Assine SUPER por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Brasil tipo exportação

Quer combustível ecológico,softwares rebeldes e tecnologias cobiçadasno Primeiro Mundo? É por aqui

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h38 - Publicado em 28 fev 2005, 22h00

Marcelo Campos e Alexandre Versignassi

“O Brasil não é um país sério”, teria dito o presidente francês Charles de Gaulle (1890-1970) na década de 60. Mas se ele estivesse vivo e resolvesse assistir à última edição das 24 Horas de Le Mans talvez mudasse de opinião. Ali, na corrida mais tradicional da França, um carro se destacava sobre a concorrência. E não só por ter alcançado 318 km/h de velocidade máxima, a segunda maior da competição, mas por fazer história: era a primeira vez que um carro movido a bioetanol completava a prova.

Bioetanol? Se você não sabe o que é isso, a conceituada revista britânica New Scientist, que fala com entusiasmo desse novo combustível, pode dar uma mãozinha: “As vantagens dele sobre a gasolina são claras. O bioetanol emite 25% menos monóxido de carbono, 35% menos óxido de nitrogênio e, mais importante, é produzido a partir de plantas, o que ajuda na retirada de gás carbônico da atmosfera”.

Gostou? Pois esse combustível “verde” que está chamando a atenção dos europeus é ele mesmo: o nosso álcool combustível – mas com um nome bem mais bacaninha.

E o nosso lado “sério” vai mais longe. Mesmo sendo o único país onde um combustível alternativo pode ser encontrado em qualquer posto, somos quase auto-suficientes em petróleo. Não por uma bênção da natureza, já que perfurar poços convencionais por aqui nunca rendeu grande coisa. No nosso caso, o buraco ficava mais embaixo. Bem mais. Há 20 anos, boa parte do óleo brasileiro estava parada em jazidas marítimas a mais de 400 metros de profundidade. Para o resto do mundo, arrancar petróleo dali era tirar leite de pedra – não existia tecnologia para explorar tão fundo. Não existia, diga-se. Pois agora tem, e foi toda desenvolvida aqui. Hoje, 85% da nossa produção de petróleo sai das nossas 98 plataformas marítimas.

Um caso bem parecido com esse do álcool e do petróleo também tem a ver com energia. Graças a uma mãozinha da natureza, 97% da eletricidade que consumimos vem das cerca de 600 usinas hidrelétricas instaladas no país.

Continua após a publicidade

Mesmo assim, o Brasil acaba de entrar no seleto clube de países com tecnologia para fabricar urânio enriquecido, o combustível das usinas nucleares. Hoje, 16% da energia do planeta vem dos reatores – em alguns países, como a França do nosso caro De Gaulle, a fatia chega a 79%. Esses consumidores de energia nuclear importam, juntos, 18 bilhões anuais em urânio enriquecido. Como só oito nações (fora o Brasil) podem fazer esse combustível por conta própria, o mercado é mais do que promissor. Detalhe: o sistema criado aqui faz o dos Estados Unidos parecer sucata. E não pára por aí. Nossa biotecnologia promete safras mais resistentes. Nossa informática compra briga contra megacorporações internacionais e vem ganhando respeito no exterior por causa disso. No fim das contas, o fato é que a tecnologia brasileira nunca foi vista com tanta seriedade lá fora. E nas próximas páginas você vai saber por quê.

 

