Como foi o primeiro implante de chip em um humano
Durante nove dias um computador foi como uma extensão do organismo do engenheiro inglês Kevin Warwick. Ou foi o contrário?
Visto de longe dá até medo. Mal ele chega, a porta do escritório se abre sozinha. A luz do hall se acende como por um passe de mágica. “Oi, professor Warwick”, diz uma voz eletrônica feminina. O micro liga-se automaticamente. O programa de navegação na internet carrega-se sozinho e já exibe na tela a home page. O correio eletrônico dispara e avisa quantas mensagens novas chegaram. Todos os equipamentos do escritório antecipam-se a seus gestos, como se o reconhecessem. O pior é que reconhecem mesmo. Se qualquer outra pessoa entrasse na sala, nada aconteceria.
Não, não é assombração. Kevin Warwick, 44 anos, professor de Cibernética da Universidade de Reading, perto de Londres, resolveu levar sua profissão às últimas consequências e transformou-se em cobaia. Um dos objetivos da Cibernética, afinal, é estudar a relação do humano com a máquina. Warwick submeteu-se a uma cirurgia, com anestesia local, e implantou uma cápsula de vidro no antebraço esquerdo, contendo uma bobina eletromagnética e um chip. Tornou-se, assim, o primeiro ser humano com um circuito eletrônico integrado ao corpo.
O resto da experiência é pura técnica. Quando Mr. Chip chega perto da entrada, um dispositivo instalado na própria porta aciona a bobina dentro da cápsula. Ligada ao chip, ela transmite um sinal de 64 bits com um código secreto. Os equipamentos espalhados pelo ambiente dispõem de sensores que lêem o código e transmissores que repassam o sinal a um computador central instalado no próprio escritório. O micro, então, coordena a entrada em funcionamento das máquinas, tudo por ondas de rádio. Assim, quando o homem-cyborg se aproxima, os aparelhos parecem se ligar sozinhos. Só há um inconveniente: não dá para mudar de ideia e desligar a luz, por exemplo, com um comando a partir do chip. Só manualmente, ou programando o computador para fazê-lo após um tempo predeterminado. Tudo tem que ser bem planejado.Mas para Warwick isso é o de menos. Tudo estava previsto.
Depois de nove dias, a cápsula foi retirada do braço para evitar reações alérgicas. A experiência foi um grande sucesso, embora circunscrita ao escritório do professor na universidade. Em sua casa nenhum sensor foi instalado. “A minha esposa não ia topar”, contou à SUPER. “Com o chip dentro do corpo, a gente fica próximo demais do computador, sente-se ligado, como dois gêmeos siameses. É como se eu estivesse tendo um caso.”
Passaporte para o futuro eletrônico
Ciúmes à parte, a experiência de Warwick é a primeira a unir homens e máquinas no que pode ser um novo pacto faustiano – o mítico acordo entre o homem e o diabo descrito no drama Fausto, do escritor alemão Johann Goethe (1749-1832). Só que agora seria um contrato tecnológico. Em troca do conforto, o homem delegaria aos computadores o controle do seu dia a dia. Teoricamente, um chip implantado no corpo também poderia chamar o elevador, cozinhar o jantar no forno, esquentar a água da banheira e refrescar o vinho branco até o ponto exato, tão logo seu portador deixe o escritório, depois de um dia estafante de trabalho de homem biônico.
“O potencial é enorme”, diz Warwick. “Poderemos nos comunicar com as máquinas por meio de sinais emitidos de dentro do nosso corpo.” Isso permitirá que chips eletrônicos enterrados no braço possam servir como cartão de crédito impossível de roubar ou de se perder. Seria viável ter também um documento de identidade que armazenasse informações e dados pessoais, como uma espécie de carteira de identidade sempre prêt-à-porter.
É por isso que, “do ponto de vista da tecnologia, esse implante é fantástico”, elogia o engenheiro biomédico Sérgio Siqueira, do Instituto do Coração (Incor), em São Paulo. “Mas do ângulo social, é tremendamente polêmico”, acrescenta rápido. Segundo Siqueira, sempre existirá o risco de operações desse tipo levarem a uma terrível invasão da privacidade. O próprio Warwick sentiu o controle na pele. O chip em seu corpo permitia que o computador central, e quem o estivesse operando, monitorasse cada um de seus movimentos dentro do prédio da universidade, todo ele cheio de sensores.
Mr. Chip é um entusiasta das possibilidades que a nova tecnologia abre, embora também faça ressalvas sobre o seu uso. “Esse avanço técnico é realmente desejável”, diz ele. “Mas precisamos decidir sobre as questões moral e ética de se permitir a vigilância de alguém 24 horas por dia.” Com o êxito de sua temporada de ciborgue, abrem-se perspectivas para novas experiências. “Gostaria agora de ligar um circuito ao sistema nervoso humano para trocar sinais com um computador”, diz. Adivinha quem vai ser o campo de testes? Ele mesmo, é claro.
A lógica do controle remoto
O que é preciso para um ambiente inteligente funcionar sozinho
1. Quando a cápsula entra no ambiente, sua espiral é energizada por sinais de rádio transmitidos por dispositivos instalados nos equipamentos.
2. A corrente da espiral aciona o chip, que envia um sinal codificado de volta aos sensores.
3. O sinal é decodificado e retransmitido para um computador que comanda, a distância, os aparelhos conectados a uma rede.