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Só aviões supersônicos garantem a soberania aérea de um país. Saiba como os caças atuam, para o que estão evoluindo e por que o Brasil está perdendo nessa área

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Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 29 fev 2008, 22h00

Texto Leandro Narloch

Quando o tenente Navarro, instrutor de pilotos da Base Aérea de Natal, colocou 7 sacos de vômito de avião nos bolsos do meu uniforme, eu achei que ele exagerava. Como sempre passei bem em barcos, turbulências e montanhas-russas, pensava que o vôo no Super-Tucano da FAB seria diversão pura. Mas foi só o caça decolar e dar um loop a 12 mil pés de altura, fazendo a pressão do ar cair e depois aumentar 5 vezes, para eu começar a encher aqueles dispositivos de emergência. Observei, na prática, um dos grandes entraves à evolução dos aviões de ataque: os limites do corpo humano.

O Super-Tucano é um caça café-com-leite – subsônico, serve para treinar pilotos, perseguir aviões civis e fazer ataques terrestres leves. Mas provoca no corpo uma reação parecida com a que acontece nos caças mais potentes. Do F-14 da Guerra Fria até o poderoso F-22 americano, os aviões de guerra ficaram tão rápidos e manobráveis que são tecnologia demais para o ser humano. Só para ter uma idéia, um caça supersônico conseguiria lançar uma bomba, ultrapassá-la e ser atingido por si próprio. “A aceleração dos caças é extremamente agressiva para os pilotos”, diz Salvador Raza, professor da Universidade de Defesa Nacional dos EUA. “Eles têm o corpo exigido ao extremo e, depois de 4 ou 5 anos, ficam com problemas graves de coluna e pressão.”

Isso faz com que os mais novos aviões de ataque não sejam muito mais rápidos nem capazes de fazer curvas muito mais fechadas que os caças projetados 30 anos atrás. Hoje a tecnologia avança para outro lado. Os engenheiros estão se preocupando menos com a velocidade e mais com sistemas de inteligência artificial que ajudem o piloto a tomar decisões rápidas, falando a todo momento com a equipe em terra. E constroem aviões maiores, que possam levar mísseis pesados e potentes, que por isso precisam dar menos bandeira ao inimigo e conseguir encontrá-lo o quanto antes. “Os aviões da última geração são ao mesmo tempo ágeis e invisíveis, com melhores radares e redes de comunicação”, diz o engenheiro americano David Jeffreys, gerente do projeto do caça F-35. Se na Guerra Fria os EUA e a União Soviética concorriam pelo avião mais rápido, hoje acontece outra corrida aérea, que reúne o que existe de mais inovador em várias áreas. E que custa muito mais que ouro puro.

Dê só uma olhada. O caça mais caro hoje em dia, o americano F-22, que é dificilmente detectado por algum radar, custa mais que o que suas 14,5 toneladas valem em ouro. Graças a sensores que lêem o movimento dos olhos, o piloto consegue escolher o alvo simplesmente olhando para ele. Já o caça europeu Typhoon, se estiver sobrevoando a cidade de Angra dos Reis (RJ), consegue atingir, ao mesmo tempo, a ponte Rio-Niterói, a cidade de Ribeirão Preto, um avião que sobrevoe a avenida Paulista e outros 5 alvos. Também tem radares tão potentes quanto o de aeroportos e seus mísseis podem ir atrás de um alvo seguindo o calor que ele emite.

Os maiores países do mundo queimam montanhas de dinheiro nessas máquinas de morte porque, sem elas, um país fica vulnerável a ataques. “Os caças surgiram como ‘dentes’ dos bombardeiros, fazendo escolta dos aviões mais pesados. Depois, viraram um equipamento de defesa estratégica da superioridade aérea, interceptando terroristas ou vizinhos que invadiam o território. Hoje, são também armas de ataque com um poder único”, afirma Raza. Numa guerra, os caças formam a linha de frente. Aparecem nos radares do inimigo quando já é tarde demais para ele esboçar alguma defesa e, em poucos minutos, acabam com a inteligência adversária – os centros de comando, linhas de telefonia e depósitos de equipamentos. “Eles neutralizam o inimigo antes de atacarmos com as tropas terrestres”, afirma o engenheiro Domicio Proença Jr., professor do Grupo de Estudos Estratégicos da UFRJ.

