O Brasil ganhou a Copa em um outro universo
o Brasil goleou a França na final da Copa de 1998. A prova disso é o comportamento de alguns pequenos pedaços do átomo:
Denis Russo Burgierman
Segundo o físico David Deutsch, existem infinitos universos paralelos e, em cada um deles, a história acontece de um modo diferente. Em alguns, com certeza, o Brasil goleou a França na final da Copa de 1998. A prova disso é o comportamento de alguns pequenos pedaços do átomo: quando os cientistas jogam um fóton ou um elétron contra uma parede, observam que eles seguem uma estranha trajetória. É como se houvesse outras partículas iguais por perto e pequenas trombadas os desviassem da rota. Ou seja, haveria partículas “fantasmas”, nunca detectadas pelos físicos, provocando as colisões. Deutsch afirma que elas estão em outros universos. Quando os cientistas colocam barreiras no caminho dos fótons, as partículas fantasmas desviam junto com as reais. Ou seja, as barreiras também existem nos outros universos. Daí conclui-se que tudo que temos por aqui – laboratórios, cientistas, cidades, galáxias – existe lá também, só que não pode ser visto nem tocado.
Essa é só uma das idéias excêntricas desse teórico de 47 anos, nascido em Israel, que faz pesquisa e dá palestras na Universidade de Oxford, na Inglaterra. Ele não ministra cursos porque é contra os exames – mais uma prova do seu anti-convencionalismo. Deutsch está lançando no Brasil, pela Editora Makron, o livro A Essência da Realidade, no qual junta os múltiplos universos com evolução, filosofia da ciência e computação. Com a ousadia típica dos gênios e dos caras-de-pau, afirma que a sua teoria unifica toda a ciência numa explicação só. Nesta entrevista para a SUPER, Deutsch se compara a Galileu Galilei, defende videogames e explica por que seu livro é um dos mais importantes da História.
SUPER – Nossos leitores podem comemorar? O Brasil ganhou a Copa, pelo menos em um outro universo?
Não, porque a festa aconteceu lá, e não aqui. Os brasileiros do nosso universo perderam. Mas você pode ao menos se sentir bem pelo fato de que o Brasil talvez tenha ganho na maioria das outras dimensões…
É que nós tínhamos um time melhor que o da França.
Se o time era melhor, então a probabilidade de vencer era maior. Acreditar nisso é a mesma coisa que acreditar que o Brasil de fato ganhou na maioria dos universos.
Todas as possibilidades que sou capaz de imaginar de fato acontecem em algum lugar?
Nem todas. Só as fisicamente possíveis. Na minha frente há uma xícara de chá. Na maioria esmagadora dos universos, esta xícara continuará contendo chá. Em alguns poucos, um raríssimo rearranjo de moléculas vai transformá-la em café. Isso é improvável, mas possível. Em nenhum universo, porém, minha xícara se transformará em um carro, pois um carro é mais pesado e a lei de conservação das massas é válida para todos os universos.
Ainda há dinossauros em algum universo?
Sim.
Em outro, há pessoas gigantes?
Talvez não. Isso pode contrariar as leis da Física – temos que ser capazes de bombear sangue para o cérebro.
Estamos falando dessas hipóteses absurdas porque os cientistas não enxergam partículas fantasmas. Não é uma evidência pequena demais para uma conclusão tão grande?
Por menor que seja a evidência, você tem que aceitar a conclusão que ela implica. Você acredita que eu existo só porque pequenas flutuações elétricas na linha telefônica o fazem ouvir minha voz agora. Há uma teoria sobre essas flutuações e sabemos que tal teoria é superior a qualquer outra. Portanto podemos acreditar nela. Isso que acabei de descrever é a filosofia da ciência de Karl Popper (1902-1994), uma das quatro teorias nas quais me baseei para criar minha teoria unificada.
Como você resumiria essa teoria unificada?
