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Sua identidade genética

O Projeto Genoma chega ao fim. Depois de catalogar todos os genes que se escondem na longa molécula de DNA, os cientistas poderão prever o que o destino reserva à nossa saúde. Em breve teremos nosso mapa genético, singular e personalizado.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h36 - Publicado em 30 jun 2000, 22h00

Duda Teixeira

Dez anos depois de lançado, o empreendimento público mais caro e ambicioso da história da Biologia – a identificação de todos os genes do corpo humano – está quase no fim. Após mobilizar milhares de cientistas de dezesseis laboratórios dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha, França, Alemanha, do Canadá e do Japão e estimular a concorrência de empresas privadas, o Projeto Genoma Humano já está provocando uma intensa transformação na Medicina e na Economia.

“Em termos de ciência básica é o equivalente a pisar pela primeira vez na Lua”, diz o biólogo Marcelo Briones, da Universidade Federal de São Paulo. “Em termos de negócio o impacto é grande, pois toda uma indústria farmacêutica ligada à prevenção genética está nascendo.” Briones, que estuda o código das células tumorais no programa Genoma Humano do Câncer – um projeto brasileiro paralelo ao internacional, dedicado só às células cancerosas –, sabe que a identificação de cada um dos genes abre a porta para compreender o funcionamento deles. “Uma coisa é ler, outra coisa é interpretar”, ressalta. Assim, quando descobrir qual a função dos genes, a ciência entenderá como o DNA determina a sina de cada um de nós, formatando nossa inteligência, orientação sexual, suscetibilidade às doenças e até tendência para o consumo de drogas.

Na prática, os cientistas poderão criar um modelo de DNA da raça humana e compará-lo com o de cada indivíduo. Já existem chips de computador capazes de realizar mais de 1 000 testes genéticos simultaneamente e analisá-los com rapidez. Assim, quando o mapa da nossa identidade genética apresentar alguma anomalia, os médicos saberão de antemão o que isso significa. Estarão em condições de descobrir, por exemplo, se você fabrica uma proteína que, no futuro, produzirá um tumor. Ou, se você já tiver um, prever como ele irá se comportar nos próximos anos – se vai ficar quieto ou se vai crescer e se espalhar.

Isso significa que a Medicina mudará de foco. Já. Vai ser capaz de enfrentar as doenças antes de elas aparecerem. “Em termos de diagnóstico e de prognóstico, o impacto das revelações do Genoma Humano do Câncer poderá começar no ano que vem”, anuncia Briones.

Genes malignos podem ser substituídos

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Para decifrar a sucessão de letras do código genético, os cientistas do Projeto Genoma escolheram, em 1990, um método preciso, porém lento. Como a molécula de DNA é demasiado grande para ser lida inteira (1,8 metro), optaram por dividir os cromossomos um a um para, então, juntá-los. Seis anos depois, a estratégia foi questionada pelo biólogo americano Craig Venter, membro do projeto. Em 1998, Venter decidiu partir para a aventura por conta própria e criar um método mais rápido. Nele o genoma é fragmentado de uma vez em 70 milhões de bocados aleatórios. O problema posterior – pôr ordem na bagunça – foi remetido para os supercomputadores da companhia fundada por ele, a Celera Genomics. O resultado, afinal, não foi mal.

Em abril passado Craig chegou a anunciar a conclusão do seqüenciamento do código genético de um indivíduo. Todas as bases estavam devidamente catalogadas, só faltava agrupá-las na grande molécula. A notícia caiu como uma bomba dentro e fora da comunidade científica.

Aplicação prática

No Brasil, as pesquisas também avançaram. Em fevereiro último geneticistas brasileiros terminaram a tradução do genoma da Xylella fastidiosa, a bactéria que causa o amarelinho e danifica um terço dos pomares cítricos do país. Vários institutos em São Paulo estão elaborando estratégias de combate à praga.

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No mês seguinte foi lançado o Genoma Humano do Câncer. O projeto, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo e pelo Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer, reúne 32 laboratórios nacionais na investigação do DNA de células cancerígenas. O objetivo é identificar os pedaços onde se escondem genes malignos. Até junho, sessenta genes suspeitos de estar envolvidos no câncer de mama foram fichados. O foco principal está nos tumores de estômago, de colo do útero e de cabeça e pescoço, alguns dos mais comuns na população brasileira. A conclusão do seqüenciamento deverá acontecer neste ano ou, no máximo, no início de 2001.

Uma vez realizados, os testes genéticos poderão delatar os genes malignos e prever como será a evolução de uma doença. Com eles será possível identificar, com precisão, proteínas doentes que precisam de terapia química. Ou corrigir o gene defeituoso com a introdução de um gene saudável. “Essas duas técnicas serão viáveis a longo prazo, entre cinco e vinte anos”, diz Marcelo Briones.

