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O Japão rumo ao espaço

O bem-sucedido teste do foguete H-II marca a arrancada dos japoneses na corrida espacial. Com tecnologia feita em casa, prometem não só colocar satélites e estações espaciais em órbita, mas também ir mais longe - chegar a outros planetas.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h45 - Publicado em 30 abr 1994, 22h00

Fátima Cardoso

Bastaram 27 minutos e 57 segundos para o Japão entrar de vez na corrida espacial . Foi o tempo que o foguete H-II em seu primeiro vôo de testes, levou para colocar em órbita suas duas cargas experimentais. O H-II subiu ao céu às 7 horas e 20 minutos da nublada e fria manhã de 4 de fevereiro, lançado da base de Tanegashima. A primeira carga, o OREX (sigla de veículo experimental de reentrada em órbita), cobaia dos futuros ônibus espaciais, separou-se do segundo estágio do foguete 13 minutos e 51 segundos depois do lançamento. A segunda carga, o VEP, veículo para testar o transporte de satélites, desligou-se do foguete e entrou em órbita nos tais 27 minutos e 57 segundos depois do lançamento. Mais que um sucesso, o vôo do H-II foi uma declaração de independência japonesa.

Antes do H-II, os foguetes construídos no Japão tinham tecnologia importada dos Estados Unidos. Com o novo foguete desenvolvido com tecnologia totalmente doméstica, o Japão pode ditar o ritmo e os rumos de seu próprio programa espacial. Não lhe falta ambição: os planos da NASDA, a agência espacial japonesa, incluem lançamentos de satélites, de um ônibus espacial, construção de um laboratório no espaço e a colonização da Lua e de Marte.

O Japão deu seus primeiros passinhos em direção ao céu em 1955, quando pesquisadores da Universidade de Tóquio testaram com sucesso foguetinhos parecidos com um lápis. Nessa época, porém, como a tecnologia vinha de fora, os americanos controlavam o que os japoneses podiam ou não fazer com esse conhecimento, já que quem domina a construção de foguetes naturalmente é capaz de construir mísseis. Apenas dois anos mais tarde, a então União Soviética lançava seu primeiro satélite, o Sputnik-1.

Em 1969, quando a NASDA acabara de nascer, os Estados Unidos colocavam a Apollo 11 na Lua, onde dois homens puseram os pés. O Japão só lançou seu primeiro satélite, o Oshumi, em 1970. O primeiro foguete japonês, o N-I, construído com tecnologia americana, ficou pronto em 1985. Seu peso total era de 90 toneladas, e sua capacidade de lançamento em órbita geoestacionária era 130 quilos de carga útil. Além da capacidade de carga quinze vezes maior (2 toneladas), o H-II não fica atrás de seus companheiros europeus ou americanos em desenvolvimento tecnológico — pelo contrário, é um dos mais sofisticados do mundo.

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Comparado ao Ariane 4, foguete lançado pelo consórcio europeu Arianespace há cinco anos, o H-II tem capacidade de carga útil semelhante, mas seu peso total é quase a metade. Cada foguete japonês, porém, custa 145 milhões de dólares, quase o dobro do Ariane 4. Isso significa que, embora seja um primor tecnológico, o H-II ainda não tem condições de disputar o mercado de lançamento de satélites, por causa do alto custo. Além disso, o Centro Espacial de Tanegashima só pode lançar foguetes em 90 dias por ano, segundo um acordo feito com os pescadores da ilha, que alegam que os veículos espaciais afugentam os peixes.

O desenvolvimento do H-II começou em 1986, com o propósito de torná-lo a mola propulsora do programa espacial japonês. Embora seu modelo básico seja preparado para lançar satélites, ele poderá ser adaptado para lançar um ônibus espacial ou sondas lunares e interplanetárias. As grandes estrelas do H-II são os motores, o LE-7, do primeiro estágio, e o LE-5A, do segundo estágio. Para alcançar a melhor proporção de peso/potência, os japoneses escolheram como combustível o oxigênio e o hidrogênio líquidos. Entre todos os combustíveis empregados em foguetes, o hidrogênio líquido é o que exibe melhor desempenho. O problema é que não é fácil usá-lo.

O hidrogênio líquido tem uma temperatura extremamente baixa, -253°C, enquanto o oxigênio tem -183°C. Se algum ar permanecer dentro das partes móveis do motor, o óleo lubrificante congela-se, e o motor falha. Dentro da câmara de combustão, porém, esses gases são consumidos a uma temperatura de 3 200° a 3 300°C, suficiente para derreter ou queimar metais comuns.