Petróleo – Lá no fundo

Somos quase auto-suficientes em petróleo: em 2003, consumimos 1,8 milhão de barris por dia e produzimos 1,5 milhão. Não é pouca coisa: há dez anos só extraíamos a metade do necessário para suprir o consumo interno. Foi nessa época que começou a maior virada petrolífera do país. Desde o início dos anos 80 a Petrobras sabia que a costa brasileira tinha bastante petróleo. O problema é que uma parte considerável não tinha como ser extraída: estava a mais de 400 metros de profundidade. Nem as plataformas do Atlântico Norte, as mais modernas daquela época, chegavam tão fundo. O único jeito era desenvolver uma tecnologia por conta própria. E foi o que a empresa fez. Os estudos começaram em 1986, com o objetivo de criar um sistema inédito capaz de extrair a até mil metros de profundidade. No início dos anos 90 o país começou a quebrar seus primeiros recordes mundiais nesse quesito e ainda temos a base mais profunda do planeta, a do Campo de Roncador, no litoral norte do Rio de Janeiro, que chega a 1 853 metros. Hoje, 23% das reservas brasileiras estão nessa faixa, entre mil e 2 mil metros, e a estimativa é que pelo menos metade do óleo que o país encontrar no futuro vai sair dessa fatia. Mais: o objetivo agora é desenvolver sistemas capazes de chegar a uma profundidade de 3 quilômetros. Com isso, além de suprir auto-suficiência, a Petrobras planeja chegar a uma média de 1,1 milhão de barris exportados por dia até 2010 – para dar uma idéia, isso equivale à metade de toda a produção atual do Kwait, que tem a quarta maior reserva do mundo. Claro que a idéia não é competir com os gigantes petrolíferos. O Brasil é o 10º colocado em reservas de petróleo, com 10,6 bilhões de barris “esperando” para serem extraídos. Canadá e México vêm logo na frente, com 16 bilhões de barris. E os Estados Unidos ficam em 7º, com 30,7 bilhões. Quer dizer: mesmo que descubramos muito mais poços, é virtualmente impossível ultrapassar os grandes. Mas, se compararmos o Brasil com produtores mais modestos, dá para ter uma idéia melhor do que tem sido feito por aqui. Há dez anos, nossa produção era igual à da Argentina. Agora extraímos o dobro deles. E, dadas as dificuldades, não é exagero dizer que construímos esse placar só com gols de bicicleta.

 

Voto eletrônico – Urna lá

Continua após a publicidade

Nossa urna eletrônica já virou artigo de exportação: em janeiro o Brasil vendeu 13 mil delas para a República Dominicana, por 62 milhões de dólares. A ilha da América Central vai tocar suas primeiras eleições informatizadas em 2006 – a coisa está se popularizando, e nenhum país ajudou mais nisso do que este aqui. Quando a Justiça Eleitoral resolveu adotar um sistema eletrônico para agilizar as votações, em 1995, só encontrou algo parecido na Bélgica e em algumas partes dos Estados Unidos. De qualquer forma, o projeto da nossa urna foi todo desenvolvido aqui. Elas estrearam rápido: nas eleições do ano seguinte, mas só nas cidades com mais de 200 mil habitantes. A prova final veio em 2000, quando o país organizou a primeira votação 100% eletrônica do planeta. Com elas, deu para esquecer traumas como o da apuração do primeiro turno das eleições presidenciais de 1994 no estado do Rio de Janeiro, que demorou 14 dias. A urna, aliás, tem vantagens mais inusitadas do que a óbvia rapidez na apuração. Hoje temos só metade de votos brancos e nulos da época em que só havia cédulas. Na prática, um aumento de 3,5% a 4,5% na quantidade de votos válidos. Ninguém sabe se é porque a urna é mais fácil de usar ou porque as pessoas gostam de ver a foto do candidato na tela. Seja como for, pode ser que a coisa fique ainda mais informatizada do que já é, como profetiza o secretário de Informática do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Paulo Camarão: “Talvez em 2010, 2020, a gente possa votar pela internet”.

 

Álcool – Combustível verde

Se você pode escolher entre colocar álcool ou gasolina no tanque quando pára num posto, é um privilegiado: essa possibilidade só existe no Brasil. Além de nenhum outro país ter conseguido adotar comercialmente um combustível 100% livre de petróleo, os carros que funcionam com qualquer mistura de álcool e gasolina também são coisa nossa: sua tecnologia foi desenvolvida aqui. E graças a ela o álcool voltou à moda. Afinal, nem faz muito tempo que ele estava com o pé na cova. Foi assim: o embrião da idéia nasceu em 1974, quando o preço do petróleo quadruplicou. Com o susto, o Brasil foi o primeiro a tentar algo radical: encontrar um substituto para a gasolina. O escolhido foi o álcool de cana, menos eficiente no motor que a gasolina, mas que tinha como ser produzido em grande quantidade. O Estado, então, bancou a ampliação das lavouras e a reforma de usinas. O primeiro carro a álcool chegou em 1980. E a idéia vingou: quatro anos depois, 94,4% dos automóveis zero-quilômetro eram a álcool. Nessa época, chegamos a economizar 12 bilhões de litros de gasolina por ano. Mas a festa acabou rápido: em 1989 os usineiros preferiram transformar boa parte de sua cana em açúcar, que estava em alta no mercado internacional. Os postos ficaram sem combustível, e os consumidores, sem confiança. Tanto que no fim dos anos 90 a participação dos modelos a álcool no mercado de carros novos tinha caído para 0,06%. A salvação só veio com os carros bicombustível, em 2003. No ano passado a participação foi de 26%, e continua subindo. Além de nos deixar menos dependentes do petróleo, o bioetanol – como os europeus preferem chamar os combustíveis à base de álcool – pode ser considerado “carbonicamente” neutro: o dióxido de carbono que ele solta é compensado pela quantidade de gás carbônico que as plantações de cana retiram do ar. E não é só desse combustível “verde” que a gente vive. Nossa bola da vez é o biodiesel, um óleo vegetal que imita o combustível dos caminhões. Ele não substitui o diesel, mas pode ser misturado a ele. Uma lei aprovada em janeiro, aliás, obriga a adição de 2% do “bio” no diesel comum. Parece pouco, mas significa uma economia de 800 milhões de litros de óleo por ano – e boas toneladas a menos de gás carbônico no céu.