É por isso que a corrida pela superioridade aérea não pára. Na 1ª e na 2ª Guerra, os aeroplanos mostraram o poder de destruir as bases terrestres, pontes e ferrovias inimigas. Na década de 1960, com a invenção do motor a jato, eles ficaram capazes de ultrapassar duas vezes a velocidade do som. Durante a Guerra Fria, eram as armas que mais encantavam os jovens – quem não se lembra de Tom Cruise lutando contra os russos em Top Gun? Só que, hoje, o combate ficou bem diferente do dos filmes. Está mais para videogame que para enredos românticos e heróicos.

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Guerra eletrônica

Antes de tudo, voar num caça é fazer uma integração homem-máquina. O tripulante tem as pernas amarradas ao assento – se precisar ejetar, elas são puxadas automaticamente junto ao corpo para que não quebrem batendo no centro de controle. Entre elas, vai a alavanca de ejeção (dá uma baita vontade de puxá-la só pra ver o que acontece). E até a roupa é conectada ao sistema eletrônico do avião. Para evitar que todo o sangue do corpo vá para o pé e o tripulante desmaie quando o caça sobe bruscamente, a roupa aperta automaticamente as pernas inteiras e a barriga – como se um aparelho medisse a sua pressão em metade do corpo. Essa é a parte real, quando você se lembra que tem um corpo. O resto é PlayStation.

Se no cinema os caças lutavam corpo a corpo, um no encalço do outro, hoje os aviões estão preparados para atacar o inimigo sem enxergá-lo, apenas pelas telas e controles. Antes do vôo, o piloto planeja, no computador, os alvos e a rota a seguir. O plano do vôo vai para o avião por um cartão de memória parecido com um pendrive. “O piloto fica livre para se preocupar com outras decisões”, diz o tenente Navarro, da Base Aérea de Natal. No avião, um sistema de espelhos projeta no cockpit raios de luz com a linha do horizonte. E telas LCD mostram a posição dos alvos, dos aviões amigos e dos inimigos. Apertando o botão no joystick, o piloto lança um míssil teleguiado – este, sim, responsável pelo combate corpo a corpo com o inimigo.

Dá pra dizer que os mísseis aéreos são pequenos caças em forma cilíndrica. Têm motores próprios e fazem curvas impossíveis para um avião. Quando lançados, geralmente vão a altitudes maiores – no ar rarefeito, o alcance chega a 300 quilômetros em modelos como o russo MIG-31. Para encontrar alvos a longa distância, os melhores mísseis têm um radar próprio – que funciona do jeito clássico, lançando ondas eletromagnéticas que batem no alvo e voltam, dizendo onde ele está. Perto do alvo, é mais fácil usar o sensor infravermelho, que procura o calor gerado pelo motor do avião inimigo e pela fricção dele com o ar. O piloto ainda pode trocar idéia com o míssil pelo sistema datalink – tipo uma internet da aviação de guerra.

Para cada tipo de radar do avião e sensor de míssil que se inventa, logo surge um jeito de escapar dele, e, em seguida, uma inovação do míssil para não explodir em falso. Para enganar o radar infravermelho, os aviões lançam flares – “clarões”, espécie de fogos de artifício que servem para enganar o míssil guiado pelo calor. Claro que a indústria de mísseis não engoliu o artifício tão fácil: hoje, o míssil Asraam tem um sensor infravermelho que reconhece formas de asas ou do cockpit, o que evita ser burlado pelos flares do adversário.

