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Usinas de carne

Veja quais são os aditivos químicos que os animais de criação recebem antes de chegar ao seu prato

Por Márcia Kedouk
Atualizado em 17 mar 2017, 14h19 - Publicado em 17 mar 2017, 14h10

Os animais que comemos são cria de grandes laboratórios rurais – ou aquáticos. O salmão é um exemplo. Na natureza, ele é branco e vai ganhando a cor rosada porque come camarão, que por sua vez come um tipo de alga que contém um pigmento rosado chamado astaxantina. Só que quase 100% desse peixe vendido no Brasil vêm de cativeiros e recebem astaxantina “na veia”. Bom, não na veia, mas misturado à ração. Seja como for, é como se pintássemos os salmões para eles parecerem mais apetitosos. Uma linha de montagem, basicamente.

Outros animais crescem e engordam à base de ração com aditivos, hormônios e anabolizantes. Anabolizantes fazem as células, principalmente dos músculos, reterem mais nutrientes, crescerem e se multiplicarem rapidamente. Traduzindo: mais carne em menos tempo. O uso no Brasil é, em tese, proibido. “Em tese”, porque os aditivos podem ser usados nos animais para fins terapêuticos, como sincronizar o cio das vacas ou tratar alguma doença.

O que é permitido por aqui e em vários países é o uso do hormônio do crescimento nas vacas leiteiras. Produzido naturalmente pelo corpo dos animais (e dos humanos), a substância foi sintetizada em laboratório e começou a ser fabricada em larga escala a partir de 1980. As vacas que recebem o hormônio chegam a produzir 20% mais leite, o que é bom para quem ganha dinheiro com a prática. Para o consumidor, há dúvidas sobre o efeito disso na saúde. Estudos europeus apontam que esse hormônio pode causar alergias e até câncer em quem bebe o leite, então seu uso é proibido por lá.

Em 2007, o Ministério Público do Pará entrou com uma ação contra o uso da substância no rebanho nacional até que se prove ser segura, além de exigir a especificação nas embalagens de carne, leite e derivados de animais tratados com ela. O pedido foi negado. Segundo o parecer, que saiu só no fim de 2012, não há provas de que faça mal para a saúde. “Realmente, não existe consenso científico. Por isso é que temos de fazer valer o princípio da precaução: se há dúvidas, o uso deve ser restringido”, me contou o procurador da República Bruno Araújo Soares Valente, autor da ação. Ele entrou com recurso e espera outro parecer. “Infelizmente, não há um prazo para a resposta. Até lá, o governo segue fiscalizando da melhor forma possível, considerando que no Brasil existem poucos agentes para muitos estabelecimentos.”

A vida dos frangos também é difícil. Mas é mito essa história de que eles recebem hormônios. O que acontece é que eles ficam confinados em gaiolas minúsculas comendo doses cavalares de milho e soja misturados e são submetidos a quase 24 horas de luz artificial por dia. Tudo isso para crescerem e engordarem rápido e, no caso das galinhas, para aumentar a produção de ovos. Assim como acontece com a gente, boa parte dos animais tem um mecanismo regulador de sono desencadeado pela melatonina, um hormônio produzido pela glândula pineal. Quando anoitece, o cérebro manda uma mensagem para liberar a produção de melatonina – é ela que traz a sonolência. Quando a luz (do dia ou artificial) incide sobre a retina e o nervo óptico, os neurônios levam até a glândula a informação de que é preciso bloquear o processo. Manter o corpo em estado contínuo de alerta provoca o aumento da descarga de cortisol e de adrenalina, hormônios relacionados ao estresse. Essas substâncias não vão passar para quem come o frango – mas não deixa de ser indigesto saber disso.

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Os porcos são vítimas de crueldades parecidas. As fêmeas passam os quatro meses de gestação deitadas em celas individuais de metal de 60 centímetros de largura por 2 metros de comprimento. Sem espaço para se mexer, elas ficam com os ossos enfraquecidos e têm mais infecções urinárias. Abaixo delas, uma piscina de xixi e cocô libera amônia em níveis tóxicos, causando doenças respiratórias.

