Test-drive do futuro

Cíntia Cristina

Nos próximos anos, o lar doce lar promete tornar-se ainda mais doce, exigindo quase nada da gente nas tarefas domésticas. A casa do futuro terá geladeira online, sistema de comunicação integrado (telefone, TV, fogão, banheira, tudo em rede), aparelhos que respondem ao comando de voz e até janelas e piscinas autolimpantes, entre centenas de outras maravilhas chipadas, capazes de se comunicar entre si e de obedecer às nossas preferências. Se essas novas tecnologias não derem pau a toda hora, nem exigirem a leitura de manuais de instruções grossos como catálogos telefônicos, teremos muito mais tempo para nós mesmos.

Não sabemos se a máquina do tempo imaginada pelo escritor H.G. Wells (1866–1905) será, finalmente, construída (parece que não, parece que sim… não há acordo entre os cientistas). Mas já é possível brincar de futuro passeando nas casas-conceito, verdadeiros laboratórios que servem para testes e aprimoramento de novos recursos e tecnologias. Há várias delas pelo mundo, inclusive no Brasil. Essas moradias – um exagero chamá-las assim, já que nem todas são habitadas – estão cheias de boas idéias para tornar a nossa vida mais simples, prática e agradável.

Claro, elas também têm idéias ruins, mas é para isso mesmo que servem: investindo nas casas-conceito, pesquisadores, engenheiros e arquitetos, entre outros especialistas, podem descobrir o que vai servir e o que não vai, o que todo mundo um dia vai ter e o que só uns poucos, com muito dinheiro na carteira, poderão pagar. Atrás desses projetos estão universidades respeitadas, grandes empresas da área eletrônica e de construção, organizações ambientais e até mesmo pessoas comuns, que funcionam como cobaias (Bill Gates, por exemplo, que mora na casa mais inteligente do mundo, embora não se possa dizer que alguém com 50 bilhões de dólares seja muito comum – você vai conhecer a casa dele daqui a pouco, por dentro e por fora).

Assim, pouco a pouco, delírios ge-niais da ficção científica estão virando realidade. Conhecer alguns desses projetos incríveis é passear pela “estrada de tijolos amarelos”, como no mundo de sonhos e fantasias de O Mágico de Oz. Engraçado mesmo é que, se tudo der certo, a casa do futuro trará dias de glória para uma frase que vem do passado “There’s no place like home” (um clássico também em português: “Nada como a casa da gente”). Então, é só entrar e ficar à vontade.

ONSTAR AT HOME

A palavra de ordem desse projeto é inte-ração. Desde fevereiro, 100 casas comuns da região de Detroit, Michigan, Estados Unidos, foram automatizadas para participar dos testes, que devem durar até o final do ano. Cada uma dessas residências agora tem um sistema de automação de equipamentos eletrônicos e eletrodomésticos – a tal da comodidade de operar toda a casa via telefone, internet ou controle remoto. Um dos principais objetivos do projeto é consolidar um “Internet way of life”: cada morador terá um website, de onde poderá acessar as dependências da casa, monitorar a segurança, ajustar a iluminação, aumentar ou diminuir a tempe-ratura e até destravar a porta – a partir do trabalho ou de qualquer outro lugar – se, por exemplo, um velho amigo aparece para devolver aqueles discos ou pagar uma dívida. As famílias “premiadas” com esse projeto também desfrutarão dos recursos de um carro especial, equipado para reconhecer comandos de voz e manter-se conectado à casa 24 horas.

Por trás de tudo isso estão grandes empresas, como General Motors, Panasonic, ADT Security Services, Hewlett-Packard, Invensys, que querem saber quais equipamentos serão viáveis para o mercado de consumo no futuro.

SMART HOUSE

As tecnologias dessa casa, construída em Gloucester, Inglaterra, foram desenvolvidas para ajudar pessoas de idade nas tarefas simples do dia-a-dia (no Brasil, segundo pesquisa recente, 62,4% dos idosos são responsáveis pelos lares em que moram, o que certamente lhes dá força no mercado). A meta principal dessa “Casa Esperta” é evitar acidentes, considerando que muitos velhinhos têm problemas de memória. Assim, o fogão desliga sozinho quando a água evapora e a panela começa a queimar. A torneira da banheira se fecha ao menor sinal de esquecimento e a temperatura da água é controlada. Os interruptores de luz têm grandes faixas coloridas, bem visíveis no escuro. As camas são equipadas com um sensor que aciona as luzes quando o morador se levanta no meio da noite. Curiosamente, essa casa do futuro conta com alguns eletrodomésticos datados, já que muitos idosos podem se esquecer como as supercafeteiras e outras bugigangas eletrônicas funcionam.

