Nanotecnologia: A revolução invisível
Com inúmeras aplicações, a nanotecnologia promete criar produtos e matérias-primas que vão mudar a sua vida daqui a alguns anos
Leandro Steiw
Desde 1995, os cientistas do Instituto Max Planck, na Alemanha, conseguem controlar os movimentos de uma sanguessuga viva a partir de um computador. Eles conectam um minúsculo chip de silício, com menos de 50 milésimos de milímetro, ao nervo central do verme. Os sinais da célula nervosa são recebidos pelo equipamento e transformados em sinais elétricos. Ao interpretar esses sinais, os pesquisadores são capazes de reproduzir os comandos de um neurônio sem comprometer o desempenho das células vizinhas. Nos últimos dez anos, o instituto vem se empenhando em reduzir o chip da escala micrométrica para a nanométrica, para utilizá-lo no tratamento de doenças neurológicas humanas. Implantado no cérebro, o chamado neurotransistor poderá corrigir, por exemplo, a produção da substância das células degeneradas que causam o mal de Parkinson. A pesquisa alemã deverá ser uma das inúmeras contribuições que a nanotecnologia promete para o século 21.
Afinal, o que é essa tal de nanotecnologia? “Nano” vem do grego e significa “anão”. Um nanômetro equivale a um milionésimo de milímetro, medida tão pequena que são necessários cerca de 400 000 átomos amontoados para atingir a espessura de um fio de cabelo. Portanto, os nanoprodutos são objetos que medem milionésimos de milímetro. A melhor imagem para entender o funcionamento da nanotecnologia são os tradicionais blocos Lego. Imagine que cada uma das pecinhas seja um átomo. Você prende os blocos uns aos outros e constrói um carro, uma casa ou um avião. Pense nesse processo numa escala microscópica e você terá compreendido como transformar um átomo num produto maior. Suponha agora que a propriedade de uma molécula – dois ou mais átomos reunidos – seja repelir a água. Milhões dessas moléculas agrupadas viram um tecido impermeável. Metros e metros desse tecido serão usados em roupas. Pronto, agora você tem uma capa, uma calça e um sapato para sair na chuva sem se molhar.
PRODUZINDO O NOVO
Da mesma forma, pode-se mexer nos átomos de um pedaço de carvão e reorganizá-los na forma de diamante. Parece revolucionário? Pois agora imagine reagrupar os átomos um a um, no lugar exato, até formar objetos que a natureza não criou. Um robô que possa entrar na sua corrente sangüínea e eliminar vírus, bactérias e protozoários, por exemplo. A aids, a malária, a gripe e dezenas de doenças graves seriam, enfim, coisa do passado. Essa é a revolução que a nanotecnologia promete para quando ela for aplicada em escala industrial.
Talvez você desconheça, mas o homem já consegue transformar átomos de carbono em nanotubos de transistores ou gotas de silício em lâminas de vidro. Só que são produtos caros e, para ir mais adiante, ainda faltam os operários.
O engenheiro Eric Drexler, fundador do Instituto Foresight e um dos maiores defensores da nanotecnologia, acredita que a ciência será capaz de construir os nanorrobôs em 2010. Esses robozinhos minúsculos – eles próprios frutos da nova ciência – farão o “trabalho duro”, ou seja, ordenar os átomos como quem empilha tijolos para levantar uma parede.
Assim, os primeiros produtos nanométricos comercialmente viáveis surgiriam a partir de 2015. Cinco anos depois, os nanorrobôs seriam amplamente utilizados em hospitais. As maquininhas invisíveis poderão entrar no corpo humano e combater células cancerígenas, matar vírus e micróbios, destruir tumores e placas de colesterol. Elas também colocarão cada molécula no seu devido lugar, curando doenças genéticas e retardando o envelhecimento.
DO SAPATO AO BIFE
Bem-empregada, a tecnologia ajudará na recuperação do meio ambiente. A Universidade de Brasília já estuda aplicações de nanoímãs em despoluição de águas contaminadas por petróleo. E nanossensores instalados nos automóveis poderiam controlar a emissão de gases tóxicos na atmosfera. Numa das aplicações mais controversas, Drexler propõe até a criação de alimentos mais nutritivos e baratos a partir da manipulação dos átomos. Poucos apostam na concretização dessa hipótese nos próximos 15 anos, levando-se em conta a polêmica causada pelos alimentos transgênicos. Na teoria, você poderia mexer nas moléculas de uma sola de sapato e ganhar um bife suculento – para a redenção da maioria dos restaurantes universitários, que costumam inverter a fórmula.
Esqueça o velho computador que ocupa boa parte da sua mesa de trabalho. Com a nanotecnologia, serão construídos supercomputadores com bilhões de processadores, rápidos o suficiente para realizar trilhões de cálculos por segundo e armazenar todos os livros de uma biblioteca, mas que vão caber na sua mão. O nanoprocessador vai virar peça comum de qualquer objeto. Ninguém vai notar a presença do computador na caneta, na chave da porta, no cartão do banco, no sapato, mas ele estará lá.
Quando os cientistas aprenderem a manipular habilmente os átomos, produtos saídos diretamente dos livros de ficção científica se tornarão realidade. Em 2020, a indústria vai fabricar materiais 100 vezes mais resistentes que o aço, carros que não arranham, espelhos antiofuscantes, aviões mais leves, roupas que regulam a temperatura do corpo, jornais eletrônicos de plástico semelhante ao papel, tintas que mudam de cor, aquecedores solares baratos, bolas de basquete que não perdem a elasticidade. O casco dos navios será repelente à água – com menos atrito, eles gastarão menos combustível. Todos os materiais que você descarta, inclusive os não-recicláveis, poderão virar outros objetos. O futuro respeitará, como nunca, a máxima de Lavoisier: “Tudo se transforma”.
Tudo lindo e maravilhoso, mas a nanotecnologia ainda encontra opositores. Entre as questões, duas se destacam. Primeira: assim como os nanoprodutos podem ser usados para o nosso conforto, também podem se voltar contra nós. A tecnologia será utilizada para fins militares? Teremos armas mais destrutivas que a bomba atômica? Segunda: sabe-se que algumas combinações de átomos são tóxicas. Quais os efeitos que as nanoestruturas terão sobre o meio ambiente e o corpo humano? Como você percebe, a polêmica é inevitável, mas saudável. Para quem acredita nos benefícios da ciência, vale apostar no bom senso do homem.
Tendências
• NANORROBÔS
Até 2010, a ciência deverá ser capaz de construir nanorrobôs – minúsculos robôs que vão ordenar os átomos para a criação de novos produtos.
• ESCALA COMERCIAL
Se tudo correr como prevêem os cientistas, os primeiros produtos da nanotecnologia comercialmente viáveis devem surgir a partir de 2015.
• MEDICINA
Em 2020, os nanorrobôs deverão ser amplamente utilizados em hospitais. As maquininhas invisíveis poderão entrar no corpo humano para combater células cancerígenas, matar vírus e micróbios, destruir placas de colesterol.
• RISCO POTENCIAL
Assim como os nanoprodutos podem ser usados para o nosso conforto, também podem se voltar contra nós. Um dos temores é que a tecnologia seja empregada para fins militares.