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Ao destroçar a mata nativa, o agronegócio cava a própria cova

As mudanças climáticas vão invabilizar o plantio em várias regiões. Mantido o desmatamento no ritmo atual, o setor perderá US$ 1 bilhão por ano até 2050.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
18 out 2024, 14h00

Esta é a carta ao leitor da edição 468 da Super, de outubro de 2024.

O governo brasileiro tem pensado muito em multas, talvez porque não receba nenhuma. O Ibama aplicou 57,8 mil penas por crimes ambientais nos últimos cinco anos, mas só viu a cor do dinheiro em 5,1 mil desses casos – o equivalente a 8,8% do total.

A Veja apurou com Tribunal de Contas da União (TCU) que 9,1 mil punições com valor somado de R$ 2,4 bilhões farão aniversário de cinco anos entre 2024 e 2026. Então, elas prescrevem – ou seja, não precisam mais ser pagas. 

A série histórica dá pouca ou nenhuma esperança: nos últimos trinta anos, o Ibama recebeu apenas um terço das 272 mil multas aplicadas – e está claro que a maioria delas era de valor ínfimo, já que a agência captou apenas R$ 569 milhões dos R$ 44 bilhões previstos (1,3%).

Em suma: os pequenos infratores pagam, os grandes dão um jeitinho. Por falta de gente e grana – bem como manobras ardilosas dos advogados de defesa, que têm um leque de recursos a disposição para atrasar os processos –, multas que deveriam tomar 1 ano do Ibama levam algo entre 6 e 11 anos. 

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Com esse histórico, fica difícil pôr qualquer fé nas mais de 400 multas que Lula se orgulhou de distribuir nos últimos dois meses em resposta aos incêndios – que já destroçaram uma área de mata nativa equivalente à Suíça (até este texto chegar às bancas, o número terá aumentado. Torçam para o país da comparação não virar Portugal nesse meio-tempo). 

Lula já pegou a boiada passando, é claro. O ex-ministro bolsonarista Ricardo Salles abriu caminho para bovinos particularmente roliços. Em seu período à frente do Ministério do Meio Ambiente, inventou as audiências de conciliação, uma etapa extra na tramitação das multas que, frequentemente, termina em com elas anuladas (esse foi o desfecho de 69,2% dos casos entre 2019, ano da criação da medida, e 2021).

Já o ex-presidente do Ibama Eduardo Bim – que hoje acompanha Salles como réu por suspeita de exportação ilegal de madeira – fez uma manobra para cancelar 183 mil multas, decisão que o STJ revertou em 2023. 

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Tudo isso, óbvio, é combustivel para o aquecimento global, cujas consequências acompanhamos diariamente no noticiário  na forma de desastres naturais com poder de destruição exacerbado em relação a eventos similares que aconteciam no passado.

E uma das maiores vítimas das mudanças climáticas, paradoxalmente, é o próprio agronegócio. Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) estima que, mantido o desmatamento no ritmo atual, o setor sofrerá prejuízo de US$ 1 bilhão por ano até 2050. Só os produtores de soja perderão US$ 5,2 bilhões em três décadas.

Uma política eficaz de preservação na Amazônia (que não é impossível: a Indonésia, bem mais pobre, reduziu o desmatamento em 90% desde 2015) diminuiria o prejuízo total de US$ 30 bilhões para US$ 11,5 bilhões. O dado mais recente, de 2022, mostra que o Brasil é responsável por 43% da perda de mata nativa do mundo

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Se tem alguém preocupado? Fui espiar a conta de Édio Nogueira no Instagram – pecuarista que deve R$ 50 milhões ao Ibama por desmatar uma área de mata nativa equivalente a 22 mil campos de futebol no Mato Grosso. Encontrei uma foto de duas araras-canindé pousadas em um tronco de árvore. Dizia a legenda: “Abençoados com tanta natureza🌿🙏🏽”. Haja bênção (para as araras). 

Bruno Vaiano
Editor-Chefe
bruno.vaiano@abril.com.br

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