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Jatos na oficina

Com uma simples olhada nas turbinas em busca de penas de pássaros ou com radiografias e robôs de última geração. Os técnicos de manutenção garantem o vôo seguro dos grandes aviões.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h31 - Publicado em 31 Maio 1992, 22h00

Paulo D’Amaro

Para os passageiros desavisados, pode parecer apenas um aceno de despedida ou um desejo de boa sorte. Mas, na verdade, o homem que sai de baixo do nariz do avião pouco antes da decolagem, olha para o piloto e agita uma fita vermelha, é um mecânico, comunicando que não há vazamentos nem danos graves, e que as portas estão todas fechadas. Só então o avião começa a taxiar, para levantar vôo rumo à próxima escala O aceno é só o último ato da inspeção de trânsito, uma verificação rápida, feita na pista dos aeroportos entre uma escala e outra. Terminada, o mecânico retira o pino de segurança do trem de pouso, onde se prende a fita vermelha, e libera o avião. Esse, no entanto, é apenas o mais simples entre os vários tipos de inspeções por que passam os aviões. Em alguns deles, as naves ficam mais de um mês em hangares especiais, com direito a radiografias, testes com nomes complicados e consertos feitos por robôs de última geração.

“A segurança dos passageiros no ar depende de uma boa manutenção em terra”, diz o engenheiro Heitor da Rocha Azevedo, assistente da gerência de manutenção da Varig. Da sua sala, rodeado de réplicas de caças da Segunda Guerra Mundial — seu hobby é colecioná-los —, ele avista boa parte do parque de manutenção da empresa, o maior da América do Sul, ao lado do Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro. Ironia do ar: ao contrário dos Spitfires e Messerschmitt pendurados no teto, feitos para derrubar outros aviões, as 2500 pessoas sob seu comando trabalham para manter aeronaves no céu.

Apesar de as estatísticas mostrarem que a maioria dos acidentes aéreos acontece por falha humana, a manutenção não pode ser descuidada. Um fato comprova isso: o pior acidente da história da aviação envolvendo um único avião — a queda de um Jumbo 747 da Japan Air Lines, em 1985 — foi causado por um erro de manutenção. Para que os aviões transportem as pessoas pelo céu e não para ele, os técnicos dedicam seus maiores esforços às três partes críticas de uma aeronave: motores, estrutura e sistemas hidráulicos. Dos três, os sistemas hidráulicos são os que mais preocupam em caso de falhas. Formados por um emaranhado de tubos e canos, levam óleo sob pressão a vários pontos da nave.

De acordo com o comando do piloto, a pressão aumenta em uma determinada tubulação, impulsionando trens de pouso, freios ou as partes essenciais para as manobras: flaps, ailerons, spoilers, profundores e o leme, conhecidos no jargão aeronáutico como superfícies de controle. “Um avião pode ter pane em todos os motores e mesmo assim consegue planar e pousar sem problemas. Mas sem pressão hidráulica nos comandos, o piloto não tem como salvá-lo”, lembra o engenheiro Heitor. Foi o que aconteceu com o 747 japonês em 1985. Quando um remendo na fuselagem se rompeu em pleno vôo, o ar do interior do avião e os fragmentos saíram em alta velocidade e danificaram todos os sistemas hidráulicos. O avião conseguiu voar por vinte minutos, mas, sem controle, tripulantes e passageiros viram a morte chegar na forma de uma montanha no meio do caminho, sem ter como desviar.

Se um passageiro em visita à cabine de comando ouvir o co-piloto relatando ao comandante uma “perda de sistema hidráulico” não precisa entrar em pânico. A falha de um sistema é contornável, pois os aviões possuem equipamentos em dobro, ou às vezes em triplo. “Mas voar com esse tipo de problema não deixa de ser arriscado; só acontece quando a falha é detectada durante o vôo. Com o avião no chão, a regra é decolar com todos os sistemas hidráulicos operantes”, diz o engenheiro Heitor. Quando o avião pousa os mecânicos saem à caça da pane. Nos modelos mais antigos, como os Boeing 727, 737 e os 747-200, o piloto é quem percebe qualquer anomalia e comunica ao mecânico. Mas nos aviões modernos, como os 747-400, 767-300 e o MD-11 (o sucessor do DC-10, da McDonell-Douglas), o computador de bordo detecta o problema e até sugere peças a serem checadas.