 

Urânio – Radiação bilionária

Continua após a publicidade

Não falta quem torça o nariz para as usinas nucleares. Mas existe um problema: 87% da energia usada no planeta sai de usinas termelétricas. O combustível delas pode ser petróleo, gás natural ou carvão, todos grandes emissores de dióxido de carbono, o gás causador do efeito estufa. Para diminuir os índices de emissão, a única alternativa é substituir as usinas fumacentas por outras que sejam “limpas” e pelo menos tão eficientes quanto. Hoje, só as nucleares podem dar conta desse recado. É fato. No Brasil, a energia nuclear é incipiente: nossas duas usinas em operação, Angra 1 e Angra 2, no estado do Rio de Janeiro, respondem só por 2% da eletricidade gerada no país. Além disso, o Brasil é o sexto maior produtor de urânio do mundo, mas nunca lucrou com ele o que poderia. O problema é o seguinte: as usinas nucleares produzem energia a partir do urânio, mas não de qualquer urânio: apenas o do tipo U-235. Na natureza ele aparece unido ao pouco útil U-238. Para cada 100 quilos de urânio, tem 700 gramas de U-235 – só 0,7%. Para gerar energia numa usina, a concentração do urânio “bom” tem de ser por volta de 5% (só para comparar, numa bomba atômica ela precisa ser de 98%). Por isso, então, existem formas de tratar grandes quantidades do minério para obter pedrinhas com a concentração certa. Isso é o enriquecimento de urânio. E o ponto é que o combustível das nossas usinas, apesar de ser minerado aqui, é enriquecido por uma empresa européia, a Urenco. Mas isso está para acabar. Depois de mais de 20 anos de pesquisas, o Centro Tecnológico da Marinha e o Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares) desenvolveram um sistema próprio de enriquecimento que entra em operação neste ano. O objetivo é que até 2006 pelo menos 60% do combustível das usinas de Angra seja enriquecido aqui. Só isso já representa uma economia de 11 milhões de dólares a cada 14 meses. Espera-se que até 2010 dê para chegar aos 100% e que, daí para a frente, o Brasil vire exportador de urânio enriquecido. Existe motivo. Além de haver só mais oito países com tecnologia para enriquecer urânio, o nosso sistema é um dos melhores. O minério é enriquecido em centrífugas – elas atiram a parte mais pesada do urânio, que tem mais U-238, para as bordas do cilindro. A mais leve, rica em U-235, fica no centro. Aí é só ir lá e pegar. É o mesmo modelo adotado na Europa, mas com uma vantagem: as centrífugas brasileiras têm peças sustentadas magneticamente, sem contato físico. Isso as deixaria mais duráveis e econômicas que as de boa parte da concorrência. Se compararmos com o método mais empregado nos Estados Unidos, a vantagem é maior ainda. Lá eles usam máquinas que, grosso modo, “peneiram” o urânio para enriquecê-lo. E isso gasta no mínimo 60% mais energia que o sistema brasileiro. Em suma, existem chances reais de o país se dar bem no bilionário mercado do combustível de usina nuclear. E olha que mal precisamos delas por aqui.

