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Os tijolos do futuro

Vidro flexível, concreto que conserta rachaduras por conta própria, sólidos quase tão leves quanto o ar, adesivo que imita a pata de lagartixas para colar sem cola. Esses materiais já existem. E em breve você vai usá-los

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h33 - Publicado em 1 out 2012, 22h00

Iago Bolívar

Um artesão romano levou até o imperador Tibério uma taça de vidro, que dizia ser especial. Irritado, o César jogou-a no chão, mas ela, em vez de quebrar-se, apenas ficou amassada. O artesão então pegou um pequeno martelo e remodelou a taça, mostrando a maravilha de sua invenção: um vidro flexível.

“Alguém mais conhece esse método de fazer vidro?”, perguntou Tibério. Com a resposta negativa, o imperador mandou decapitar o artesão. Ele temia que todo o ouro e prata de Roma passasse a ter menos valor diante de um elemento tão especial.

A história, contada por Isidoro de Sevilha, é só uma lenda. Mas ilustra o potencial de materiais que acabam de vir para o lado de cá da imaginação: o gel à base de ar, que é o melhor isolante térmico já criado, o adesivo que imita as patas da lagartixa, o concreto que se regenera sozinho quando racha e, claro, o vidro flexível. Eles não estão mais limitados ao laboratório. Estão prontos para entrar para mudar o dia a dia da mesma forma como o teflon, o velcro e o nylon fizeram há poucas décadas.

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Aerogel – Isola até maçarico
Quando você desidrata um gel, a estrutura dele vai para o espaço e vira pó. Mas o que aconteceria se a parte líquida fosse retirada logo antes de evaporar? A estrutura continuaria lá, e o resultado seria semelhante a uma fumaça sólida. Assim o engenheiro químico Steven Kistler conseguiu produzir em 1931 o “aerogel”, um dos sólidos mais leves do planeta. Mas só agora começa a se tornar industrialmente viável. Para ter ideia da sua leveza, um tijolo maciço pesa 2,5 quilos. Um bloco de isopor com as mesmas dimensões tem 215 gramas. Já um de aerogel de sílica pode ter 16 gramas. O problema é que custaria a partir de R$ 2 mil. Mas esse preço está baixando, o que viabilizará o melhor isolante térmico já conhecido pela indústria. Por ser tão caro, o aerogel é usado hoje apenas onde muita grana estiver em jogo – como isolamento de naves espaciais e aviões, refinarias de petróleo e dutos de exploração em águas profundas. Agora, o próximo passo para start-ups como a americana Aspen Aerogels é aumentar a escala de produção, a começar por clientes industriais. Isso vai diminuir o custo. Assim, edifícios em regiões muito quentes ou frias derrubarão os gastos com climatização. E, num futuro não muito longe, roupas de alpinismo, sacos de dormir e barracas poderão deixar de pesar tanto na mochila.

Materiais biomiméticos – Igual à natureza, em nanos
A evolução precisou de milhões de anos para fazer a lagartixa andar sobre superfícies verticais. Em 2000, cientistas de Stanford descobriram como: seus dedos possuem milhões de pelos, por sua vez divididos em centenas de espátulas nanométricas. No contato entre essas nanoespátulas e a superfície há um deslocamento de elétrons – o que leva à atração mútua entre as moléculas das patas e as da parede. Essencialmente, o que prende a lagartixa à parede é o mesmo tipo de força dos ímãs: o eletromagnetismo. Desde então, diversos laboratórios desenvolveram fitas adesivas com o princípio da lagartixa. Elas grudam por tempo indeterminado, e quando você as solta, não deixam nenhum resíduo. Um pesquisador de Berkeley já pendurou sua filha de 8 anos com a gecko tape (fita-lagartixa). Outro, alemão, pendurou a si mesmo. Como o homem-aranha. Esse é só um exemplo do salto que a nanotecnologia trouxe a uma velha prática: imitar a natureza. A estrutura da superfície da flor-de-lótus – cuja matriz de nanocristais deixa a água barrenta rolar levando consigo qualquer sujeira – foi a referência para fazer revestimentos autolimpantes. E as escamas da asa de borboleta – que funcionam como prismas, dividindo a luz nas cores que vemos – são a base de novos displays reflexivos como o Mirasol. Tal como o papel eletrônico usado no Kindle, eles não exigem luz de fundo. Mas são coloridos e conseguem reproduzir vídeos – um passo para smartphones e tablets, que não devorarão bateria como hoje.

