Marte: Sede de achar água
A descoberta de vestígios de água em Marte estimula novas especulações sobre a existência de vida no planeta vizinho
Cecilia Negrão
Em janeiro de 2004, a sonda Mars Express, da Agência Espacial Européia (ESA), detectou água sob forma de gelo no pólo sul de Marte. Pouco depois, em março, a Nasa, agência espacial americana, anunciou que um de seus veículos-robôs em Marte, o Opportunity, havia encontrado marcas nas rochas e minerais que geralmente se formam em processos de hidratação. Sinais semelhantes foram detectados também pelo Spirit, outro veículo-robô americano que pousou em Marte, no início do ano. Em conjunto, esses vestígios serviram para confirmar uma antiga suspeita: a de que o planeta vermelho já teve água suficiente para permitir a vida.“As evidências são tão grandes que é difícil não acreditar que existe vida em Marte”, diz Enos Picazzio, professor de astronomia da Universidade de São Paulo (USP). A exemplo de muitos outros cientistas, ele não descarta a possibilidade de Marte se encontrar apenas em uma espécie de era glacial prolongada. De fato, os cientistas acreditam que, no início de sua existência, Marte foi bem parecido com a Terra, mas, pela ausência de movimento tectônico de placas e do efeito estufa, a superfície do planeta vermelho é bem mais fria que a da Terra (lá, a temperatura varia entre 53 graus centígrados negativos e 27 graus centígrados).
Tanto para os americanos quanto para os europeus, o grande objetivo de suas missões a Marte, a longo prazo, é enviar homens para lá. Mas a recente descoberta de vestígios de água não significa que o homem já pode começar a pensar em construir cidades no planeta vizinho. Calma lá! Ainda nem foram encontrados traços diretos de vida, quer atual, quer em forma de fósseis. A presença de água em estado líquido é uma condição fundamental para a ocorrência de vida como a conhecemos na Terra. Se Marte possuir uma quantidade razoável de água, isso significaria que a possibilidade de exploração humana de Marte, incluindo a instalação de uma base tripulada permanente em solo marciano, sairia do plano da ficção e ficaria mais próxima da realidade.
As recentes descobertas levantam, contudo, novas dúvidas: o que teria causado o desaparecimento da água em Marte, tornando-o um planeta frio e seco? Por que a temperatura geológica e a pressão atmosférica diminuíram tanto em um espaço de tempo considerado curto, de cerca de 100 milhões de anos? Tempestades solares e uma proteção insuficiente propiciada pela atmosfera marciana podem explicar esses fenômenos. Mas os cientistas não descartam a hipótese de ainda existir água no subsolo marciano, sob pressão e a temperatura adequadas para manter-se em estado líquido.
O impacto da descoberta
As teorias de que pode existir ou ter existido vida no planeta vermelho ganham fôlego com a descoberta de água e elementos orgânicos em marte. O novo enigma dos cientistas é explicar o desaparecimento dessa água
A morada dos Ets
“Canais artificiais”atiçaram a imaginaçãodos terráqueos
Marte sempre despertou a curiosidade e a imaginação dos terráqueos. Afinal, é lá onde vivem os marcianos, aqueles homenzinhos verdes com antenas na cabeça que, de tempos em tempos, vêm nos visitar a bordo de seus discos voadores. As especulações sobre a existência de uma civilização avançada no planeta vizinho ganharam força em 1877, quando o astrônomo italiano Giovanni Schiaparelli (1835-1910) afirmou ter observado em Marte uma série de linhas semelhantes a canais artificiais. Tais construções, que serviriam para conduzir a água derretida nos pólos durante o verão para irrigar as regiões equatoriais, seriam uma prova inequívoca da existência de vida inteligente no planeta vermelho. Anos mais tarde, o milionário americano Percival Lowell (1855-1916), um astrônomo amador, construiu um observatório em Flagstaff, no deserto do Arizona, e torrou sua fortuna para custear estudos sobre Marte. Influenciado pelas idéias de Schiaparelli, Lowell desenhava apaixonadamente os supostos canais identificados por seu antecessor, acreditando que o planeta vizinho havia sofrido um processo de desertificação. A teoria dos canais ruiu no século XX, quando se observou que eram apenas fissuras naturais e leitos de antigos rios e oceanos que teriam corrido em Marte. Em 1965, a sonda Mariner 4 enviou à Terra imagens apenas de um terreno repleto de crateras semelhantes às da Lua. A estação móvel Mars Pathfinder, que pousou em solo marciano em 1997, já havia descoberto resquícios da presença de água. As evidências de escoamento de água foram liberadas pela Nasa em 2000.