Um conserto de emergência num aeroporto tem aparência de um boxe de Fórmula 1, em que tudo é correria, mas nos hangares reina a calma de quem trabalha sob um milimétrico planejamento. As paradas para manutenção são programadas com meses de antecedência. Podem até aparecer aviões com a turbina enguiçada, mas nem isso é suficiente para alterar a rotina de uma oficina sem sujeira de graxa ou peças pelo chão, onde técnicos com sete anos de profissão são considerados novatos pelos colegas.

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Na rotina das inspeções, quando se buscam indícios de falhas que ainda estão por acontecer, os sistemas hidráulicos passam pelo teste de Itcan — uma minuciosa verificação dos componentes, feita por sensores que medem a pressão do fluido quando os comandos são acionados. Qualquer vazamento interno, por menor que seja, é detectado, pois podem se tornar maiores no futuro e causar problemas.

Os motores dão mais trabalho, embora não sejam tão críticos para a segurança de uma aeronave quanto os sistemas hidráulicos. Mesmo um Jumbo 747 — o maior avião comercial — pode planar por um bom tempo em busca de um lugar para pousar se todas as quatro turbinas entrarem em pane ao mesmo tempo, hipótese muitíssimo improvável. Mas explosões em motores já causaram muitos sustos e pelo menos um grave acidente. Em 1989 a explosão da turbina traseira de um DC-10 da United Airlines danificou os sistemas hidráulicos da nave. Sem respostas aos comandos, o avião fez um pouso mal-sucedido no aeroporto de Sioux City, no Estado de Iowa (EUA), matando 119 dos 293 passageiros.

Explosões à parte, a manutenção dos motores é fundamental, porque são a fonte principal de energia dos próprios sistemas hidráulicos. Dínamos instalados nas turbinas geram eletricidade, como acontece nas usinas hidrelétricas. Essa eletricidade move as bombas que criam pressão nas tubulações hidráulicas. Nos casos de pane dos motores, os aviões modernos têm outros dois meios de conseguir energia elétrica, além dessas turbinas. Uma das fontes é a Ram Air Turbine (RAT), uma pequena turbina que, em situações de emergência sai pela barriga do avião e gera energia elétrica com auxílio do vento. A outra chama-se Auxiliary Power Unit (APU), um motor situado na cauda do avião, alimentado pelo mesmo querosene combustível das turbinas. Razões econômicas também exigem que a manutenção dos motores seja meticulosa. “Um motor de 747 em pane significa um avião parado, ao custo de 30 000 dólares por dia”, afirma o engenheiro Heitor. Por isso, as empresas investem pesado na manutenção das turbinas. Na Varig, aproximadamente 55% da verba para compra de peças vai parar na oficina de motores.

Para assegurar o menor número de falhas possível, os motores são submetidos a testes que vão desde uma simples olhadela do mecânico em busca de penas de pássaros, durante a inspeção de transito, até a desmontagem total. A tal olhadela serve para alertar os técnicos de manutenção sobre uma causa bem comum de defeitos nos motores: os pássaros. “Em alguns aeroportos, como o de Manaus, onde há um depósito de lixo próximo à pista, as turbinas volta e meia ingerem urubus” , afirma o engenheiro Heitor.

Apesar de o perigo imediato ser pequeno, o almoço é bastante indigesto a longo prazo. O fan, uma peça fundamental da turbina, semelhante a um ventilador, é que recebe o impacto inicial da ave. Girando a 8 000 rotações por minuto, pode sofrer fissuras internas em algumas das 38 palhetas. Se nada for feito, com o tempo uma palheta danificada pode acabar se quebrando e sendo também ela “deglutida” pelo motor. Neste caso, haverá uma pane grave em pleno vôo. Além do incômodo causado por um motor inoperante no ar, há também o fator econômico. Cada uma das 38 palhetas — desenhadas por computador e feitas de ligas metálicas extremamente resistentes — custa a astronômica quantia de 10 mil dólares, “o mesmo que um Gol zero quilômetro”, compara o engenheiro Heitor. E a turbina possui outras partes bastante caras, principalmente os rotores dos compressores responsáveis pela expulsão do ar em alta velocidade.

