Fora de órbita
Gigantes de gelo, globos incandescentes, blocos de pedra, mundos sem sol... A descoberta de novos planetas sugere que, no início do nosso sistema solar, os planetas mudaram de posição como bolas de uma partida de bilhar
Luigi Bignami
Apesar do aparente caos que reina em diversas partes do universo, os astrônomos sempre encontraram uma certa ordem entre os planetas do nosso sistema solar. Eles são classificados dentro de algumas categorias, de acordo com a distância do Sol, quase como as que existem entre as espécies animais. Os mais próximos do Sol – Vênus, Mercúrio, Marte e a própria Terra (a “apenas” 150 milhões de quilômetros do Sol) – fazem parte dos chamados planetas terrestres. Todos eles possuem um traço em comum: são relativamente pequenos e quase inteiramente sólidos. Os planetas que estão a mais de 1 bilhão de quilômetros do Sol – Júpiter, Saturno, Urano e Netuno –, embora tenham um pequeno núcleo sólido, são gigantes e quase inteiramente formados por gases. (Plutão, o mais distante de todos, distante 5 bilhões de quilômetros do Sol, é uma exceção à regra, pois é pequeno e feito de gelo – acredita-se que seja, de fato, um cometa gigante).
Até recentemente, essa classificação era o bastante para contar a história da formação dos planetas. Nos primeiros 100 milhões de anos dos cinco bilhões do nosso sistema solar, a energia do Sol teria expulsado os gases dos planetas que estavam próximos dele. Isso explicaria a diferença de estrutura entre Mercúrio e Júpiter, por exemplo. E o mesmo padrão deveria ser encontrado em outros sistemas solares.
No ano passado, a descoberta de uma dezena de novos planetas colocou em xeque essa teoria. Ao contrário do esperado, foram encontrados planetas que em nada seguem a ordem do nosso sistema solar. Entre eles, alguns globos gigantes, planetas gasosos perto de suas estrelas. É o caso do imenso planeta que gira em torno da estrela Tau Boötis. Com uma massa mil vezes maior do que a da Terra, ele está a apenas 7 milhões de quilômetros de sua estrela, enquanto Mercúrio, o minúsculo planeta (pouco maior do que a Lua) terrestre do nosso sistema solar, está a uma distância de 46 milhões de quilômetros do Sol. Sua órbita restrita faz com que o planeta de Tau Boötis viaje no espaço a uma velocidade vertiginosa – um ano lá dura de três a quatro dias – mesmo tendo uma massa centenas de vezes maior do que a da Terra.
Tudo indica que esses planetas tenham nascido mais longe de suas estrelas e depois tenham escorregado na órbita que hoje ocupam. Isso muda a idéia de que os planetas permanecem próximos de onde surgem. As descobertas sugerem que na fase inicial de todo o sistema solar prevalece o caos: os planetas em formação ricocheteiam, desencontram-se ou atraem-se. Até ocuparem, em milhões de anos, posições mais ou menos estáveis. Um movimento parecido com o de uma mesa de bilhar.
Além dos inóspitos gigantes quentes e próximos de estrelas, os astrônomos encontraram outras situações que consideravam improváveis: planetas que, apesar de se localizarem ao lado de suas estrelas, são extremamente gelados. É o caso do planeta, ainda sem nome, que gira a 32 milhões de quilômetros da estrela Gliese 876. Com uma massa 670 vezes maior do que a da Terra, o novo planeta tem temperatura de 90 graus centígrados negativos. Esse frio somente é explicado pelo fato de a estrela desse planeta ser uma “anã vermelha”. Com uma temperatura superficial de cerca de 3 000 a 4 000 graus centígrados e massa três vezes menor do que o nosso Sol, a estrela não consegue aquecer o planeta vizinho como outras estrelas fariam.
