Seu rolê foi cancelado pelo coronavírus? Entenda por que isso é importante
A Disney, a NBA e até um congresso sobre o próprio coronavírus (!) estão suspensos. Para consolar os decepcionados, explicamos o que torna aglomerações de pessoas tão perigosas.
O coronavírus cancelou o mundo. Basicamente qualquer evento que envolva concentrar mais de dez pessoas em um local com teto foi adiado por tempo indeterminado no hemisfério norte – e essa precaução já começou a ser adotada com frequência no Brasil. Quem tem ingresso comprado para um show ou jogo pode achar que é exagero. Afinal, a mortalidade do vírus entre jovens adultos é de apenas 0,2%, e o sintomas são similares ao de uma gripe sazonal. De longe, a impressão é de que a imprensa e as autoridades estão se descabelando por algo trivial.
Obviamente, não é bem assim. Vamos explicar porque o simples ato de não encher um estádio pode salvar vidas. Toda epidemia tem um valor chamado R0 – o número médio de pessoas que são infectadas a partir de um único doente. Por exemplo: o R0 do sarampo é 15, o que significa que cada paciente de sarampo passa a doença para mais ou menos 15 pessoas.
O R0 não é fixo, e isso é crucial. Por exemplo: as estimativas do R0 da gripe espanhola de 1918 – a pior pandemia da história – têm valores diferentes para lugares abertos (entre 1,2 e 3) e confinados (entre 2,1 e 7,5). Por “confinado”, entenda hospitais, porões de navio ou acampamentos militares, três coisas comuns imediatamente após a 1a Guerra Mundial, quando esse vírus H1N1 turbinado chegou ao auge.
Moral da história? O grande número de pessoas concentradas em más condições sanitárias certamente contribuiu com o espalhamento do vírus naquela época, que matou algo entre 17 milhões e 50 milhões de pessoas. Nós aprendemos a lição. Não estamos em um cenário de guerra generalizada, mas quanto menos pessoas se apertarem em estádios ou arenas, mais o vírus vai demorar para se espalhar, pois menor será o valor R0.
Demorar para se espalhar não significa que ele não vá se espalhar, é claro. Marc Lipsitch, epidemiologista de Harvard, estima que algo entre 20% e 60% dos adultos serão infectados pelo novo coronavírus (veja o tweet abaixo). Ou seja: com ou sem aglomerações, a COVID-19 de fato tem chances de alcançar uma parcela razoável da população. Mas é importante que isso aconteça gradualmente, e não rápido demais. Caso contrário, nem a saúde pública nem a privada vão comportar a demanda por leitos.
Para ilustrar, vamos fazer uma conta rápida, de guardanapo. A mortalidade do coronavírus, no momento, é estimada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 3,4%. A OMS admite que o valor pode estar alto demais, e outras fontes confiáveis falam em algo entre 0,8% e 1%.
20% da população brasileira equivale a 40 milhões de pessoas. Se 3,4% dessas pessoas precisassem ficar internadas no hospital – e o número seria maior, já que evidentemente nem todos os hospitalizados morrem – ainda estaríamos falando em 1,3 milhões de leitos. O Brasil, entre hospitais públicos e privados, tem aproximadamente 400 mil leitos. E as pessoas não pararam de ficar doentes por outros motivos, é claro.
A questão é: isso não vai acontecer. Porque as pessoas não ficam doentes todas ao mesmo tempo. E quanto menos pessoas ficarem doentes ao mesmo tempo, mas fácil será de cuidar de cada uma delas. Mesmo nos casos mais graves (aproximadamente 20%), em que o coronavírus alcança as células do pulmão e põe a vida dos pacientes em risco, com o tratamento correto a chance de recuperação é muito mais alta.
Isso é representado perfeitamente pelo gráfico do videozinho abaixo. A curva verde é o ritmo em que os casos aumentariam caso todo mundo continuasse indo para baladas, shows e eventos esportivos. A curva laranja é a redução na velocidade do espalhamento (e no número total de casos) que ocorre quando todo mundo topa ficar de home office. Vale a pena sacrificar um pouco a própria diversão: mesmo que o coronavírus te dê apenas uma tosse leve, você acaba salvando a vida de outras pessoas – que não vão ficar na fila para serem atendidas.