Além disso, o desempenho do motor melhora muito quando a pressão na câmara de combustão é maior. São portanto três fatores complicadores: temperatura do combustível extremamente baixa e, dentro da câmara de combustão, temperatura e pressão extremamente altas. Para injetar o hidrogênio líquido a alta pressão dentro da câmara de combustão, são necessárias válvulas turbocompressoras de alta potência. O funcionamento desse motor é parecido com o motor turbo de um automóvel, em que o gás quente resultante da combustão volta por uma válvula ao interior do cilindro para aumentar a pressão e, assim, proporcionar maior potência. No foguete é um pouco diferente: o combustível que aciona as válvulas de pressão vem diretamente do tanque, mas depois de passar pelas válvulas entra na câmara de combustão para que não haja desperdício. Deste modo, o combustível deve vir do tanque já em alta pressão antes mesmo de entrar na câmara de combustão, o que é um perigo.

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Esse foi o fator responsável por dois incêndios no LE-7 durante testes realizados em 1989. Dois anos depois, uma explosão matou um engenheiro. Em 1992, outro vazamento de combustível seguido de incêndio atrasou em um ano o lançamento do foguete. As dificuldades são tantas que, antes do Japão, apenas os Estados Unidos e a União Soviética utilizaram tal tecnologia. No próximo ano entrará em operação o europeu Ariane 5, impulsionado por hidrogênio líquido, mas com um mo-tor muito mais simples que o do H-II.

Após mais dois vôos de teste, o H-II fará seu primeiro lançamento de verdade entre janeiro e fevereiro de 1996, levando o satélite ADEOS (sigla de satélite de observação terrestre avançada). Até 1997, outros dois vôos levarão, além de dois satélites de testes, o TRMM (sigla de missão para medição de chuvas tropicais). Tanto o ADEOS quanto o TRMM são os mais novos produtos do grupo de satélites de observação terrestre construídos pelo Japão desde 1976. Entre eles está a família dos Himawari, ou GMS, satélites meteorológicos geoestacionários (ou seja, estão sempre sobre o mesmo ponto acima da Terra). Os quatro GMS em órbita transmitem imagens da distribuição das nuvens na atmosfera 28 vezes por dia, para uso em previsão do tempo e boletins marítimos. O GMS-5 será lançado pelo H-II no terceiro vôo de teste, previsto para janeiro ou fevereiro de 1995.

Em 1987 começaram a ser lançados os satélites de observação marítima, conhecidos por MOS ou Momo. Com dois desses satélites, os japoneses têm dados sempre atualizados sobre correntes, temperatura da água e conseguem até localizar os cardumes de peixes — informação vital num país onde a pesca tem fundamental importância. O mais recente da série de observação terrestre é o JERS-1, ou Fuyo-1, lançado em 1992, cujo principal objetivo é procurar recursos minerais por todos os continentes, incluindo a Antártida.

Daqui a dois anos subirá o ADEOS, com a missão de monitorar mudanças no meio ambiente, como as condições meteorológicas do mar, o ozônio e outros poluentes na atmosfera e gases responsáveis pelo aquecimento global. O próximo da fila é o TRMM, desenvolvido em conjunto com a NASA americana para monitorar as chuvas nas regiões tropicais e subtropicais. Embora mais de dois terços da água que se precipita sobre a Terra caia nessas regiões, esse é o parâmetro menos conhecido quando se estuda o clima. O TRMM vai observar as chuvas e a irradição de calor do solo, coletando dados sobre a circulação da água e do calor para que se pos-sa compreender fenômenos climáticos em escala global, como o El Niño ou a desertificação.

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Que um país tenha foguetes e satélites no seu programa espacial é fato bem comum. Mas o Japão quer ir mais longe. O primeiro passo para chegar lá é a construção do ônibus espacial não tripulado HOPE (sigla de avião orbital H-II). Esse veículo será lançado pelo foguete H-II, e terá como missão levar material de apoio a futuras plataformas de pesquisa no espaço, bem como trazer de volta à Terra os resultados das experiências lá conduzidas. Os primeiros testes com o HOPE deverão acontecer no final desta década. Quando estiver em operação, será lançado do centro espacial da Ilha de Tanegashima e, em dois dias, será acoplado a uma estação espacial que deverá estar a 400 quilômetros de altitude. Após a troca de cargas, deixa a estação e volta à Terra em um dia, descendo na pista de Tanegashima com um sistema de pouso por microondas.