Mas nem tudo é estranho entre os novos planetas descobertos. Situações semelhantes à do nosso sistema solar também são comuns, como planetas gelados afastados da sua estrela-mãe. Um planeta, ainda sem nome, do sistema da estrela Upsilon Andromedae, por exemplo, está a 360 milhões de quilômetros do seu Sol e tem uma temperatura média de 70 graus centígrados negativos. Outros ocupam posição intermediária – o que é natural – entre os gigantes de fogo e as bolas de gelo, como o que gira em torno da estrela da constelação de Libra HD 134987 (ao lado), a 82 anos-luz da Terra. Ainda sem nome, esse planeta é gasoso como tantos outros mas tem uma temperatura superficial de aproximadamente 42 graus centígrados – o equivalente a um dia quente de verão no Rio de Janeiro. Com essa temperatura, seria provável que existisse alguma forma de vida por lá. Pena que a força da gravidade seja capaz de esmagar qualquer ser vivente do tipo terrestre.
Para encontrar planetas fora do nosso sistema solar, a arma dos astrônomos é a precisão. Até que não se construam telescópios capazes de separar a luz de um planeta da luz da sua estrela, a única forma de avaliá-los é indireta. São dois métodos usados, todos baseados em medidas de posição ou de velocidade em relação à estrela-mãe. Além dos métodos indiretos, as agências espaciais estão investindo nos projetos para a descoberta de planetas. E não é apenas a NASA. A Agência Espacial Francesa, por exemplo, lançará, em 2004, o satélite Corot – destinado também à procura de planetas extra-solares. Ele terá um telescópio com 30 centímetros de diâmetro, que vai captar as variações de luz produzidas pela passagem de planetas sobre o disco estelar. Com satélites como esse os pesquisadores estão certos de poder encontrar até mesmo planetas de dimensões terrestres e com uma atmosfera favorável à existência de vida.
Gigante infernal
Sistema solar da estrela tau Boötis – 50 anos-luz da terra
Nesse sistema solar, na constelação de Boötis, foi descoberto um imenso planeta que está surpreendentemente próximo da sua estrela – ao contrário dos gigantes gasosos do nosso sistema solar que estão distantes do Sol. O gigante tem uma massa mil vezes maior do que a da Terra e uma temperatura de 1 200 graus centígrados. Ele gira tão depressa em torno de sua estrela, que o ano por lá dura três dias. Alterações em sua órbita indicam que ele tem uma lua
Estranhos Mundos
Sistema solar da estrela upsilon Andromedae – 44 anos-luz da terra
É o único caso comprovado de um sistema solar com mais de um planeta. Todos os outros planetas descobertos fora do nosso sistema solar são mundos solitários – pelo menos por enquanto. Girando ao redor da estrela Upsilon Andromedae foram descobertos três planetas gigantes. Um deles extremamente próximo da sua estrela e quentíssimo, outro a meia distância (talvez habitável) e um bem afastado e gelado
Vida por um triz
HD 134987 – 82 anos-luz da Terra
Descoberto há pouco mais de um ano, esse planeta tem uma temperatura de 42 graus centígrados, o equivalente a um dia quente de verão nos trópicos – condição propícia para o surgimento de vida do tipo terrestre. Pena que, devido à sua imensa força gravitacional, dificilmente poderíamos visitá-lo. Ainda que houvessem naves capazes de nos levar até lá, um homem médio pesaria ali cerca de 23 toneladas. É provável que o planeta seja cercado por fragmentos de rochas de todos os tamanhos, de grãos de poeira até pedaços equivalentes a montanhas
Nascer dos sóis
Sistema das estrelas 16 Cygni A e 16 Cygni B – 70 anos-luz da Terra
É um dos poucos planetas descobertos até hoje que gira em torno de dois sóis. Faz parte de um sistema estrelar binário, composto pelas estrelas 16 Cygni A e B. Esses sistemas são extremamente delicados uma vez que o planeta está submetido à força gravitacional de duas estrelas. Dependendo da sua posição, essa força dupla pode arremessá-lo de sua órbita, por meio do efeito chamado estilingue. É provável que não seja um caso isolado, já que existem inúmeras estrelas duplas em nossa galáxia
Para saber mais
Na Internet: “Enciclopédia” dos planetas extra-solares
https://www.obspm.fr/encycl/encycl.html
Site da Universidade de Berkeley (EUA)