 

Software – Utopia digital

Uma cópia de um software estrangeiro dos mais comuns pode custar o equivalente a 60 sacas de soja. Aí não tem agricultura (nem indústria nem nada) que dê jeito de fechar as contas. E voltamos àquele esquema colonial do tipo “exportar o algodão e importar o vestido”, certo? Sim, mas existe uma saída. O Brasil é um dos países que mais usa e ajuda a desenvolver o chamado software livre, ou “de código aberto”, como o sistema operacional Linux. Livre porque eles são feitos por grupos de programadores que os distribuem de graça. E aberto porque esses softwares podem ser livremente modificados para ganhar novos recursos, e o Brasil é um dos países que mais criou versões próprias desse tipo de programa. Várias delas custam dinheiro, mas sempre sai mais barato do que as licenças de uso dos softwares convencionais, como o Windows, da Microsoft. “Um terço do dinheiro que move a indústria do software no Brasil é transferido em forma de pagamento de licenças a empresas do exterior. Isso dá 1 bilhão de dólares”, diz Marcelo Branco, da Free Software Project, entidade internacional que fomenta o software livre. As empresas de informática se defendem alegando que seus programas são uma mercadoria como qualquer outra, então não é pecado cobrar por eles. Seja como for, o governo daqui tomou sua decisão: migrar paulatinamente para o software livre, tanto em suas instituições como nos projetos para popularizar o acesso à rede. O próprio Bill Gates, dono da Microsoft, sentiu isso como uma ameaça aos seus negócios e decidiu tratar a questão com o presidente Lula. Bill, afinal, já tinha visto o assunto repercutir até na maior revista americana de tecnologia, a Wired. Ela definiu o Brasil como “uma nação, sob o Linux, com software livre para todos”, numa reportagem cheia de elogios em novembro. Exagero? Claro. Só 10% da população tem internet em casa, contra mais de 60% nos países ricos. O problema, para a Microsoft, é que o governo planeja vender pelo menos 1 milhão de PCs com programas de código aberto a preços populares – 50 ou 60 reais por mês. “O Brasil só pode se consolidar com um modelo alternativo, o do código aberto. Dentro do software proprietário, os ricos dominam”, afirma Sérgio Amadeu, diretor do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação e a cabeça por trás da virada para o software livre. Precisa dizer mais?

 

Biotecnologia – Agrogenoma

Continua após a publicidade

Um marco. Foi assim que a revista científica inglesa Nature, a mais conceituada do planeta, qualificou um feito da biotecnologia brasileira em 2000: ter desvendado o código genético de uma “bactéria daninha” – a Xylella fastidiosa, que destrói plantações de laranja. Foi a primeira vez na história que um ser nocivo a lavouras teve seu genoma seqüenciado. A importância disso é enorme. O melhor jeito de bater um inimigo, afinal, é conhecer seus pontos fracos. E, cientificamente, o primeiro passo para isso é conhecer a seqüência com que as moléculas do DNA ficam enfileiradas no código genético dele. A partir daí é possível entender como a bactéria “funciona” e bolar as melhores formas de combatê-la. “A agricultura busca linhagens de plantas cada vez mais resistentes a pragas. E a engenharia genética é uma alternativa para conseguirmos isso”, diz a bióloga Marie Anne Van Sluys, da USP, uma das responsáveis pelo projeto. Essa pesquisa, por sinal, mostrou que a nossa ciência não depende só de “lances individuais”: envolveu 192 cientistas, de 35 laboratórios. Esse grupo ganhou o nome de Onsa (sigla em inglês para Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos. E o trabalho deles continua de pé. A briga, agora, é para decifrar o genoma de plantas como a cana-de-açúcar e o café. Além desse pessoal, também temos o Projeto Genoma Brasileiro, que integra 25 laboratórios e vem seqüenciando genomas paralelamente à Onsa. Se produzirmos outros marcos da biotecnologia, não vai mais ser surpresa.

 

 

Vale a pena acessar

www.bp.com – Site da companhia British Petrolleum, com estatísticas sobre fontes energéticas no mundo

www.gnu.org – Página da Free Software Foundation, com informações sobre programas de código aberto

Continua após a publicidade

www.linuxplace.com.br – Fórum brasileiro de notícias relacionadas a software livre

https://watson.fapesp.br/onsa/Genoma3.htm – Site da rede de pesquisa biológica Onsa

 

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 12,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.