O que é a lei antidesmatamento da União Europeia, que o Brasil quer barrar
A norma europeia vai impedir a importação de produtos oriundos de áreas desmatadas. Em meio a um recorde de queimadas, o Brasil está preocupado com o impacto disso nas exportações.
Nesta quarta-feira, 11, os ministros da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, e das Relações Exteriores, Mauro Vieira, entregaram uma carta ao comissário europeu para Agricultura e Desenvolvimento Rural, Januz Wojciechowski. Nela, a dupla fez um pedido: que a União Europeia (UE) adie implementação de uma lei antidesmatamento, prevista para começar a valer no fim desse ano.
“Solicitamos que a União Europeia não implemente a EUDR [legislação antidesmatamento] a partir do final de 2024 e reavalie urgentemente a sua abordagem sobre o tema”, escreveram os ministros. Eles dizem que a lei pode ser um problema para “diversos setores exportadores brasileiros”, atuando como “um instrumento unilateral e punitivo que ignora as leis nacionais sobre combate ao desmatamento”.
Não é a primeira vez que autoridades brasileiras pedem para o bloco europeu repensar os termos dessa legislação, que foi aprovada em 2022. Em setembro de 2023, o Brasil e outros 16 países em desenvolvimento assinaram uma carta juntos para comunicar a “profunda preocupação” com a legislação. Os Estados Unidos também pediram para adiar. Mas por que essa lei da Europa causa tanto furor por aqui?
A legislação
A Regulação de Desmatamento da União Europeia barra a importação de produtos que venham de áreas desmatadas, legalmente ou não, após dezembro de 2020. Para garantir a comercialização na Europa, as importadoras vão precisar mostrar, com dados de geolocalização e imagens de satélite, que os alimentos foram produzidos de forma sustentável, sem desmatamento.
Não vai ser só a cesta básica europeia que vai ser afetada pela lei antidesmatamento. Carne bovina, cacau, café, borracha, soja, madeira e óleo de palma (esse último é o único que o Brasil não exporta para a UE) entram no guarda-chuva da regulamentação. Produtos derivados também podem ser afetados: couro, chocolate, até livros produzidos com papel de áreas desmatadas.
A lei antidesmatamento se aplica a bens produzidos a partir de 29 de junho de 2023. Além de área desmatada, ela também abrange degradação florestal, que envolve perda por queimadas, extração de madeira e transformação da floresta em plantação de madeira. Além disso, a área de produção precisa estar de acordo com leis locais.
As importadoras que desrespeitarem as regras podem sofrer com multas de até 4% de seu total de vendas europeu do último ano, além de confisco dos produtos. Se a mesma empresa cometer várias infrações, pode sofrer uma proibição temporária de comércio na União Europeia. 70 mil hectares de florestas, quase o tamanho da cidade de Nova Iorque, poderão ser salvos pela legislação, de acordo com a União Europeia.
O que o governo diz
As exportações dos produtos englobados na lei antidesmatamento são importantes para a balança comercial do Brasil. Em 2023, as vendas para a Europa foram de US$ 46,3 bilhões (R$ 260 bi). Com a implementação da lei, o país pode perder US$ 14,7 bilhões (R$ 83 bi) em exportações.
Esses produtos representam cerca de 30% das exportações brasileiras para a Europa. Na carta dos ministros, eles afirmaram que a lei contraria o princípio da soberania do Brasil e é discriminatória, já que só afeta países com recursos florestais.
“A EUDR foi desenhada sem conhecimento de como funciona o processo produtivo e exportador dos diferentes produtos e qual a realidade em cada país”, continuou a carta. Os ministros também reforçaram que o governo Lula assumiu o compromisso de acabar com o desmatamento ilegal até 2030.
O timing da carta não parece dos melhores: o Brasil acabou de ultrapassar a marca de 160 mil focos de incêndio só em 2024, mais que o dobro comparando com o mesmo período de 2023. Um novo relatório do MapBiomas mostrou que o país perdeu um terço da sua vegetação nativa desde 1985.
O documento dos ministros argumenta que incentivos positivos são mais eficazes para a proteção ambiental do que proibições. Por isso, assistência financeira seria melhor. O governo afirmou que está disposto a colaborar com a UE na preservação das florestas, mas que qualquer medida deve estar de acordo com a legislação ambiental brasileira, considerada uma das mais avançadas do mundo.
A ONG ambientalista WWF-Brasil afirmou que a lei antidesmatamento da UE é um “marco histórico para as florestas”. Frederico Machado, especialista em políticas públicas da organização, afirmou que “diversos estudos científicos já deixaram claro que o Brasil pode mais que dobrar sua produção agrícola sem derrubar uma única árvore”.