Se entendermos os quatro ramos que a compõem, entenderemos toda a ciência que se conhece. A mecânica quântica nos diz que há universos paralelos e a filosofia da ciência nos mostra por que temos que acreditar nessa explicação. A evolução, aperfeiçoada por Richard Dawkins nos anos 80, explica como a vida se comporta – cada gene compete com os outros e os mais adaptados sobrevivem. A teoria da computação, criada por Alan Turing (1912-1954), completa o quadro. Unindo as idéias de Turing com a mecânica quântica, criamos os computadores quânticos, que já são uma realidade. São máquinas assustadoramente mais rápidas porque fazem cálculos em vários universos ao mesmo tempo.
Como os universos múltiplos levam à computação quântica?
Quando disparamos uma partícula, ela percorre milhões de caminhos diferentes, um em cada universo. Eu propus a idéia de que isso pode ser usado para fazer computadores velocíssimos que usam milhares de partículas em milhares de universos. Cada uma pega um caminho para resolver um cálculo, mas só a que encontra a resposta é considerada pela máquina. Um computador comum teria que percorrer um trajeto de cada vez, enquanto os quânticos percorrem todos ao mesmo tempo. Por isso são milhões de vezes mais eficientes.
O que as pessoas podem esperar dos computadores quânticos?
Em poucos anos, teremos programas de criptografia que possibilitarão senhas absolutamente seguras na Internet. Em algumas décadas, toda a computação será assustadoramente mais rápida.
Haverá melhores videogames?
Sim. Um videogame é um mundo de realidade virtual e, quando simulamos um mundo, realizamos cálculos complexos. Esses cálculos serão astronomicamente mais rápidos. Pegue o exemplo de um simulador no qual dois aviões viajam lado a lado. Um movimenta o ar em volta do outro, o que faz com que o efeito aerodinâmico seja complexo demais – demoraria séculos para ser calculado num computador clássico. Numa máquina quântica, torna-se possível simular ambientes realistas como esse.
Você é um fã de games, não é?
Sim (risos), eu adoro videogames.
Você tem dito que as crianças aprendem com os games. Que tipo de coisa eles ensinam?
Se eu estivesse aí na sua redação e lhe jogasse uma bola de tênis, você a pegaria exatamente na posição prevista pelas leis da Física, mesmo sem pensar na velocidade inicial ou na parábola descrita. É esse tipo de conhecimento, que nem percebemos que temos, que se aprende com um videogame. Quando você descobre um novo jogo, é quase impossível passar de fase. Então você resolve os problemas até chegar ao nível 2. Daí o nível 1 parece uma total trivialidade. Essa melhora é uma prova irrefutável de que se está aprendendo. Uma hora o aprendizado termina e você perde o interesse pelo jogo.
Você não é um autor modesto. Sua teoria une toda a ciência. Se você estiver certo, esse é um dos livros mais importantes da História. Você concorda?
Dito dessa forma eu sou obrigado a concordar (risos). Mas deixe-me dizer uma coisa em defesa da minha modéstia. Nenhuma das quatro teorias é minha. Minha inovação é pequena. Apenas as relaciono.
Se eu perguntasse a Galileu Galilei (1564-1642) sobre a importância da teoria dele, pode ser que ele respondesse o mesmo: “Não criei nada novo, apenas aprofundei as idéias de Copérnico (1473-1543)”. Você compararia seu livro com o Diálogo de Galileu?
Copérnico disse que fica mais fácil fazer previsões se acreditarmos que a Terra gira em torno do Sol. O que Galileu fez foi levar a teoria de Copérnico a sério. Ele ousou perguntar: “E se essa idéia de fato descreve a realidade?” Minha descoberta não é tão importante quanto a dele, mas acho que temos uma coisa em comum: eu também afirmo que devemos levar nossas teorias a sério, não só para fazer previsões, mas para compreender o mundo. Todos os físicos concordam que só os múltiplos universos explicam o mistério dos fótons fantasmas. Mesmo assim, poucos admitem que a teoria seja verdadeira.
drusso@abril.com.br
Frase
Em algum universo paralelo, o Brasil goleou a França na final da Copa de 1998