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Nos hangares de manutenção, os técnicos vão literalmente fundo nos motores. Fazem a boroscopia, exame muito semelhante à endoscopia feita nos seres humanos. O boroscópio, um tubo fino e flexível, com fibras ópticas em seu interior, é introduzido nas partes internas da turbina. Com ele, os técnicos podem ver, sem abrir o motor, se há rachaduras nas palhetas dos rotores que giram dentro dos compressores. Em caso positivo, o motor é retirado da asa e levado à oficina para que a palheta rachada seja substituída. Se isso não for feito, ela pode se quebrar com a rotação e causar, novamente, uma pane em vôo.

Na oficina da Varig, “Xuxa” é quem recupera peças desgastadas ou enfraquecidas. Esse é o apelido dado a um robô americano de 300 000 dólares, o plasma-spray, capaz de fundir ligas metálicas e lançá-las no estado de plasma sobre urna peça, refazendo suas dimensões originais. Além disso, pode revestir peças com cerâmica protetora contra abrasão. A velocidade de seus movimentos, para os mecânicos comparável à de uma paquita dançando o “ilariê”, Ihe valeu o apelido.

Como os motores, a estrutura do avião também envelhece e requer cuidados. A colisão com pássaros ou pedras durante a decolagem, e os descuidos freqüentes dos funcionários de aeroportos no momento de encostar as escadas, provocam riscos e amassados, que a longo prazo podem se tornar rachaduras. Os mais leves são apenas tratados com anticorrosivos. Em alguns casos, porém, é preciso até enxertar novas placas metálicas na fuselagem. “Com rachaduras não se brinca”, alerta o engenheiro Heitor. Nos aviões mais velhos, elas se tornam uma verdadeira praga, colocando em risco a segurança.

No caso da fuselagem, as sucessivas pressurizações e despressurizações causam o aumento rápido de qualquer fissura. Os fabricantes de aviões perceberam isso há quatro anos, quando a parte de cima da fuselagem de um velho 737-200 da Aloha Air Lines, a companhia aérea do Havaí, simplesmente se rasgou, deixando o avião como se fosse um carro conversível. A partir daí, passaram a instruir as empresas aéreas para que fizessem testes mais rigorosos nos seus “aviões geriátricos”.

Atualmente, há testes estruturais reforçados quando os aviões chegam aos hangares de manutenção. Toda a fuselagem é examinada com atenção por dentro e por fora. Algumas rachaduras, no entanto, são traiçoeiras. Escondidas no interior do metal, ficam invisíveis ao olho nu. “Para achá-las, só com os ensaios não-destrutivos”, diz o engenheiro Heitor. Esses ensaios geralmente incluem radiografias e ultra-som. Detectadas, as rachaduras internas são corrigidas com reforços ou mesmo com a troca de partes inteiras da fuselagem.

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Esses mesmos testes e reparos são feitos nos pontos particularmente sujeitos a grandes esforços durante o vôo. Os suportes que prendem a turbina à asa, chamados pylons, são os mais críticos. Num 747, além do peso da própria turbina — cerca de 5 toneladas — cada pylon deve suportar a força exercida pelo motor para puxar o avião para a frente: 30 toneladas, o peso de quatro elefantes. Desde o dia em que um 737 da companhia americana US Air não agüentou essa carga paquidérmica e perdeu uma turbina logo após a decolagem, em 1987, os técnicos de manutenção passaram a estudar meios de evitar acidentes desse tipo. Além de redobrarem a atenção nos testes estruturais nos hangares, tomaram uma providência curiosa para as inspeções de pista. Instituíram a pintura de duas marcas vermelhas, uma na carenagem do motor, outra no suporte da asa. Com o pylon em boas condições, as duas marcas ficam alinhadas. Se houver quebra do suporte traseiro — o que, segundo os técnicos, costuma acontecer antes do rompimento total —, a linha pintada na carenagem do motor desce e fica desalinhada em relação à da asa.

