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Farmville: a fazendinha polêmica

Como Farmville conquistou a internet e revolucionou a indústria de games - com direito a acusações de plágio, golpes e trapaças virtuais.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 1 mar 2010, 22h00

Arthur Fonseca – Ilustração: Vanessa Reyes

Aprenda como aproveitar melhor o Farmville, seja qual for o seu jeito preferido de jogar!
SUPER Glossário do Farmville

Executivo de um grande banco, Pedro leva uma vida agitada. Morou em Paris, fez mestrado nos EUA e hoje lidera uma equipe de dezenas de pessoas – que movimentam centenas de milhões de reais por ano. Ele ganha um salário altíssimo, viaja bastante e está sempre em reunião. Mas todos os dias, mesmo quando a rotina está mais apertada, Pedro tira um tempo para visitar sua fazenda. “Planto uma sementinha, colho uns ovos, compro um animal no mercado”, conta. Pedro (cujo nome trocamos a pedido dele, que não quer levar bronca do chefe) é mais um dos milhões de jogadores de Farmville – que entrou no ar em junho de 2009, mas já é o game mais popular da história da internet. Sério. Em apenas 9 meses, chegou a 75 milhões de usuários (7 vezes mais que o 2o maior jogo online, World of Warcraft). E, enquanto os serviços mais acessados e comentados da internet, como o twitter e o YouTube, perdem dinheiro ou lucram uma mixaria, Farmville dá lucro – só nos primeiros 6 meses de vida, faturou US$ 100 milhões. E colocou uma nova categoria de games no centro da indústria do entretenimento: os jogos sociais.

Em 2006, quando o Orkut já era febre no Brasil, o resto do mundo começava a descobrir outra rede social – o Facebook, que havia dobrado de tamanho e chegado a 12 milhões de usuários. Isso aconteceu, em parte, graças a uma inovação tecnológica. O Facebook abriu seu site para que qualquer pessoa, ou empresa, pudesse acrescentar novos recursos a ele. Concursos, enquetes e joguinhos.

O americano Mark Pincus viu nisso uma oportunidade. Ele havia criado o site Tribe, que foi uma das primeiras redes sociais (surgiu em 2003, antes mesmo do Orkut), mas acabou não dando certo. Com essa experiência, Pincus aprendeu que, para fazer uma rede social crescer, não basta que as pessoas conversem. Elas precisam ter uma motivação em comum. Que tal um game? Pincus montou uma empresa, a Zynga, e lançou um jogo de pôquer para o Facebook. Os usuários podiam comprar fichas virtuais, com dinheiro de verdade, para usar no jogo. Isso sustentou a Zynga entre 2006 e 2008. Em 2009, Pincus teve a ideia de criar sua fazenda. Nascia Farmville, um jogo simples e irresistível: com poucos cliques, você cria sua fazendinha virtual e a faz prosperar plantando alimentos e criando animais.

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Mas Farmville já nasceu polêmico. Isso porque, antes de seu surgimento, já existia um jogo muito parecido: Farm Town, que fora criado por outra empresa e já tinha 9,5 milhões de jogadores. O jeito de jogar é exatamente o mesmo. Você entra no Facebook, cuida da sua fazendinha virtual e interage com outras pessoas. E essa semelhança não é mera coincidência: a Zynga é acusada de plagiar 4 outros jogos. As acusações foram parar na Justiça dos EUA, e a empresa chegou a estar envolvida em mais de 25 processos. Alguns foram resolvidos em acordo, outros ainda estão correndo. Mas nada disso explica o mais importante. Ok, Farmville é cópia de algo que já existia antes. Mas se é assim, por que virou um fenômeno gigantesco – enquanto seu rival ficou para trás?

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Menos é mais

A resposta está numa série deideias simples, mas muito inteligentes. Em Farm Town, era possível interagir com qualquer outro jogador. Já em Farmville, você só joga com seus amigos do Facebook. Isso pode parecer uma limitação, mas na verdade é uma vantagem – faz com que os jogadores de Farmville se conheçam, o que aumenta muito a interação entre eles. E o jogo praticamente força essa interação, porque dá pontos quando você visita a fazenda dos amigos e realiza tarefas como adubar terra e espantar corvos. Para completar, tudo o que você faz é anunciado no seu “mural” do Facebook. Ou seja: enquanto joga, você faz propaganda do game.

