (além de ratos) mostraram não haver ligação entre a substância e a incidência de câncer. O aparecimento de câncer nos roedores parece acontecer por conta de um mecanismo hormonal específico desses bichos, que não se repete em outras espécies.
“A maneira que o vermelho nº 3 causa câncer em ratos machos não ocorre em humanos”, disse a FDA em seu comunicado. Além disso, os “níveis de exposição ao corante em humanos são geralmente muito mais baixos do que aqueles que causam os efeitos mostrados em ratos”, complementa.
Em resumo, o que a agência argumenta é que o corante é seguro para consumo humano, mas deve ser proibido por conta dos efeitos observados em ratos e de como a lei está redigida. “Alegações de que o uso do vermelho nº 3 em alimentos e em medicamentos coloca as pessoas em risco não são corroboradas pelas informações científicas disponíveis.”
A decisão vem um ano após a Califórnia, o mais populoso estado americano, banir o corante por conta própria, além de outros três aditivos alimentares. Somando-se às evidências do câncer em ratos, a petição neste caso citava um estudo que indicava uma possível ligação entre o uso de corantes sintéticos e alterações de comportamento em crianças, como hiperatividade.
Desde a decisão californiana, várias empresas americanas já vinham trocando seus corantes artificiais por opções mais naturais, derivadas de frutas, vegetais e insetos (sim, insetos).
E no Brasil?
O corante é permitido no nosso país e amplamente utilizado. A Anvisa já afirmou que não há indícios de riscos no uso da eritrosina em alimentos e medicamentos nas doses atuais.
Mesmo assim, e apesar da decisão da FDA naõ trazer nenhuma evidência nova e se basear apenas em estudos anteriores já conhecidos, a agência brasileira irá analisar as referências científicas citadas no processo americano para analisar se é preciso ou não de uma reavaliação da autorização.
Outros países também reagiram de forma parecida à decisão americana. A agência reguladora do Canadá, por exemplo, reafirmou que não há riscos e que a permissão para o uso do corante seguirá no país.
De qualquer forma, é sempre bom lembrar: ainda que não haja uma relação direta com câncer, a eritrosina é um corante sintético muito utilizado em alimentos ultraprocessados – que devem, sim, ser consumidos com moderação.