Já os bois, que nasceram para transformar a celulose do capim em proteína para seus músculos, quando criados em confinamento são alimentados com soja e milho, muito mais calóricos do que a grama. Tudo em nome do rápido crescimento e da engorda. São necessários 10 quilos de grãos para produzir 1 quilo de carne. Como os bois não vieram ao mundo preparados para dar conta dessa ração, podem ter problemas com ela. Afinal, eles são ruminantes, o que significa que têm rumem, um superestômago cheio de bactérias, que vivem ali para tirar da grama os nutrientes necessários para o corpo. É um processo de fermentação. E quando, em vez de mato, chega um monte de soja e milho – uma comida bem mais gorda –, a fermentação é muito maior e gera acúmulo de gases, que incham o estômago e pressionam o pulmão. Em alguns casos, isso é fatal. Então, para evitar que o bicho morra, tome remédio nele: 70% de todos os antibióticos usados nos Estados Unidos são os que vão misturados às rações dos animais. O problema é que isso cria superbactérias resistentes a antibióticos. É Darwin em ação: o remédio nem sempre mata todas as bactérias. Às vezes sobram algumas que, por mutação genética, nasceram imunes ao remédio. Sem a concorrência de outras bactérias, elas se reproduzem à vontade. Nasce uma cepa de micro-organismo mais resistente a qualquer antibiótico. Ela pode ser letal. Ainda mais se for parar na prateleira do supermercado. Foi o que aconteceu com uma variedade agressiva de Escherichia coli. Em 2001, o garoto americano Kevin Kowalcyk, de 2 anos de idade, comeu um hambúrguer contaminado por essa bactéria.

No Brasil isso não é um problema. Só 6% do nosso abate vem de confinamentos, contra 99% nos EUA. Aqui os bois ficam soltos. Bom para eles, pior para as bactérias. Mas pior também para as florestas. Nossos pastos são formados à custa de desmatamento da Amazônia e do cerrado. E isso leva o Brasil ao posto de quinto maior emissor de CO2 do mundo. Quase 52% dos nossos gases estufa vem do desmatamento.

Para frear isso de forma realista (porque parar de criar bois e de exportar carne não tem nada de realista), a solução é o confinamento. Só que essa modalidade de criação também não é a panaceia para o ambiente. Os galpões de gado causam tantos impactos quanto uma cidade grande: lixo, esgoto, rios poluídos… Até mais, na verdade. Para você ter uma ideia, 2.500 cabeças de gado produzem a mesma quantidade de excremento de uma cidade com 411 mil habitantes, quase a população de Florianópolis. Agora imagine: o Brasil é a China dos bois. Temos mais gado do que gente. São 212 milhões de cabeças, uma multidão bovina que, para efeitos sanitários, causa o mesmo impacto que 34 bilhões de pessoas causariam.

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Boa parte desse cocô vai para grandes lagos de esterco, que servem de parque aquático para bactérias: elas podem passar desses lagos para o solo de uma lavoura. Podem e conseguem. Só de recalls de vegetais contaminados já foram 20 na última década nos EUA. Em setembro de 2006, uma variação da bactéria E. coli, que pode causar diarreia hemorrágica, falência dos rins e problemas neurológicos, se alastrou por 20 Estados americanos. Em menos de 24 horas, uma pessoa havia morrido, oito tiveram insuficiência renal e 90 estavam internadas por complicações depois de terem comido o alimento contaminado. Um comissário da Federação de Drogas e Alimentos, o FDA, se apressava em informar à população que não adiantava lavar o produto antes de consumir, porque a bactéria resistiria. As autoridades sanitárias já tinham identificado a fonte do surto: espinafre fresco vendido em saquinhos nos supermercados. Em 2011, uma variação ainda mais nociva se espalhou pela Europa, matando mais de 50 pessoas e infectando outras 4 mil.

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* Este é um trecho do livro Prato Sujo – Como a Indústria Manipula os Alimentos para Viciar Você, de Márcia Kedouk, editado pela Super.

(reprodução/Superinteressante)

 

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