No espaço, o Japão vê o caminho para novas conquistas em alguns campos da ciência, como biotecnologia e novos materiais, impossíveis de se conseguirem na gravidade da Terra. Na microgravidade do espaço pode-se fazer, por exemplo, um cristal semicondutor perfeito. Com semicondutores melhores, constroem-se chips de computador com qualidade superior. Essas pesquisas começaram na década de 80, a bordo de foguetes não tripulados. Em 1992, o primeiro astronauta japonês esteve a bordo do ônibus espacial americano Endeavour para conduzir 34 experimentos em processamento de material e biologia.

O Japão também participa do projeto IML (Laboratório Internacional de Microgravidade), um programa da NASA do qual participam mais de vinte cientistas de dezesseis países. A primeira parte do programa aconteceu há dois anos, quando astronautas operaram 42 experimentos em materiais e biotecnologia, como o crescimento de cristais e o cultivo de células. A segunda parte ocorre ainda este ano, a bordo de um ônibus espacial, no qual serão testados equipamentos japoneses para pesquisa em microgravidade. Depois disso, o Japão vai lançar uma estação espacial feita em casa: já está em construção o SFU, sigla de unidade espacial voadora, que deverá ser lançada pelo H-II e trazida de volta à Terra alguns meses depois pelo HOPE.

Além de realizar alguns experimentos, essa estação espacial reutilizável e não tripulada testará equipamentos para o Módulo Experimental Japonês (JEM), a parte japonesa da futura estação espacial Freedom, prevista para ser lançada no final da década e que ficará em órbita a 400 quilômetros de altitude. O JEM será dividido em três partes. O módulo pressurizado, que será mantido à mesma pressão da Terra (1 atmosfera), servirá como laboratório para o processamento de material de experimentos biológicos. No módulo exposto, que fica do lado de fora da nave e é acessado por um braço mecânico, os cientistas farão experiências com materiais, engenharia e comunicações, além de observação da Terra. O terceiro módulo, o logístico, será usado para transportar equipamentos científicos e suprimentos para as pessoas a bordo.

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O espaço em torno deste planeta ainda é pouco para a expansão oriental. Numa conferência proferida durante o Ano Internacional do Espaço (1992), o presidente da NASDA, Masato Yamano, analisou o problema da escassez de recursos da Terra, quando chegar o ano 2050 e houver 10 bilhões de seres humanos sobre ela: “Já que a Terra é finita, precisamos olhar além da Terra para a infinitude do espaço, ou a ‘Nova Fronteira’, com todos os meios efetivos para o desenvolvimento espacial a fim de superar tais obstáculos e atingir um desenvolvimento sustentável para a humanidade”. Em outras palavras, se a Terra já não nos basta, vamos para outros planetas. Assim como Colombo há 500 anos, os japoneses se preparam para uma nova era das grandes viagens.

Yamano define o ano de 2030 como o ponto de partida para a exploração extraterrestre. A primeira escala é naturalmente a Lua, onde serão construídos áreas habitacionais, aeroportos lunares, minas, fábricas e laboratórios. As indústrias, operadas por robôs, produzirão materiais básicos, como tijolo, vidro e aço, enquanto unidades orgânicas produzirão pão, vegetais e, talvez, criarão frangos e peixes. Como não há atmosfera na Lua, o local é excelente para a instalação de observatórios astronômicos. A Lua pode ser também uma ótima opção para as férias.

Depois da Lua, é natural ir para um planeta. Mercúrio e Vênus estão descartados, pois lá a temperatura excede os 400°C. Júpiter também não serve, pois se leva mais de 1 000 dias para chegar lá. Sobrou Marte. Parece muito bom: gravidade de 0,38 G (38% da terrestre), temperatura entre -140°C e 20°C, uma fina camada de atmosfera e a viagem leva apenas 240 dias.

Uma base avançada será estabelecida em Marte em meados do século XXI. Como a oportunidade de vôo a partir da Terra acontece a cada dois anos, uma pessoa levaria entre três e cinco anos na viagem completa. Assim, é preciso que no pessoal dessa base estejam incluídos, entre outros, médicos, engenheiros e especialistas em controle ambiental. Fábricas experimentais pesquisarão os recursos minerais marcianos, cultivarão plantas e criarão animais experimentalmente, e produzirão água e oxigênio.

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Para saber mais:

Turistas do espaço

(SUPER, número 5, ano 6)

Dinheiro pelo espaço

O custo de desenvolvimento do H-II, 2 bilhões de dólares, daria para comprar 261 437 carros populares. Cada foguete custa 145 milhões de dólares

Ponte aérea entre o céu e a ilha

HOPE, o futuro ônibus espacial não tripulado para transportar equipamentos às estações espaciais, será colocado em órbita pelo H-II e pousará como um avião

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