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Termo: batemos um papo com o criador da versão em português do jogo Wordle

O engenheiro Fernando Serboncini desenvolveu o game de adivinhação de palavras no final de 2021, durante as folgas do trabalho. Hoje, o site já recebe mais de 400 mil visitas diárias.

Por Rafael Battaglia
Atualizado em 15 fev 2022, 18h56 - Publicado em 15 fev 2022, 15h58

É um dia como outro qualquer na casa do brasileiro Fernando Serboncini em Montreal, no Canadá. Ele cumprimenta a esposa, faz carinho em Huni, seu cachorro, e se senta para trabalhar. O computador fica em frente a uma rede de descanso com listras vermelhas e uma guitarra preta, apoiada na parede.

Só a rotina de trabalho seria suficiente para tomar o dia de Fernando (há 15 anos no Google, ele é hoje gerente de engenharia do navegador Chrome). Mas, desde o final de 2021, outra tarefa vem ocupando boa parte do seu tempo: o jogo Termo, que ele mesmo criou.

Uma rápida explicação: Termo é um jogo online de adivinhação de palavras. O objetivo é descobrir qual é a palavra do dia, que tem sempre cinco letras, em até seis tentativas. O jogador não fica totalmente no escuro: as letras inseridas podem ficar verdes ou amarelas, dependendo da posição delas, o que ajuda a solucionar o enigma.

Suponhamos que a palavra do dia seja “termo” (rs) e você, em uma das tentativas, escreva “trenó”. As letras “t” e “o” ficarão verdes, pois estão nas respectivas posições da palavra correta. Já “r” e “e” mudarão de cor para amarelo – elas pertencem à palavra, mas estão na posição errada. E dá-lhe estratégia para escolher os melhores palpites.

Exemplo de tela do Termo
(Termo/Reprodução)

Termo é baseado no Wordle, jogo criado em 2021 pelo engenheiro de software Josh Wardle (daí o nome, um trocadilho com “word” – “palavra”). É a mesma dinâmica, só que na língua inglesa: a pessoa entra em um site (não existe aplicativo) e têm seis tentativas para acertar. O game é um fenômeno e, com mais de dois milhões de jogadores, foi comprado pelo jornal The New York Times.

A versão em português não fica muito atrás. Lançado há pouco mais de um mês, o Termo já acumula 400 mil jogadores diários – e contando. “Desde o lançamento do jogo, eu precisei trocar três vezes de servidor para dar conta do volume de acessos”, conta Fernando. 

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A repercussão nas redes sociais também cresce. É bem provável que você tenha se deparado com algum tuíte mostrando o desempenho das pessoas no jogo. Tipo esses:

 

Só um passatempo

Criar jogos é um hobby para Fernando. “Nas horas vagas, eu participo, inclusive, de eventos e competições do que se costuma chamar de indie game – jogos feitos por programadores ou estúdios independentes.” O engenheiro conta que Montreal é lar de grandes empresas do setor, como Ubisoft, Sony e Warner, o que acaba construindo uma sólida comunidade de desenvolvedores.

“Perto do Natal, eu percebi uma galera comentando sobre o Wordle, então fui tentar entender por que o jogo estava fazendo tanto sucesso.” Fernando sacou logo de cara. “Nessa pequena dose diária de uma palavra, ele faz você pensar o suficiente para ser um bom desafio. Chutar não vai adiantar: é preciso bolar uma estratégia. E quando você erra, é frustrante, porém justo. Para completar, é visualmente atrativo.”

Só tinha um problema: a barreira do idioma. Foi quando ele resolveu adaptar o Wordle para o português. E aí, outro problema: a falta de uma boa base de dados de palavras lusófonas disponível na internet. 

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“Na língua inglesa, isso é bem fácil de arranjar. O Scrabble [jogo de palavras cruzadas], por exemplo, divulga a lista oficial deles. Por aqui, dicionários como o Houaiss e o Priberam vendem as suas bases por alguns milhares de reais – mas eu não estava afim de desembolsar essa grana.”

A lista de palavras, então, precisou ser feita do zero. Fernando elaborou um algoritmo para analisar bases de dados disponíveis gratuitamente na internet com grandes quantidades de textos em português. O programa vasculhou dicionários de sistemas operacionais, posts do Facebook e até súmulas do Supremo Tribunal Federal. 

O objetivo era extrair informação de qualidade dali. Ou seja: consolidar palavras frequentemente usadas na nossa língua e que pudessem entrar para a lista do Termo. Segundo Fernando, essa foi a parte mais longa do desenvolvimento, e levou uma semana. “Depois, só foi preciso construir, de fato, o jogo”, disse. “Gastei os meus últimos dois dias de férias fazendo isso.” 