No mundo todo a Genética está avançando. Graças aos vários projetos genomas em andamento, mais de 3 000 enfermidades já foram catalogadas. Quando a identificação dos genes humanos for terminada, a repercussão será notável. Como as descobertas ainda estão acontecendo, espera-se que, lá pelo ano 2020, um em cada três remédios disponíveis nas drogarias seja fabricado com base em conhecimento genético. O homem poderá mudar o destino da sua saúde.

Para saber mais

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Na Internet

https://www.celera.com

https://www.nhgri.nih.gov

dteixeira@abril.com.br

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O código do ser

Existem 23 pares de cromossomos como estes no núcleo das células humanas. Em cada um deles há um número variável de genes, formados por bases, representadas pelas letras A, T, G e C. Cada gene é responsável pela produção de uma determinada proteína. Há entre 10 milhões e 20 milhões delas, regendo milhares de reações químicas que ocorrem a todo segundo no nosso organismo. Dependendo de onde agem, as proteínas podem gerar benefícios ou doenças. São os comandos dos genes, portanto, que condicionam nossa maneira de ser.

Algo mais

Homens e animais têm muitos genes em comum. A diferença é pequena. A comparação de 289 genes causadores de doenças humanas com os da mosca drosófila, por exemplo, revelou que 177 deles são compartilhados.

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Linha do tempo

A aventura começou há dez anos. Desde então, as descobertas não pararam de brotar.

1990

• Início oficial do Projeto Genoma Humano. Cientistas de vários países começam a trabalhar em sincronia para mapear todo o código genético humano. O objetivo é identificar a função de cada um dos genes.

1991

• O biólogo Craig Venter, então trabalhando para o governo americano, solicita a patente de 337 genes humanos.

• Mary-Claire King, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, associa um gene do cromossomo 17 com o surgimento do câncer de mama hereditário e com um maior risco de câncer de ovário.

1992

• Cientistas britânicos e americanos desenvolvem uma forma de detectar anomalias genéticas em embriões.

1993

• Pesquisadores do Instituto Nacional do Câncer, nos Estados Unidos, anunciam que ao menos um gene da homossexualidade reside no cromossomo X. Ele é herdado da mãe.

1995

• O geneticista Craig Venter, então no Instituto de Pesquisas do Genoma, uma entidade sem fins lucrativos, conclui a leitura completa do primeiro genoma de um organismo vivo, o da bactéria Haemophilus influenzae, causadora da meningite.

1996

• Um consórcio internacional noticia o mapeamento do genoma da levedura da cerveja, a Saccharomyces cerevisae.

1997

• É concluída a leitura dos genes da bactéria Escherichia coli, que provoca a diarréia.

• O geneticista escocês Ian Wilmut, do Instituto Roslin, obtém Dolly, o primeiro clone de um mamífero criado a partir de uma célula adulta.

1998

• Termina o seqüenciamento do bacilo responsável pela tuberculose, o Mycobacterium tuberculosis.

• Craig Venter revela o plano de decifrar inteiramente o genoma humano em 2001 e funda a Celera Genomics, uma empresa com um pé na tecnologia e outro no mercado de ações.

1999

• Jesse Gelsinger, um jovem de 18 anos afetado por uma deficiência enzimática, morre quatro dias depois de receber um tratamento com terapia gênica. Testes da técnica em humanos são interrompidos.

• É feito o seqüenciamento total do cromossomo 22.

• Começa o projeto brasileiro Genoma Humano do Câncer.

2000

• A Celera Genomics anuncia que conseguirá decodificar inteiramente o DNA de um indivíduo até o final do ano.

• O presidente americano Bill Clinton e o primeiro-ministro britânico Tony Blair pregam o livre acesso aos dados biológicos do homem.

• A revista Science publica o mapa genético completo da mosca Drosophila melanogaster.

• O Projeto Genoma informa o mapeamento total do cromossomo 21, o menor de todos, com 225 genes identificados.

• Uma equipe nacional noticia o seqüenciamento integral da bactéria Xylella fastidiosa, responsável pelo amarelinho, que ataca quase um terço dos laranjais paulistas.

Da bactéria para o computador

O método para decifrar o DNA passa por diversos estágios.

1. Amostras de DNA do sangue e do sêmen de voluntários são fragmentadas e inseridas em bactérias. Ali elas se multiplicam.

2. Um braço robotizado transfere as amostras para os vidros do laboratório.

3. Um material radioativo tinge as várias bases que formam um gene e confirma onde eles estão situados.

4. Sob a ação de um campo magnético, os pedaços de gene descem por estes fios. Ao chegarem à ponta, são lidos por um laser que identifica as bases radioativas. Depois, os milhões de fragmentos são catalogados por computador.

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