O dia em que os gravatas caíram
Como a polícia desmascarou 34 advogados que faziam parte do PCC - e prendeu até um conselheiro de direitos humanos que atuava a favor da facção
“É para dar um salve geral nos jets* para carregar nas imagens. Se a cumbuca de boia vem cheia, é para jogar um pouco fora e mostrar que é pouco, deixar lixo no pavilhão para mostrar que o local não tem condições para permanecer preso. Tem que ser bem orquestrado, esse Luis Carlos do Condepe vai nos auxiliar como foi feito aqui em Presidente Venceslau em dezembro.”
*Jets (ou “pilotos”) são os gerentes do PCC nas cadeias
O trecho acima é parte de uma carta escrita à mão e apreendida em maio de 2015 na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, a 610 quilômetros de São Paulo. Nela, a cúpula do PCC apresenta Luiz Carlos dos Santos como novo membro da Sintonia dos Gravatas – como é conhecida a equipe de advogados que atua para a facção. Na época, Santos era vice-presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe).
A mensagem esclarecia as funções atribuídas a ele, que vinha recebendo uma mesada de R$ 5 mil para exercer influência na Secretaria da Justiça e junto a juízes e desembargadores. Seu trabalho: denunciar maus tratos no sistema carcerário e interceder em favor de membros do PCC. Daí a orientação para que os presos jogassem comida fora e reforçassem o lixo, já que um grupo de fotógrafos faria imagens da penitenciária a pedido do Condepe. A intenção era pegar o material e fazer denúncias capazes de chegar à ONU e à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Em um e-mail interceptado pela polícia, Santos cobrava R$ 10 mil do PCC para vistoriar o presídio de Presidente Bernardes, onde estão as principais lideranças da facção. E foi a partir dessa investigação que o MP Estadual e a Polícia Civil de São Paulo deflagraram, em novembro de 2016, a Operação Ethos, pedindo a prisão de 55 pessoas. Do total, 34 eram advogados pertencentes à Sintonia dos Gravatas. Formado inicialmente para prestar serviços jurídicos à facção, há tempos o grupo atuava como elo entre presos e bandidos em liberdade – ou alocados em outras cadeias. Protegidos pelo sigilo constitucional, os gravatas atuavam como pombos-correios do PCC.
Entre eles, a comunicação costumava ser feita por meio de e-mails falsos e codinomes. Os honorários vinham de negócios ilícitos, como a caixinha mensal paga pelos membros do PCC, as rifas e o tráfico de drogas. Depositados em contas de laranjas, os valores oscilavam na casa de R$ 6 milhões ao ano. Quando necessário, os serviços jurídicos legais eram feitos por outros advogados, contratados pela Sintonia dos Gravatas, cujo chefe era Valdeci Francisco Costa – homem de confiança de Marcola. Também conhecido como “CI” e “Alexandre Magno”, o criminoso foi preso em junho de 2016 em Campinas (SP).
A Célula R
Durante as investigações, o MP interceptou um e-mail enviado por Valdeci Costa à advogada Marcela Fortuna. No título, a mensagem dizia “projeto estrutural 2016” e trazia anexa uma planilha com um novo organograma e novas diretrizes para a facção. O PCC estaria organizado, agora, como uma grande empresa. No topo, um Conselho Deliberativo. Logo abaixo, um Conselho Diretor, ocupado por um “diretor presidente” (o próprio CI), um “representante interno” e um “representante externo”. Na sequência, quase 30 setores interconectados, distribuídos em áreas que iam desde auditorias até diretorias administrativa, de relações institucionais e jurídica – agora intitulada Célula R, uma referência à palavra “recursistas”, como são conhecidos os presos que conhecem legislação.