 

Repercussão

Quando o Termo foi ao ar, Fernando não iniciou uma campanha de divulgação – sequer compartilhou nas suas redes sociais. “Eu mandei apenas para dois ou três amigos, como eu sempre faço com os jogos que crio, e fui jantar. Quando eu voltei, tinham mais de 10 mil pessoas jogando.”

Poucos dias depois, no dia 5 de janeiro, Fernando anunciou a criação do Termo no Twitter. A essa altura, o jogo já contava com 50 mil acessos diários. “Teve gente da minha família que só descobriu que eu estava por trás do site depois de uma semana jogando.”

Não é a primeira vez que uma criação de Fernando faz sucesso. Nascido em São Paulo, ele cursou engenharia na Escola Politécnica, da USP, e emendou a pós-graduação. Em 2006, durante o mestrado em Engenharia de Sistemas, lançou a ferramenta Newscloud, uma mistura de nuvem de palavras com agregador de notícias: as palavras mudavam de tamanho à medida que as discussões sobre ela cresciam na internet; ao clicar nelas, uma lista com reportagens relacionadas aparecia.

Simples, porém criativo. O Newscloud chamou a atenção de jornalistas especializados em tecnologia – e do Google. “A equipe do Google Notícias viu a ferramenta e me chamou para trabalhar com eles. Eu relutei inicialmente, pois estava na metade do mestrado. Mas acabei aceitando.” O trabalho na gigante de tecnologia o levou a cidades como Belo Horizonte, Zurique (Suíça) e Montreal, onde mora há cinco anos.

80% do tráfego do Termo vem do Brasil. Os picos de acesso são à meia-noite (quando a palavra do dia é liberada) e às nove da manhã. Fernando recebe até 50 e-mails por dia, entre elogios, sugestões – e xingamentos. “É engraçado perceber como uma mesma palavra pode gerar reações extremamente opostas.”

Na seção Termostato, o Termo exibe as principais estatísticas referentes à palavra do dia anterior. A imagem mostra as estatísticas da palavra "temor" - foram 96% de vitórias, a maioria delas na quarta tentativa.
Na seção Termostato, o Termo exibe as principais estatísticas referentes à palavra do dia anterior (Termo/Reprodução)

Apesar disso, Fernando diz que a recepção do jogo tem sido majoritariamente positiva. “Recebo mensagens de pessoas que dizem compartilhar o resultado do Termo com a família, os amigos. Até um grupo de cientistas brasileiros do CERN [Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, o maior laboratório de física de partículas do mundo] já me escreveram para dizer que adoram o jogo.”

Fernando só não conversou ainda com Josh Wardle, criador do Wordle. “Eu mandei uma mensagem, mas acho que ele não teve tempo de responder.” Quando perguntei a ele sobre haver algum receio de que Wardle não fosse gostar da adaptação, Fernando disse que não. “O Termo não é uma cópia do Wordle, tampouco um site criado para competir com ele. O Josh, inclusive, ajudou outros desenvolvedores a criarem versões do jogo em outras línguas.”

Tela inicial do Wordle, que recentemente foi comprado pelo jornal The New York Times
Tela inicial do Wordle, que recentemente foi comprado pelo jornal The New York Times (Brandon Bell/Getty Images)

Próximos passos

Hoje, o Termo aceita 19 mil palavras – o que garantiria 52 anos de jogatina sem nunca repetir a resposta. Mas calma: o número de soluções possíveis é bem menor. “O sistema aceita que você escreva, por exemplo, ‘abacu’. Mas você sabe o que é um ‘abacu’? Eu também não”, diz Fernando. “Por isso, essa palavra nunca vai ser a palavra do dia.”

Isso acontece porque o banco de palavras do Termo precisa ser refinado constantemente. Expressões como “miojo” e “mamãe”, por exemplo, já foram palavras do dia, mas não existem em Portugal o que gerou uma onda de reclamações dos colegas lusitanos. “Eu limpo a lista de palavras de vez em quando para diminuir o conjunto de respostas, deixá-lo apenas com as expressões mais comuns. Mas é uma tarefa complicada, que exigiria alguém trabalhando em tempo integral.”

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Uma saída seria criar uma equipe responsável pelo jogo, o que demandaria tempo e dinheiro. “Recebo propostas diariamente de pessoas querendo anunciar no site, mas não aceitei nada até agora. Não é o meu objetivo”, conta Fernando, que disponibiliza o banco de palavras do Termo para que outras pessoas possam aprender, aperfeiçoar e até desenvolver outros jogos a partir dele.

O Wordle deu origem a diversos jogos de adivinhação. O Letreco, assim como o Termo, é um game de palavras em português. Já o Worldle é sobre países. E no Mathler, o objetivo é acertar a equação que corresponda ao resultado do dia. Mas e aí: fenômeno duradouro ou febre passageira?

Fernando diz que ainda é cedo para prever o futuro do Termo e de outros jogos similares, mas não está preocupado com isso. “As coisas passam, mudam especialmente na internet. E tudo bem.”

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