Uma das novidades é uma pequena tela na parede, com ícones representando a chave da casa, a bolsa e os remédios, entre outras coisas “perdíveis”: pressiona-se este ou aquele e, então, soa um bip, ajudando na localização de, do… o que era mesmo? “Nós queremos que a casa permita aos idosos ter segurança em seus lares o maior tempo possível”, afirma Jane Gilliard, do Dementia Voice, uma das instituições que toca o projeto. Para equipar uma casa nesses moldes, você vai precisar de uns 50 000 reais.

PHILIPS HOME-LAB

Esta casa dos sonhos fica no Philips High Tech Campus, em Eindhoven, Holanda. Tem dois andares, dois quartos, design ultramoderno e quase nenhum equipamento eletrônico à vista, já que vários deles foram fisicamente integrados à construção. O monitor da TV foi substituído por um sistema que projeta a imagem na parede. Não tem aparelho de som na estante, nem torre de computador sobre a mesa: a tendência é embutir tudo. A empresa desenvolveu e aplicou ao projeto um sistema que não depende de fios e conexões elétricas. Sejam bem-vindos ao reino do sem fio! Os interruptores, as tomadas nas paredes, as extensões, tudo isso que hoje nos parece tão familiar e necessário poderá ser banido no futuro. E aí ninguém mais vai correr o risco de tropeçar ou se enroscar naquelas gambiarras perto do computador ou da TV.

No Philips Home Lab há sensores de voz em todos os cômodos. E se você qui-ser apagar a luz e ouvir música, por exemplo, basta pedir e a casa, servilmente, obedece. Mas todos os confortos do morar – como iluminação certa, temperatura agradável e quetais – também poderão ser gerenciados a partir de um pequeno monitor de tela plana instalado na parede, um para cada cômodo (no futuro, com certeza continuará havendo dias em que a gente não quer falar com ninguém, nem com os eletrodomésticos). No espelho do banheiro, uma tela exibe vídeos educativos para as crianças – sobre escovação de dentes, por exemplo. Ou qualquer outro filme que você programar. “A tecnologia vai evoluir muito. E não teremos o menor trabalho para experimentá-la”, diz o engenheiro Emile Aarts, um dos criadores do projeto.

O próximo passo do Philips Home Lab é colocar voluntários morando e se relacionando com seus equipamentos. A casa-laboratório será, então, monitorada 24 horas, com os pesquisadores assistindo a tudo o que se passa lá dentro por meio de espelhos de observação e câmeras escondidas. Quer dizer, pesquisador nem sempre ganha bem, mas se diverte bastante.

MICROFT FUTURE HOME

A casa do futuro idealizada pela Microsoft (não confundir com a residência de Bill Gates, que apareceu nas duas últimas páginas) fica no centro de conferências da empresa, em Seattle. Do lado de fora, é possível ouvir passarinhos cantando – mas isso graças a um programinha de efeitos sonoros. Para acionar a campainha, em vez de apertar um botãozinho você digita direto em uma tela. E, a partir daí, os moradores podem vê-lo, “bonito na foto”, em qualquer um dos muitos monitores de TV ou telas de computador espalhados pela casa. Para entrar nessa surpreendente e seguríssima mansão, falta ainda passar pelo crivo de um leitor óptico, que realiza um scan da sua íris. Se você for você mesmo, a máquina autoriza a entrada e abre a porta, como nos velhos tempos.

E como você é você, depois de reconhecê-lo, o equipamento providencia uma pulseira chipada, para que tudo na casa comece a funcionar do seu jeito, no capricho: a iluminação, a temperatura, o som ambiente, o nível de água na banheira e, quem sabe, o cafezinho quente e aromático, acabadinho de fazer. Tudo será disparado assim, literalmente num piscar de olhos. E, no caso de você ir e não encontrar ninguém, como naquele “Samba do Arnesto”, do Adoniram Barbosa, a câmera então grava uma videomensagem sua, dizendo que esteve lá. Mas, por favor, sem palavrões, ok?