Com o sistema hidráulico checado, os motores verificados e a estrutura conferida, o avião está quase pronto. Falta cuidar da estética e do conforto. Numa inspeção de transito, pode ser uma simples varrida nos corredores. No hangar de manutenção, o interior é todo desmontado, as poltronas são reformadas e as galleys — uma espécie de cozinha de bordo — são substituídas por outras mais novas. Na cabine de comando, os painéis são todos retirados para a recuperação e limpeza de botões e mostradores. Após um período no hangar, quase tudo foi mudado na aeronave. Para os passageiros desavisados, pode parecer um aparelho novo, recém-saído da fábrica. Na verdade, é possível que estejam a bordo de um velho companheiro de outras jornadas.

Para saber mais:

Medo de avião

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(SUPER número 12, ano 10)

Rombos na segurança

“Levante o nariz! Levante o nariz…” Os últimos segundos de gravação da caixa-preta mostram um tom de desespero na voz do comandante Masami Takahama. Depois, um ruído seco e o silêncio. A despeito de todos os esforços, o piloto do Jumbo 747 da Japan Air Lines não conseguiu desviar seu avião do monte Osukatayma e o dia 12 de agosto de 1985 ficou marcado pelo pior acidente envolvendo um único avião, com 520 mortos.

A causa da tragédia japonesa foi um erro de manutenção. Alguns anos antes, o avião havia batido com a cauda na pista durante uma decolagem. Uma das partes danificadas — a parede de pressão traseira — foi rebitada de forma errada pelos técnicos da Boeing chamados ao Japão. Essa parede separa a cabine pressurizada, onde ficam os passageiros, da cauda do avião.As pressurizações e despressurizações constantes enfraqueceram o remendo, até que ele se rompesse em pleno vôo. O ar da cabine saiu em alta velocidade carregando fragmentos que danificaram as tubulações de todos os sistemas hidráulicos e os cabos de comando do leme. O fluido hidráulico vazou até que a aeronave não respondeu mais a nenhum comando do piloto.

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Em outros casos, a perícia dos pilotos compensou o erro dos departamentos de manutenção. Em 29 de abril de 1988, a parte de cima da fuselagem de um Boeing 737 da Aloha Airlines explodiu em pleno vôo. O avião da companhia aérea do Havaí, que fazia a ligação entre várias ilhas e a capital, Honolulu, ficou sem parte do teto com os passageiros à mostra. Para piorar a situação, destroço da fuselagem colidiram com um dos motores, deixando-o em chamas. Com sangue-frio e muita técnica, o comandante Robert Schornstheimer controlou a nave e fez um pouso perfeito no aeroporto de Mauí. Dos noventa passageiros e cinco tripulantes, a única vitima fatal foi uma comissária de bordo, sugada no momento da explosão. Os técnicos concluíram que a explosão foi causada por uma rachadura, que poderia ter sido detectada e consertada se a Aloha tivesse feito a verificação obrigatória da estrutura do avião.

Falhas Perigosas

Algumas partes do avião merecem atenção especial, tanto nas verificações de pista como nos hangares de manutenção.

Sistema Hidráulico Acionada eletricamente, a bomba aumenta a pressão do óleo nas tubulações, empurrando as partes móveis.

Galleys e Lavatórios Vazamentos de água causam corrosão na fuselagem.

Parede Traseira Separa a cabine da cauda, pode se romper com as constantes pressurizações.

Radome Radar do avião sujeito a danos causados por pássaros ou pedras.

Trem de Pouso O estado dos freios e amortecedores são verificados a cada pouso.

Asas Nas inspeções de trânsito, procuram-se vazamentos de combustível ou fluido hidráulico.

Pylons Sustentam as turbinas e podem quebrar por fadiga de material.

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