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Entenda o corte de R$ 600 milhões no orçamento da ciência brasileira

Grande parte do dinheiro para pagamento de cientistas pelo CNPq, a maior agência de fomento do país, desapareceu da noite para o dia após canetada encomendada pelo Ministério da Economia.

Por Maria Clara Rossini
Atualizado em 13 out 2021, 13h15 - Publicado em 8 out 2021, 19h27

Na última quinta-feira (7), o Congresso Nacional votaria um projeto de lei que previa liberação de R$ 690 milhões à ciência brasileira. O CNPq, principal órgão nacional de fomento à pesquisa, contava com esse dinheiro para pagar bolsas a pesquisadores. No entanto, após uma modificação na proposta, o dinheiro do CNPq desapareceu do dia para a noite. 

O projeto de lei nº 16 (PLN 16) foi proposto em agosto deste ano. Originalmente, ele destinaria R$ 690 milhões ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Desse valor, R$ 655,4 milhões sairiam do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que é subordinado ao MCTI.

Esse é um fundo para o qual os outros órgãos de ciência podem pedir financiamento quando as contas apertam. O CNPq, por exemplo, precisa pegar dinheiro desse fundo para pagar bolsas de pesquisa (já que o orçamento “garantido” do CNPq só daria para pagar 13% das bolsas aprovadas).

Os outros R$ 34,6 milhões viriam de créditos suplementares (um reforço no orçamento que estoura o teto de gastos e por isso precisa ser aprovado no Congresso) e iriam para a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), outro órgão subordinado ao MCTI. Esse dinheiro seria dedicado principalmente à produção de radiofármacos contra o câncer.

Recentemente o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) declarou que precisaria de 89,7 milhões para manter a produção de radiofármacos até dezembro – ou seja, os R$ 34,6 milhões não seriam suficientes. A produção desses medicamentos está interrompida desde o dia 20 de setembro, por falta de recursos. 

Ontem (07), o Ministério da Economia mandou um ofício à Comissão Mista do Orçamento do Congresso Nacional pedindo mudanças na PLN 16, com o objetivo de realocar mais recursos para a produção de radiofármacos. Isso de fato aconteceu, só que o ofício também mexeu em todo o resto. E não foi para melhor.

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Vamos explicar. O tal reforço para a produção de radiofármacos rolou mesmo. Agora, R$ 82 milhões vão para a Comissão Nacional de Energia Nuclear, dos quais R$ 63 milhões serão usados para reforçar a produção desses tratamentos contra câncer. É melhor do que os R$ 34,6 milhões previstos inicialmente.

O problema é que a alteração no PLN 16 também fez desaparecer toda a grana que ia sair do FNDCT para o CNPq. Aqueles R$ 655 milhões do começo do texto, lembra? Que seriam dedicados ao pagamentos de bolsas? Então: adeus.

Embora tenha bloqueado o saque do FNDCT, o novo PLN 16 fez aparecer uma enorme quantidade de dinheiro extra em outros ministérios, na forma de créditos suplementares. Agricultura, Educação, Saúde, Comunicações, Desenvolvimento e Cidadania foram as pastas beneficiadas. 

Aqui, vale reforçar o raciocínio, porque é confuso. O dinheiro originalmente viria de duas fontes: a maior parte sairia do fundo FNDCT (dinheiro que já existe, e precisa obrigatoriamente ser investido em ciência) e iria para o CNPq pagar bolsas.

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Já os créditos suplementares (que não existem, estão acima do teto de gastos e precisam ser aprovados) eram a menor parte e estavam reservados para a CNEN fabricar rádiofármacos.

Com a alteração no projeto, todo o dinheiro que viria do FNDCT para o CNPq simplesmente deixou de existir. Enquanto isso, o governo aumentou um pouquinho os créditos suplementares da CNEN, mas aumentou também os créditos suplementares de vários outros ministérios.

A ciência receberia ao todo 690 milhões. Agora, vai ficar com apenas R$ 89 milhões, dos quais R$ 82 milhões vão para o CNEN. São aproximadamente R$ 600 milhões de corte.

O projeto passou no Congresso. Agora, ele ainda deve ser sancionado pelo Presidente da República. Oito entidades de ciência enviaram uma nota ao Presidente do Senado Rodrigo Pacheco pedindo que a decisão seja revista, já que a maior parte da verba seria usada para pagar bolsas de pesquisa do CNPq.

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Ameaça a bolsas de pesquisa

Se você é pesquisador, uma das principais maneiras de conseguir financiamento é pelo Edital Universal do CNPq. Você submete um projeto de pesquisa e, se for selecionado, recebe a bolsa. Segundo Helena Nader, presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências, mais de 30 mil doutores submeteram seus projetos ao Edital Universal este ano.

Já estava resolvido e documentado que as bolsas do Edital Universal seriam pagas com o dinheiro do FNDCT – ou seja, elas dependiam da PLN 16. Segundo Nader, não haverá como pagar as bolsas do edital sem a verba do fundo. Seria preciso propor um novo projeto de lei para reverter a situação.

Se esse dinheiro é tão importante para a ciência, por que o Ministério da Economia para realocar a verba? Não daria só para colocar mais grana na produção de radiofármacos, e manter o dinheiro do FNDCT também?

A justificativa do Ministério da Economia é que os recursos transferidos para a ciência não estão sendo utilizados. Segundo Nader, essa é uma impressão errônea, porque metade dos recursos do FNDCT servem apenas para fazer empréstimos: as empresas pegam essa grana para investir em pesquisa e depois precisam pagar de volta. Esses são os chamados créditos reembolsáveis. Se eles sumissem, seria um péssimo sinal: o FNDCT estaria levando um calote. 

O dinheiro que a ciência precisa mesmo é de investimento: os créditos não reembolsáveis. Era isso que o CNPq pretendia receber com a PLN 16. Afinal, a ciência não dá lucro financeiro imediato – mas é essencial para gerar desenvolvimento para o país no futuro.

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