Vidro Flexível – O fim do crash
Por décadas, centros de pesquisa e empresas competiram para atingir a façanha do artesão romano decaptado por Tibério: desenvolver o primeiro vidro flexível, que se dobraria em vez de quebrar. Neste ano, a Corning – a fabricante do Gorilla Glass, usado no iPhone 4 e no Galaxy S3 – anunciou ter vencido a corrida. E começou a produzir o Willow Glass – um vidro de 0,1 milímetro de espessura, o equivalente a uma folha de papel sulfite, e que pode ser enrolado numa bobina. Sua aplicação passará longe de taças, garrafas e janelas. De início, será usado em telas de smartphones, tablets e notebooks – segundo a empresa, já a partir de 2013. O vidro flexível não apenas deixará esses dispositivos mais leves e finos, como também absorverá o impacto de uma queda no chão. É o fim do display quebrado. Já num prazo mais distante podemos imaginá-lo aplicado em painéis solares moldáveis, imensas telas imersivas. E no seu tablet, agora enrolado como um jornal.

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Concreto autorregenerante – Choveu, tá novo
Misture cimento, areia, ureia, levedura, minerais e uma pitada de bactérias para criar um concreto que vai se recuperar sozinho à primeira rachadura. A ideia de pesquisadores da Universidade de Northumbria, Reino Unido, é de uma simplicidade genial: eles adicionam à mistura de construções esporos da bactéria Bacilli megaterium, encontrada em solos extremamente alcalinos – como o cimento. Tais esporos são formas inativas que a bactéria usa para sobreviver na ausência de água. Mas basta mantê-los num meio úmido para voltarem à ativa. E é exatamente o que vai acontecer se houver rachaduras. Fatalmente, a água vai entrar pelo concreto, ressuscitando os bacilos. É aí que uma característica muito especial da megaterium entra em ação: ela se alimenta da levedura, da ureia e do cálcio presentes na mistura de concreto. Depois, excreta a calcita – o tipo de cristal de carbonato de cálcio de que são feitas as estalactites. Assim, são preenchidas não apenas rachaduras, como também toda a superfície do prédio, que se torna mais impermeável.

Grafeno – À prova de quase tudo
Em 2004, os físicos Andre Geim e Kostya Novoselov, da Universidade de Manchester, conseguiram isolar um material notável: uma rede de átomos de carbono organizados como numa tela de arame hexagonal. Só que plana. Sim, com um único átomo de espessura, o recém-descoberto grafeno é um material “2D”. E suas características são tão incríveis que, se houvesse uma casa de apostas sobre o material mais importante do nosso futuro, na liderança estaria ele. Por isso mesmo a dupla recebeu o Nobel de Física em 2010. O grafeno é o material mais resistente já testado pela ciência. “Seria necessário que um elefante se equilibrasse sobre um lápis para rasgar uma folha com a espessura de um filme de PVC”, afirma James Hone, da Universidade Columbia. Ele é também o melhor condutor elétrico em temperatura ambiente já visto. Só perde para os supercondutores cerâmicos, que precisam de temperaturas extremamente baixas. Juntando sua condutibilidade à finura extrema, virou a promessa de sucessor do silício nos microchips, que estão perto de seu limite de miniaturização. Para que eles continuem a ficar cada vez mais possantes, será necessário em breve entrar na escala molecular. Só que isso é impossível com o silício: os elétrons simplesmente vazariam, e o chip derreteria. Não é o que aconteceria com o grafeno. Com ele, chegaríamos ao menor chip possível. Mas esse material também tem suas limitações. E o problema não é apenas como produzi-lo em grande escala. Ele simplesmente é um condutor bom demais. Não se sabe como interromper seu fluxo de elétrons. E sem essa interrupção não existe o “0” do sistema binário, baseado em sinais “1” (sim) e “0” (não). É por isso que, diante de tantas possibilidades, paira um temor: que seja o eterno material do futuro. “Lembro da primeira SUPER. Eu trabalhava com supercondutores e ficamos entusiasmados com a matéria de capa. De lá pra cá, eles permitiram vários avanços, mas não mudaram a nossa vida”, diz Edgar Dutra Zanotto, do Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar. “E é assim mesmo. Só o tempo e a criatividade vão dar a resposta. Temos de buscar sempre os limites. É isso que vai mudar o mundo.”

Para saber mais
Material Matters: New Materials in Design
Phil Howes e Zoe Laughlin, Black Dog Publishing, 2012.

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