Ativistas contra o estupro ganham o Nobel da Paz
Nadia Murad foi escrava sexual do Estado Islâmico e o médico Denis Mukwege ajuda congolesas vítimas de violência com tratamento e microcrédito.
Mulheres foram consideradas espólio de guerra ao longo da maior parte da história – raptá-las como escravas sexuais era considerado um dos “prêmios” para os soldados vencedores nas batalhas primitivas. Tal barbaridade, porém, ainda acontece, principalmente na África e no Oriente Médio.
Felizmente, há pessoas que lutam para acabar com isso nos lugares onde a violência acontece.
Duas delas são a iraquiana Nadia Murad e o ginecologista congolês Denis Mukwege. Ambos ganharam, nesta sexta-feira (5), o Nobel da Paz 2018, concedido pelo Comitê Norueguês do Nobel. “Os laureados foram cruciais em chamar atenção para o combate a esses crimes de guerra”, diz um texto no site da premiação. No Twitter, o comitê também se posicionou, dizendo que “um mundo mais pacífico só pode ser possível se as mulheres, seus direitos fundamentais e segurança forem reconhecidos e assegurados em uma guerra”.
Os vencedores vão dividir o prêmio de 9 milhões de coroas suecas, o equivalente a 1 milhão de dólares. A seguir, conheça a trajetória de cada um deles:
Nadia Murad
A iraquiana de 25 anos foi escrava sexual do Estado Islâmico (EI), depois que o grupo extremista invadiu a vila em que ela vivia, no norte do país. Nadia é parte da minoria Yazidi, que o EI considera infiel por não seguir o islamismo (a religião deles inclui princípios de diversas crenças, como o cristianismo, o judaísmo, o zoroastrismo e o próprio islã).
Em agosto de 2014, os extremistas invadiram a comunidade e mataram homens e mulheres mais velhas, enviaram crianças pequenas para o exército e tornaram as mulheres jovens escravas sexuais. Estima-se que, no total, 3 mil meninas e mulheres tenham sido vítimas – e Nadia foi uma delas. Ela foi estuprada várias vezes por diferentes homens, inclusive em grupo.
Após três meses no cativeiro, Nadia conseguiu fugir e, desde então, vem lutando para denunciar não apenas os abusos que sofreu, mas também os que muitas ainda sofrem em seu país de origem. Em 2016, ela foi nomeada embaixadora da Boa Vontade da ONU para a Dignidade dos Sobreviventes do Tráfico Humano.
Em sua declaração sobre o Nobel que ganhou, a iraquiana afirma que não basta apenas pensar em um futuro melhor para mulheres, crianças e minorias perseguidas – é preciso trabalhar constantemente agora para isso. “Muitos yazidis vão olhar para esse prêmio e pensar nos familiares que perderam, naqueles que ainda não foram encontrados e nas 1.300 mulheres e crianças que ainda estão em cativeiro”, escreveu Nadia.
“Precisamos continuar comprometidos em reconstruir comunidades devastadas pelo genocídio”, pede a ativista.
Denis Mukwege
O médico ginecologista de 63 anos atendeu, ao longo da vida, mais de 30 mil mulheres vítimas de violência sexual na República Democrática do Congo. A guerra civil no país já matou mais de 6 milhões de pessoas, e o estupro também é tratado como espólio de guerra.
A luta de Denis é para que esses abusos deixem de existir e também para que as mulheres consigam viver em condições dignas. Um de seus princípios básicos é “justiça é negócio de todos”, então, além de cuidar da saúde de suas pacientes, ele também busca prover condições para que elas se sustentem financeiramente. O médico criou um sistema que oferece microcrédito para as vítimas e também as ajuda a voltar a estudar ou trabalhar.
Para o Comitê Norueguês do Nobel, o congolês se destaca por condenar a impunidade dos estupros em massa e criticar o governo e outros países por não tomarem medidas para acabar com esse tipo de violência. Ao ser comunicado sobre o prêmio, Denis estava realizando uma cirurgia e disse, em entrevista à equipe da premiação, que o reconhecimento não é apenas para ele – mas para as mulheres da República Democrática do Congo também.
“Eu posso ver o rosto de muitas delas e como elas estão felizes em ser reconhecidas”, declarou o médico.