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E se a CLT não existisse?

Trabalhar sem vínculos com o patrão só seria bom negócio para a mão de obra qualificada – parte ínfima da força de trabalho nacional

Por Guilherme Eler
Atualizado em 26 nov 2018, 15h15 - Publicado em 26 nov 2018, 14h24

Quatro em cada dez funcionários brasileiros já vivem essa realidade. Segundo o IBGE, o número de empregos sem carteira assinada ou por conta própria superou o total de vagas formais em 2017. Hoje, são 37 milhões de pessoas para quem “CLT”, na prática, é nada além de uma combinação aleatória de letras do alfabeto.

A Consolidação das Leis do Trabalho diz quantas horas alguém deve trabalhar, indica o mínimo que precisa receber, estabelece benefícios básicos (como FGTS ou vale-transporte) e determina os impostos que patrão e funcionário têm que pagar.

Pensar em um cenário em que nada disso existisse, no entanto, não significa necessariamente extinguir por completo qualquer direito. Bom, pelo menos, para a mão de obra mais qualificada.

“O mercado de trabalho funcionaria como um mercado de tomates: tenho um produto, que é minha força de trabalho, e troco com alguém por dinheiro”, explica Carlos Alberto Ramos, professor de economia da UnB (Universidade Federal de Brasília).

Bons engenheiros, economistas, gestores e especialistas em geral seriam os tomates exóticos, como aqueles que nascem nos pés do Vesúvio, em Nápoles, e que as pizzarias caras disputam a tapa. Esses seguiriam tão disputados quanto hoje – e provavelmente ganhariam mais.

Dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) mostram que salários correspondem a míseros 43% das despesas que um funcionário gera para a empresa. Ou seja, somando todos os impostos e encargos, um trabalhador custa duas vezes o dinheiro que ganha. É natural que, para os tomates que vão a leilão no mercado, uma parte considerável desse extra termine nos bolsos deles. Empresas nas quais o capital intelectual é importante tenderiam a aplicar a diferença para investir em funcionários mais qualificados.

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É o que acontece hoje. Se a empresa A pagar R$ 5 mil com carteira assinada e a empresa B tentar roubar esse sujeito oferecendo R$ 8 mil sem CLT, a empresa A se trumbica: vai ter de gastar quase R$ 16 mil para cobrir a proposta de R$ 8 mil.

Mais: para as micro e pequenas empresas, que precisam vender o almoço para comprar a janta, e, mesmo assim, assinam metade das carteiras de trabalho do Brasil, menos encargos também poderiam ser uma chance de expandir os negócios.

Lado mais fraco

Com trabalhadores pouco qualificados, por outro lado, a história é outra. Afinal, ainda que os tomates sejam um recurso finito e nem todos os tipos estejam à disposição, sempre devem existir alternativas mais em conta no mercado. Pode até ser que os frutos não sirvam para fazer um gaspacho cinco estrelas, mas estão de bom tamanho para um molho mais simples.

Isso vale especialmente para funções marcadas por informalidade e pouca necessidade de especialização – maior parte dos empregos no Brasil. Hoje, as vagas mais comuns são vendedores de varejo, assistentes administrativos, auxiliares de escritório, faxineiros e caminhoneiros.

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“A falta de qualificação faz com que o trabalhador aceite qualquer trabalho, já que a recomposição da sua renda é mais fácil com qualquer trabalho que conseguir”, diz Carla Romar, especialista em direito do trabalho e professora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

O costume de negociar direitos, em momentos de recessão econômica, favoreceria o surgimento de relações exploratórias – desequilibrando a balança de feira das relações patrão-funcionário.

Caso não existisse controle algum das jornadas, como você já deve imaginar, trabalharíamos mais. As horas extras, hoje delimitadas por lei, poderiam se tornar critério para medir produtividade ou mesmo na seleção de funcionários.

No Japão, onde trabalhar além da conta é cultural, a morte causada por trabalho tem até nome próprio: karoshi. Uma pesquisa feita em 2016 com empresas do país mostrou que em 23% delas havia funcionários que fazem mais de 80 horas extras por mês – marca em que o risco de karoshi se torna iminente.

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Na China, país que não é signatário da OIT (Organização Internacional do Trabalho), é de praxe que funcionários tenham cinco dias de férias por ano. Só cinco. Por lá também não há salário mínimo: preços são estipulados conforme o sindicato da categoria e a região.

É provável que, sem CLT, os mais de 16 mil sindicatos no Brasil sofressem cortes drásticos. Para se tornarem mais articulados e interferirem de fato no bolso dos patrões, trabalhadores se reuniriam em grupos com interesses mais amplos. O Sindicato dos Classificadores de Produtos de Origem Vegetal, por exemplo, teria de se aproximar do Sindicato de Agricultores.

Assim, seria mais fácil criar uma espécie de “tabela” para os serviços em cada região. Tudo para garantir que tomates-cereja não passassem por tomate holandês, e flutuações de preço fossem proporcionais. As pessoas, dessa forma, saberiam melhor quanto cobrar.

Seja como for, o fato é que a rotatividade de funcionários seria bem maior, em qualquer área. No Brasil, de cada cem vínculos ativos em 2014 em áreas que costumam contratar pessoas com carteira assinada, 40 foram encerrados até o final de um ano. Em áreas dominadas por serviços terceirizados, foram 80 rompimentos para cem vínculos. Natural: a multa de 40% sobre o FGTS, um item pétreo da CLT, desestimula a demissão de maus funcionários. Sem multa, as trocas acontecem quando precisam acontecer. Ai de quem pisar no tomate.

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