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O mais difícil é ser stealth, ou seja, ficar invisível aos radares tradicionais, de ondas eletromagnéticas, instalados nos a­viões e nas bases aéreas. O primeiro avião stealth a ficar famoso foi o F-117, usado em 1991 na Guerra do Golfo e já fora de uso pelos EUA. Hoje, só o F-22 americano e o F-35, novo projeto dos EUA, têm essa tecnologia. Como os radares funcionam enviando ondas eletromagnéticas, os aviões invisíveis aos radares dão um jeito para que elas não voltem – ou voltem em menor quantidade. Primeiro, é preciso acabar com ângulos retos da “lataria”, que refletem demais as ondas. É por isso que a fuselagem de aviões como o F-22 é arredondada e as armas precisam ficar dentro dela (mísseis são cheios de pontas e ângulos retos). Ser invisível requer também materiais e uma pintura especial – e, mesmo assim, nem sempre dá certo, já que há sempre um radar novo a surpreender o pessoal. Bom mesmo seria criar um míssil invisível – diante dele, mesmo o piloto mestre no manche só perceberia o tiro quando já fosse tarde. “Os centros de pesquisa trabalham nisso em segredo, já que um míssil stealth modificaria toda a equação aérea”, diz Raza.

Pequenos e modernos

A eletrônica também está em alta por causa do novo tipo de conflitos do mundo. Há 30 anos, os Exércitos previam grandes batalhas entre países poderosos. Hoje, o que pega são lutas contra guerrilheiros bem menos armados – em que o mais importante é atacar com precisão para evitar a morte de inocentes. É aí que entram a­viões leves, mas eletronicamente modernos, como o brasileiro Super-Tucano – ideal para agir contra traficantes da Amazônia, guerrilheiros ou terroristas. O avião é usado pela Força Aérea da Colômbia. E o Exército americano estudou comprá-lo para atuar na Guerra do Iraque.

Claro que os supersônicos seguem na ativa. Só em janeiro de 2008, caças bombardearam 120 alvos pelo mundo. A Turquia usou-os para atacar a guerrilha curda, no norte do Iraque. Em Arab Jabour, perto de Bagdá, 4 caças F-16 dos EUA destruíram casas que treinariam homens-bomba. Outros F-16, israelenses, atacaram casas de terroristas na cidade de Gaza. E caças britânicos interceptaram bombardeiros russos voando em espaço inglês.

Mas a maior utilidade dos caças ainda é psicológica. Esqueça as armas e a velocidade. Quem compra caças faz isso porque eles são bonitos e assustadores, capazes de dissuadir vizinhos inconseqüentes e manter a tranqüilidade em casa. “Ter aviões modernos não significa querer usá-los, mas ter poder de persuasão e dissuasão”, diz Expedito Bastos, pesquisador de assuntos militares da Universidade Federal de Juiz de Fora. Para os estrategistas militares, essas poderosas armas de morte são, quem diria, instrumentos de paz.

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F-35

Velocidade: 2 100 km/h

Autonomia: Não divulgada

Carga bélica: 5,8 t

Radar: 165 km

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Origem: EUA

Ponto forte: Mais novo projeto de caça, é invisível, tem decolagem vertical (como um helicóptero) e é melhor que o F-22 para ataques terrestres.

Ponto Fraco: Não é tão manobrável quanto o F-22 ou o SU-27.

F-22 Raptor

Velocidade: 2 335 km/h

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Autonomia: 5 000 km

Carga bélica: 2 t

Radar: 270 km

Origem: EUA

Ponto forte: É o melhor caça do mundo. Não pode ser detectado por radares inimigos e voa em supercruzeiro (mantém velocidades extremas por um longo tempo).

Ponto Fraco: Os americanos não o vendem para ninguém.

Sukhoi SU-27 Flanker

Velocidade: 2 500 km/h

Autonomia: 3 530 km

Carga bélica: 6 t

Radar: 110 km

Origem: Rússia

Ponto forte: Extremamente manobrável e como ótima autonomia de vôo.

Ponto fraco: é facilmente detectado por radares.

MIG-29

Velocidade: 2 465 km/h

Autonomia: 3 200 km

Carga bélica: 6 t

Radar: 130 km

Origem: Rússia

Ponto forte: Caça soviético clássico, foi o primeiro a ter mira integrada ao capacete (basta olhar para o alvo e atirar).