Eis aí o segredo do sucesso. Isso e algumas atitudes controversas. Quando o game estava começando e tinha poucos usuários, seus criadores fizeram parcerias duvidosas com empresas que anunciavam no jogo. Uma delas, por exemplo, pedia o preenchimento de um miniformulário em troca de moedinhas virtuais para investir em Farmville. O jogador respondia a 4 perguntas e, no final, era avisado de que receberia o resultado por mensagem de texto. No mês seguinte descobria, em sua conta de telefone, que tinha sido enganado – assinara um serviço inútil, e que custava US$ 10 mensais. O anunciante ganhava com o golpe. E a Zynga, com a venda do anúncio. Outros anunciantes ofereciam moedinhas para quem instalasse uma barra de ferramentas – que bombardeava o pc com anúncios, e não podia ser removida. “Instalei aquilo e nunca mais consegui tirar”, admitiu o próprio Mark Pincus.

A Zynga acabou abandonando essas práticas. Mas as trapaças ajudaram a alavancar a empresa – que reinvestiu o dinheiro no Facebook. Enquanto o site ia crescendo (hoje, tem 350 milhões de usuários e já chegou a superar o Google em audiência), a Zynga gastava cada vez mais – colocou mais de US$ 50 milhões em publicidade no Facebook e é a maior anunciante dessa rede social, superando multinacionais como Sony, Microsoft e Coca-Cola.

A fartura de dinheiro se explica. Farmville é de graça. Mas, se estiver disposto a gastar dinheiro de verdade (via cartão de crédito), você pode turbinar bastante a sua fazenda. E isso faz todo o sentido. “As pessoas são movidas pelo sucesso e aceitam pagar pelos bens virtuais para se destacar no jogo”, constata Bill Mooney, diretor de desenvolvimento do game. Como Farmville é um jogo social, em que você conhece os outros jogadores, e tudo o que é social envolve status, é aceitável pagar para ser melhor que os outros (da mesma forma que, na vida real, você paga para ter um tênis melhor que dos seus amigos). Em outros games sociais, como World of Warcraft, pagar para levar vantagem é malvisto. Em Farmville, é a chave para se dar bem.

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Só uma pequena parcela dos jogadores, de 2 a 3%, compra itens no jogo (que vão de uma simples laranjeira, a R$ 0,52, até o exclusivo moinho de vento, que vale a pequena fortuna de R$ 122). Mas isso já é o suficiente para gerar os US$ 100 milhões de faturamento e triplicar o tamanho da Zynga, que hoje tem 600 empregados. Ela oferece novos itens toda semana – inclusive alguns que só podem ser adquiridos por quem joga muito. “Isso mantém o jogo interessante para os jogadores”, diz Mooney.

Mesmo com todo o sucesso, Farmville não consegue se manter longe das polêmicas. Em setembro, lançou uma campanha para ajudar o Haiti. Quando os jogadores compravam determinados itens dentro do jogo, a renda era repassada para os haitianos. Foi o suficiente para arrecadar US$ 2,7 milhões. Só que a Zynga ficava com 50% desse valor – o que deveria ser filantropia na verdade dava (muito) lucro. A Zynga não se manifesta a respeito. Mas uma frase dita em novembro por Mark Pincus sintetiza bem o caso: “Eu fiz coisas horríveis, só para faturar”. Quando um terremoto atingiu o Haiti, em janeiro, a Zynga decidiu tomar a decisão certa – começou a repassar 100% do valor dos itens beneficentes (como as sementes de milho) às vítimas do terremoto no país, que desde então já recebeu US$ 1,5 milhão em donativos dos jogadores de Farmville.

Mas será que ele vai manter as pessoas interessadas por muito tempo? Pedro, nosso banqueiro, já deu uma abandonada na lavoura. “Depois de um tempo, a fazenda cresce e você tem que se dedicar muito a ela”, reclama. Por isso, a Zynga se dedica a criar novos jogos. Como Café World, uma espécie de Farmville que se passa num restaurante. E também é suspeito: teria copiado Restaurant City, lançado 6 meses antes. Só que, desta vez, mexeram com gente grande. O jogo pertence à gigantesca Electronic Arts, 13 vezes maior do que a Zynga. Uma tempestade está se aproximando da lavoura.

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