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Efeito Matilda: por que as mulheres são menos reconhecidas na ciência?

Elas são maioria nas universidades e na pesquisa, mas minoria nos cargos mais altos. Conheça o histórico da subvalorização feminina na ciência – e como importantes cientistas estão, aos poucos, sendo reconhecidas.

Por Maria Clara Rossini
11 fev 2021, 19h44

Em 2015, a ONU estabeleceu que em 11 de fevereiro seria comemorado o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. Desde então, a missão da data é reconhecer os trabalhos feitos por cientistas mulheres e incentivar garotas a seguir carreira na área.

Um relatório da Unesco de 2018 estima que 28,8% dos pesquisadores do mundo são mulheres. No Brasil, por outro lado, elas chegam quase à paridade, ficando entre 45% e 55% do total. Elas também já são maioria nos cursos de graduação e pós-graduação do País.

À medida em que subimos na hierarquia acadêmica, contudo, o padrão se inverte. Apenas 14% dos membros da Academia Brasileira de Ciências são mulheres. Uma pesquisa internacional com mais de 500 instituições mostra que elas ocupam 23% dos cargos de professores titulares.

A disparidade entre homens e mulheres em cargos de liderança passa pela sobrecarga da maternidade, falta de estímulo e financiamento nesse período, além da discriminação por parte de alguns membros do sexo masculino. No entanto, a falta de reconhecimento também tem raízes históricas.

Ao longo dos séculos, as descobertas e trabalhos feitos por mulheres tendem a ser menos valorizados ou atribuídos a homens. O fenômeno é tão real e com tantos exemplos que tem até nome: Efeito Matilda. Ele é um recorte de gênero de uma tendência (já conhecida da academia) de dar maior destaque às descobertas de pesquisadores que já são renomados. Vamos por partes.

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Efeito Mateus…

A passagem 13:12 do evangelho de Mateus na Bíblia diz o seguinte: “A quem tem será dado, e este terá em abundância. De quem não tem, até aquilo que tem lhe será tirado”. É uma maneira rebuscada de dizer (parafraseando o axé “Xibom Bombom”) que “o de cima sobe e o de baixo desce”. 

Na ciência, no entanto, o evangelho dá nome ao “Efeito Mateus”. Ele descreve a tendência de cientistas renomados receberem mais créditos por descobertas do que os pesquisadores menos conhecidos. Não faltam exemplos: o brasileiro César Lattes, que dá nome à plataforma de currículos do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), descobriu a partícula subatômica méson pi em 1947, mas quem levou o Nobel pelo feito foi seu chefe, Cecil Powell. 

Se você já achou isso uma injustiça, prepare-se. Desde 1901, o prêmio Nobel foi concedido a 934 pessoas. Destas, 57 são mulheres, o que equivale a 6,1% dos laureados. A maioria das laureadas se concentra nas categorias de Literatura e Paz. Tratando-se apenas de ciência, não dá nem duas dúzias: foram 4 em Física, 7 em Química (contando Marie Curie, que foi laureada nas duas categorias), e 12 em Medicina.

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Mas não se engane: as mulheres são minoria no Nobel não porque não participaram ativamente da ciência no último século, mas porque elas não eram reconhecidas pelos trabalhos nos quais se envolveram. Em 1934, o prêmio de Medicina foi concedido a George Whipple, George Minot e William Murphy pelo desenvolvimento de um tratamento para anemia. A patologista Frieda Robscheit-Robbins, que trabalhou ao lado de Whipple e também assinava as pesquisas, ficou de fora da lista.

Esse é só um dos centenas de casos de subvalorização das mulheres na ciência ao longo da história. O padrão se repete tantas vezes que o Efeito Mateus precisou ganhar uma versão feminina para descrever as particularidades da discriminação com base no gênero.

… e Efeito Matilda

Dessa vez, não foi uma passagem bíblica que deu origem ao nome “Efeito Matilda”, mas sim a sufragista e abolicionista americana Matilda Joslyn Gage, que viveu no século 19. Em 1883, ela escreveu o ensaio Woman as an Inventor, no qual aborda a relutância em dar crédito ao trabalho realizado por mulheres, inclusive na ciência.

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O termo para descrever este fenômeno, no entanto, só foi cunhado em 1993 pela historiadora Margaret Rossiter, em homenagem à autora que viveu 100 anos antes. Ao longo da história, o mais comum é que um colega do sexo masculino ou o diretor do laboratório ou instituto receba todo o crédito pelo trabalho realizado em conjunto ou unicamente por mulheres.

Isso aconteceu, por exemplo, com dezenas de astrônomas que trabalharam no Observatório de Harvard no século 19. Elas identificaram milhares de estrelas e criaram um sistema de classificação usado até hoje. O resultado dessa investigação, contudo, leva até hoje o nome dos colaboradores masculinos e da instituição: Catálogo Henry Draper e Sistema de Classificação de Harvard. Nós contamos essa história completa nesta reportagem.

Esses casos não se limitam ao século retrasado. Um dos maiores exemplos do Efeito Matilda é Rosalind Elsie Franklin. Ela foi uma das principais mentes por trás da descoberta da estrutura da molécula de DNA – mas na escola, provavelmente, você só deve ter ouvido falar de James Watson e Francis Crick, que levaram o Nobel de Medicina de 1953 pelo feito). Já a fissão nuclear foi descoberta por Lise Meitner e Otto Hahn. Foi ela quem, inclusive, cunhou o termo. Mas só ele recebeu o Nobel de Física, em 1944.

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Pouco a pouco, felizmente, essas mulheres vêm sendo reconhecidas. Rosalind aparece com mais frequência nos livros escolares, por exemplo. E já é sabido que  Cecilia Payne foi quem realmente descobriu a composição do Sol, e não seu orientador Henry Norris Russell, que publicou os achados sob seu nome.

Não basta apenas incentivar que meninas ocupem as áreas da ciência. É preciso dar um passo além e exigir que elas sejam reconhecidas quando chegarem lá. E um bom jeito de fazer isso acontecer é valorizar mulheres que, no passado, fizeram enormes contribuições – mas foram deixadas de fora dos jornais e livros de história. 

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