O computador central, conectado a praticamente tudo na casa, também responde aos seus comandos. Enquanto você se entrega a alguma atividade – supondo, claro, que lhe sobre alguma coisa para fazer –, o “cérebro” da casa lê seus e-mails, lembra os compromissos na sua agenda, o aniversário de seus parentes e outras trivialidades.

Esqueça o livro da Dona Benta: aqui, uma voz feminina e impessoal pode ser programada para ler receitas culinárias na cozinha (tudo bem, uma voz masculina e pessoal – você pode escolher). Se prefere algo rápido é só partir para uma refeiçãozinha semipronta: o microondas checa o código de barras do alimento e seleciona o tempo e as condições de preparo sem erro. E não é necessário ficar zanzando por perto, esperando aquele sinal sonoro politicamente incorreto: quando sua comida estiver pronta, todas as telas da casa exibirão um aviso (espera-se que não haja nada do tipo: “Você cometeu uma operação ilegal e perderá todas as pipocas não salvas”).

Cansado de ouvir sempre a mesma trilha sonora? Tudo bem, isso acontece até nas melhores casas. Mas, nesta, o piano digital, turbinado com um modem de alta velocidade, está ali, online e bem disposto para baixar novas canções e renovar o repertório conforme suas recomendações. E se uma das músicas é muito especial na sua vida, basta programar o repeteco e cair em lágrimas.

Bem, nada é perfeito. Apesar de tanta tecnologia, tanta inovação, a Microsoft Future Home não tem sequer um banheiro. A razão é que essa casa-conceito fica na sede da empresa e daí está sujeita às normas de construção e engenharia da cidade. Parece até piada: o banheiro, da forma como foi idealizado no projeto, avançado “no úrtimo”, não passou!

ORANGE HOUSE

Construída em Hertfordshire, há cerca de 40 quilômetros de Londres, Inglaterra, a casa-conceito da Orange (operadora de telecomunicações da France Telecom) tem geladeira e microondas com tela de acesso à internet e também uma lixeira online, que lê o código de barras dos produtos descartados e automaticamente os encomenda no supermercado, para serem devidamente repostos. Uma moleza. A exemplo de dez entre dez casas do futuro, esta tem um sistema central computadorizado que controla as funções de todos os equipamentos e pode ser acionado pelo telefone celular. Se, um dia, você morar numa dessas, poderá regular a temperatura dos ambientes, trancar e destrancar as portas, acender e acertar a iluminação a seu gosto antes mesmo de guardar o carro (ou nave?) na garagem. No quarto das crianças há uma lousa conectada ao ilustre computador central: tudo o que seu futuro artista desenhar nela, será gravado automaticamente.

Por enquanto, a Orange House ainda não demonstrou seus erros e acertos na prática, já que seus primeiros moradores-de-teste devem se mudar para lá daqui a alguns meses.

CASA INTELIGENTE

Construída em São Paulo no final de julho de 2002 – em apenas 124 horas! –, a Casa Inteligente tem 45 ambientes totalmente informatizados, distribuídos em 1 450 metros quadrados. Grande e eficiente. Praticamente tudo pode ser operado por controle remoto, internet ou linha telefônica. Problemas mundanos, como aquele do “esqueci as chaves”, foram sepultados: a porta de entrada funciona com o auxílio da biometria, bastando que você ou suas visitas submetam a impressão digital ou a íris à apreciação do sistema de reconhecimento. Música, telefones e outros equipamentos eletrônicos funcionam por comando de voz. As camas são articuladas e podem ser ajustadas para se adaptarem às preferências do dorminhoco. Usando um controle remoto, é possível acertar, por exemplo, a inclinação ideal para uma boa noite de sono. A banheira tem hidromassagem com água ozonizada. Na cozinha, o purificador de ar começa a funcionar sozinho quando detecta impurezas.

A piscina também é cheia de iniciativa e aciona a autolimpeza sempre que necessário. No lugar dos muros ou da velha cerca elétrica, emissores de infra-vermelho denunciam a presença de visitas indesejadas e puladores de muro em geral. E o kit de segurança permite ainda que você observe os cômodos pela internet, como num reality show só pra você. “Usar ou não essas câmeras é uma questão pessoal”, diz Lemos Britto, responsável pelo projeto no Brasil. Hoje, para ter uma casa como essa, é preciso torrar cerca de 4 milhões de reais. Claro, essa também é uma questão muito pessoal.

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