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O Nobel de Física que deu aulas no Brasil – e entrou para uma escola de samba

Nos anos 1950, Richard Feynman desceu a avenida do Rio de Janeiro tocando frigideira. De quebra, revolucionou o ensino de física no país.

Por Maria Clara Rossini
Atualizado em 6 abr 2022, 15h02 - Publicado em 18 mar 2022, 09h35

Aos 30 anos, Richard Feynman tinha um interesse especial pela América do Sul. Tanto que, quando quis aprender uma língua nova, ficou na dúvida entre as que dominam o nosso continente. Português ou espanhol? Quase se decidiu pelo nosso idioma quando, em suas palavras, viu “uma loira de parar o trânsito” entrando no curso de língua portuguesa. Mas a lógica venceu o impulso desse físico galanteador: espanhol lhe pareceu ser mais útil, já que é bastante falado nos Estados Unidos. 

Fazia sentido, mas, se ele pudesse prever o futuro, sua escolha teria sido diferente. Ele ainda não imaginava, na época, que passaria os anos seguintes brigando com o português enquanto dava aulas no Rio de Janeiro.

BFF de Lattes

Bem antes de receber o Nobel de Física por suas contribuições no desenvolvimento da eletrodinâmica quântica (tornando-se um dos cientistas mais conhecidos do mundo) Feynman foi convidado pelo pesquisador brasileiro Jayme Tiomno a passar uma temporada dando aulas no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), em 1949. Chegando ao Brasil, um dos seus primeiros encontros foi com o diretor do CBPF – ninguém menos que César Lattes, o físico brasileiro descobridor do méson pi, a partícula responsável por manter o núcleo atômico coeso. 

A TV Tupi queria filmar uma cena espontânea dos dois, então pediu que eles fingissem estar conversando. Tudo o que apareceria na gravação era a imagem, não o áudio. O take, feito com câmera de cinema (pois não havia VT), só iria ao ar em 1950, quando a emissora de fato foi inaugurada. Lattes, provocador, não pensou duas vezes: “E aí, Feynman, já conseguiu um dicionário de paquera?”. Quem assistiu à cena na TV depois não fazia ideia de que a conversa muda era sobre como conquistar mulheres no Brasil. 

Na mesma conversa, Lattes sugeriu que Feynman marcasse suas aulas no período da manhã (ministradas, segundo ele, em uma língua enigmática chamada “português de Feynman”). Dessa forma, o gringo poderia aproveitar a tarde na praia. Feynman deu aula no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas por seis semanas antes de voltar aos Estados Unidos.

Mas deve ter sentido falta do jeitinho brasileiro. Dois anos depois, voltou ao país a convite do físico José Leite Lopes para dar aulas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (que na época se chamava Universidade do Brasil), entre setembro de 1951 e maio de 1952. E nunca recebeu o salário de professor. O amigo Lattes deu um jeito de sustentar Feynman com o dinheiro do CBPF.

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Gênio do carnaval

Ilustração de Feynman tocando frigideira.
(Leandro Lassmar/Superinteressante)

Foi nessa segunda temporada que Feynman se envolveu com o Carnaval carioca. E se apaixonou pela festa. Conheceu o porteiro do prédio em que um funcionário da embaixada americana morava. O zelador era compositor de uma escola de samba chamada Farsantes de Copacabana, e logo levou Feynman para ensaiar num prédio em construção. Seu instrumento musical não podia ser mais prosaico: uma frigideira. O utensílio doméstico era tocado por ele como um tamborim.

E, por incrível que pareça, o físico tinha ritmo. Em uma ocasião, o mestre da escola de samba pediu que os outros tocadores de frigideira se inspirassem no estilo do americano. Em outro dia, Feynman ensaiou pelas ruas do Rio de Janeiro e terminou o desfile em uma praça, para um público de cozinheiras que assistiam da janela de casa. 

Seu auge carnavalesco foi um concurso de escolas de samba, em que ele tocou frigideira na Avenida Atlântica com uma fantasia de grego antigo, feita de papel machê. E não é que os “Farsantes” venceram?

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Richard Feynman no carnaval do Rio de Janeiro.
(California Institute of Technology/Reprodução)

Crítica ao ensino brasileiro

Quando não estava batucando em panela, Feynman se lembrava de qual era seu objetivo profissional no Brasil: dar aulas de física. Ele lecionou eletromagnetismo para alunos de graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e outros dois cursos sobre física nuclear e eletrodinâmica quântica para a pós-graduação.

O que mais o espantou por aqui foi o método de ensino brasileiro: muita decoreba e pouca compreensão do conteúdo. Os estudantes só sabiam repetir conceitos, mas não aplicá-los ao mundo real. Ao final do semestre, Feynman deu uma palestra sobre por que não se estava ensinando ciência no Brasil. 

Jayme Tiomno e José Leite Lopes, os responsáveis por trazer Feynman ao Brasil, estavam sentados na plateia. A palestra motivou os pesquisadores a traduzirem um livro norte-americano conceituado sobre o ensino de física. Tiomno e Leite Lopes ainda propuseram sugestões para a melhora na educação no texto ​​“O Ensino da Física nos Cursos Secundários”, publicado na revista  Ciência e Cultura

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E essa não foi a única contribuição de Feynman para o ensino de ciência no país. Anos depois, ele ainda ajudou na restauração da biblioteca do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, que foi vítima de um incêndio em 1959. Doou livros e coleções de revistas científicas para restaurar o acervo e enviou cartas a seus colegas americanos, pedindo que fizessem o mesmo. Realmente gostava daqui.

Em 1966, o americano sentiu o calor carioca pela última vez. Já laureado pelo Nobel de Física, voltou a convite da prefeitura do Rio. Junto da esposa, aproveitou a viagem para matar a saudade do que mais gostava de fazer no Brasil: dançar em bailes e assistir aos desfiles de escola samba.

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Essa é a segunda parte da matéria “Aventuras (e perrengues) de cinco cientistas no Brasil”. Confira o terceiro texto aqui.

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