Ponto fraco: Pouca autonomia: para voar longe, precisa ser reabastecido.

F-15 Strike Eagle

Velocidade: 2 655 km/h

Autonomia: 5 590 km

Carga bélica: 11 t

Radar: 160 km

Origem: EUA

Ponto forte: Tem boa capacidade de armamento.

Ponto fraco: Caça americano clássico, já foi superado por aviões mais modernos.

Eurofighter Typhoon II

Velocidade: 2 125 km/h

Autonomia: 3 700 km

Carga bélica: 6,5 t

Radar: 175 km

Radar (no ar): 370 km

Origem: Europa

Ponto forte: Melhor caça europeu hoje em dia, pode atingir até 8 alvos ao mesmo tempo a 250 km distância.

Ponto fraco: Não é tão manobrável quando o SU-27.

F-16C

Velocidade: 2 124 km/h

Autonomia: 3 890 km

Carga bélica: 7,5 t

Radar: 160 km

Origem: EUA

Ponto forte: Eficaz para ataques terrestres.

Ponto fraco: Facilmente detectado por radares inimigos.

Rafale C

Velocidade: 2 125 km/h

Autonomia: 3 125 km

Carga bélica: 9 t

Radar: 130 km

Origem: França

Ponto forte: Um sistema eletrônico permite que o piloto acesse a tela de navegação de outros Rafales.

Ponto fraco: A manutenção é mais cara que o próprio avião.

Qual será o novo caça brasileiro?

O Chile tem caças F-16 novinhos. A Venezuela tem 24 Sukhois SU-27. E até o Peru tem caças melhores que os ultrapassados AMX, Mirage 2000 e F-5 brasileiros. Não está na hora de o Brasil comprar novos caças? Todos os especialistas com quem a Super falou acham que sim: infelizmente, temos que gastar nosso mirrado orçamento com armas que muito provavelmente não serão usadas. “O protagonismo mundial traz vários bônus, mas também alguns ônus”, afirma o sociólogo Luís Alexandre Fuccille, do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp. “Se quiser fazer parte do Conselho de Segurança da ONU e ser um dos fiadores da paz mundial, o Brasil não pode ter uma estrutura militar risível.” Ok, mas qual caça? Daí a resposta é mais difícil. A Força Aérea Brasileira já afirmou à Casa Civil que, nos critérios técnicos, o russo Sukhoi é o melhor para as necessidades brasileiras. “O tamanho do território exige aviões com enorme alcance e grande capacidade para carregar armas”, afirma Domicio Proença Jr., da UFRJ. Mas há milhares de outros fatores. A decisão do Chile de comprar seus F-16, por exemplo, envolveu 2 300 variáveis das mais diferentes: o tamanho e tipo de território, os tipos de missão, o custo de manutenção, a capacidade de armas, as bases aéreas que o avião exige, o preço das aeronaves e a questão da transferência de tecnologia – quando o vendedor ensina o comprador a alterar softwares e modernizar o avião. Sem transferência de tecnologia, pode haver o que aconteceu com a Argentina na Guerra das Malvinas, em 1982: a França, que havia vendido mísseis Exocet para a Argentina, deu à Inglaterra o código-fonte dos mísseis para que eles pudessem ser desviados. Há também a questão diplomática. Primeiro, porque não pegaria nada bem ao Brasil, que quer se aproximar dos países vizinhos, montar uma base cheia de caças perto da fronteira da Argentina, do Paraguai ou mesmo em Cuiabá, capital próxima à Bolívia. Segundo, porque uma compra grande dessas é uma ótima oportunidade para fechar acordos comerciais com o país que vai vender os caças. A Aeronáutica promete que, até o fim deste ano, tudo isso será resolvido. E que, provavelmente no começo de 2009, o Brasil saberá qual avião vai proteger o nosso céu.

Para saber mais

Asas

Tom D. Crouch, Record, 2008.

Campo de Batalha Aérea

aircombatcb.blogspot.com

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