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Como o aquecimento global está atrapalhando a aviação

No mês passado, dezenas de voos foram cancelados nos EUA por causa do calor. Veja porque isso se tornará cada vez mais comum

Por Guilherme Eler
4 ago 2017, 20h03

Com a temperatura na casa dos 48ºC – e uma sensação térmica que supera fácil os 50ºC – é complicado levar a vida normalmente. Sair de casa é pedir para começar a suar e desidratar a uma velocidade digna de ambiente desértico. Seja muito bem-vindo ao verão de Phoenix, capital do Arizona, onde o ar condicionado é seu amigo mais inseparável.

Por lá, as temperaturas altas não impactam só as contas de luz. A onda de calor anormal que o sudoeste dos EUA enfrentou recentemente causou também outro problema, menos usual: o cancelamento de dezenas de voos comerciais. É isso mesmo. Em julho passado, aviões foram impedidos de deixar o Sky Harbor, aeroporto internacional da cidade, pelo simples motivo de estar quente demais.

Mesmo quem não é do ramo sabe que aeronaves foram criadas para operar sob algumas condições climáticas específicas. Por causa disso, vira e mexe mudanças de tempo muito bruscas como nevascas e neblinas intensas as impedem de decolar – atrasando as viagens e aumentando a impaciência dos clientes.

No que diz respeito a problemas de visibilidade, não há muito o que fazer. Afinal, se o piloto não consegue enxergar direito nem a pista que está logo a frente, quanto mais guiar um trambolho de 70 toneladas pelo céu em total segurança. O ponto é que o calor também pode comprometer bastante a viagem: cientistas já demonstraram que o desempenho das aeronaves é pior em dias extremamente quentes. Isso porque o aumento da temperatura atmosférica faz a densidade do ar diminuir, o que prejudica toda a aerodinâmica do veículo.

A sustentação que as asas do avião garantem depende densidade do ar. Se você não faltou às aulas de física da escola, deve se lembrar que o ar quente é menos denso. Quanto menor for a densidade do ar, mais rápido um avião tem que acelerar na hora da decolagem para compensar a perda de estabilidade.

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O problema é que para conseguir uma velocidade maior, é necessário uma pista com tamanho suficiente para a tarefa. Corre-se o risco, nos locais onde o trecho de asfalto é curto demais, que o avião não adquira velocidade adequada para deslanchar de vez sem problemas de sustentação. A principal forma que as torres de controle têm para garantir que isso não aconteça é diminuir o peso da aeronave – seja retirando carga, combustível ou material humano mesmo.

A tendência é que os aeroportos, sobretudo os do hemisfério norte, passem a colocar um número cada vez maior de restrições em relação ao peso das aeronaves. Elas já acontecem atualmente, especialmente em lugares mais quentes como Dubai e a própria Phoenix. E de acordo com o trabalho dos pesquisadores Ethan Coffel e Radley Horton, da Universidade de Columbia, isso será cada vez mais comum no futuro – por todo o mundo.

Analisando um ano de voos nos EUA, eles descobriram que, em média, até 30% dos aviões que decolaram no momento mais quente do dia precisaram enfrentar alguma restrição de peso. Todo avião possui, de fábrica, valores máximos de carga e combustível para a decolagem. A pesquisa projeta que o calor diminuirá até 4% o total de peso transportado, nos lugares onde o calor castiga mais.

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Os efeitos dessa restrição de peso podem pesar no bolso das companhias aéreas e mudar operações pelo mundo todo. A conta é bem simples: menos passageiros nos vôos significa menos dinheiro para as companhias aéreas. Os primeiros a sofrer com os cortes são voos mais longos. Conectar pontos distantes do globo só vale a pena se o roteiro for cumprido com o máximo de aproveitamento. A tendência, então, é que os voos maiores sejam remanejados para momentos menos quentes do dia. E como nada vem sozinho, a alteração de rotas e duração dos voos, pode, eventualmente, aumentar também o consumo de combustível. O resto você já sabe. O serviço fica mais caro, passam a existir menos opções, os aeroportos operam além da capacidade e o caos aéreo se torna maior.

Para completar o pacote, o calor poderá influenciar até mesmo no famoso “medo de avião”. Isso porque a elevação das temperaturas tornará as turbulências mais frequentes e intensas. Uma pesquisa publicada neste ano mostrou que turbulências severas vão aumentar 149% e os chacoalhões moderados crescerão até 94% nos próximos anos. Culpa do aumento na quantidade de ventos de alta altitude, que ganham força com o calor.

Coffel e Horton, em um artigo para o site The Conversation, destacam um fato interessante: os manuais de operação de aeronaves dos EUA não possuem informações de controle para temperaturas acima de 118ºF (47,7ºC). Isso atesta o quanto as alterações de clima causadas pelo aquecimento global devem obrigar as ciências aeronáuticas a repensar algumas questões.

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Um exemplo é a adaptação e construção de pistas mais extensas – para que a velocidade de decolagem deixe de ser um problema. Porém, obras desse porte não são das mais fáceis de serem realizadas. Desapropriar terras para construir mais infraestrutura pode ser complexo dos pontos de vista político e econômico. Além do que, muitos aeroportos estão em zonas urbanas muito densas (como Congonhas, em São Paulo), entre montanhas, ou, literalmente, no meio do oceano.

Para esses últimos há outra questão delicada: o aumento do nível dos mares pode elevar o risco de inundações, e interditar seu uso. Este estudo, de 2016, já cantou a bola: aeroportos internacionais rodeados por água, como os japoneses Chūbu Centrair, na cidade de Tokoname, e Kansai, em Osaka, estão ameaçados. Pelo menos enquanto as temperaturas não pararem de subir.

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