Depois de ano mais seco dos últimos 80 anos, deserto do Saara tem lagos e enchentes
Em setembro, as enchentes deixaram um rastro de destruição, com pelo menos 18 mortes e interrupção de serviços de energia, água e telefonia no país
As mudanças climáticas devem tornar mais e mais comuns eventos climáticos extremos, como ondas de calor, enchentes e secas históricas. Por todos os lados, países estão enfrentando contrastes marcantes de um novo tempo – no Japão, por exemplo, a neve ainda não começou a se acumular no Monte Fuji. Geralmente isso acontece no começo de outubro, e nos 130 anos de monitoramento, nunca demorou tanto para chegar.
Mas poucas cenas são mais surreais do que a do Deserto do Saara coberto por água. No ano passado, o Marrocos enfrentou a pior seca dos últimos 80 anos, com graves consequências para a agricultura e a economia.
Segundo um relatório do Banco Mundial, o país enfrenta um problema crônico de escassez hídrica. Quase todas as bacias fluviais do Marrocos estão passando por déficits de água renovável, o que significa que a quantidade de água que entra nessas bacias (através de chuvas e outras fontes) não é suficiente para repor o que está sendo retirado ou consumido.
No último mês, entretanto, a situação mudou drasticamente: choveu tanto que a água encheu bancos de areia e criou lagos no deserto. Eles devem aliviar um pouco o abastecimento dos reservatórios, mas de forma pontual e temporária.
Não é a primeira vez que isso acontece, mas os cientistas ainda não conhecem bem o fenômeno dos lagos do Saara, porque eles passaram a ser estudados no começo dos anos 2000. Assim, não existem bons dados de uma série histórica, que compare localidades, volumes, tempo de persistência do lago, etc.
O Earth Observatory, uma divisão da Nasa sobre o meio ambiente, publicou um comunicado em que ouviu Moshe Armon, um dos pesquisadores envolvidos nesse monitoramento. Segundo ele, desde junho de 2000, dois outros eventos de chuva resultaram em volumes maiores do lago – um em 2008 e outro em 2014.
Muitos dos locais que alagam são isolados, o que por muito tempo dificultou o monitoramento. Hoje em dia, a tecnologia de imagens de satélite permite observar o surgimento das manchas dos corpos d’água no deserto. Veja os gifs que comparam os mesmos locais em 12 de agosto e 29 de setembro.
Segundo Armon, em 16 de outubro, a água cobria 191 quilômetros quadrados a uma profundidade de 2,2 metros. Armon calculou esses valores usando imagens de satélite da extensão da água, como a imagem acima, juntamente com um mapa tridimensional do lago, com base nas observações de um satélite da Nasa.
A chuva não impactou só áreas isoladas: segundo autoridades marroquinas, pelo menos 18 pessoas morreram em setembro por esse motivo. As enchentes destruíram 40 casas, danificaram 93 estradas e interromperam o fornecimento de eletricidade, água e redes telefônicas em vários vilarejos.
Ao Le Monde, Moussa Oumoussi, membro de uma associação de desenvolvimento comunitário, relatou que em sua cidade, 90% das palmeiras foram derrubadas. “Algumas delas tinham cem anos de idade, o que atesta a rara violência dessas chuvas.”
Não é difícil imaginar que as cidades do Saara não estvaam preparadas para uma enchente. No meio de setembro, em apenas 12 horas choveu mais de 50 milímetros em lugares em que quase não chovia desde 2014. Ainda para o Le Monde, Lahcen Ahouate, presidente da ONG Alcesdam, que luta contra a desertificação na cidade de Tata, afirmou que as pessoas se acostumaram com a seca e construíram suas casas perto dos wadi, leitos de rios secos que enchem durante períodos de chuva intensa.
“Essas pessoas não perceberam que, um dia ou outro, ele [o wadi] acabaria reivindicando seus direitos.”, completa Ahouate.