Vênus: Imagens de um planeta gêmeo
Nave espacial Magalhães descobre em Vênus estranhas formas geológicas. Paradoxalmente, teriam sido criadas pelas mesmas forças que estão em ação na Terra.
A nave Magalhães mostra que o vizinho da Terra é muito mais parecido com ela do que supunha Construída aos pedaços, com peças de outros veículos espaciais, para reduzir custos, a nave americana Magalhães começou a ter problemas antes mesmo de levantar vôo, em maio de 1989. Mais tarde, um defeito, ainda não identificado, deixou-a muda e perdida em pleno vôo, por mais de dezessete horas. Mas, passado o temor de perda definitiva, redimiu-se inteiramente. Equipada com um acurado radar, capaz de distinguir pormenores de apenas 120 metros – contra os 1 200 metros atuais –, ela descobriu, em Vênus, estranhas formas geológicas.
Paradoxalmente, teriam sido criadas pelas mesmas forças que estão em ação na Terra.
Um exemplo são as imensas rochas fraturadas da região venusiana de Ishtar. Embora tenham mais de 100 quilômetros de extensão, sob um formidável empuxo subterrâneo, porem ter rachado, como um pára-brisa de automóvel ao ser atingido por uma pedra. “Trata-se de um fenômeno fundamentalmente similar aos que se vêem na Terra”, avalia Stephen Saunders, especialista da agência espacial americana, a NASA. Ele se refere aos turbilhões de rocha derretida que vazam continuamente das profundezas, especialmente sobre o leito dos oceanos. Assim, reconstroem a crosta do planeta e movem as gigantescas placas que alicerçam os continentes e oceanos – chamadas placas tectônicas.
Havia dúvida de que essa mecânica evolutiva funcionaria em Vênus, já que não existem na Lua, Mercúrio e Marte. Mas as fraturas em Ishtar forçam uma revisão nesse conceito, mesmo que o resultado final tenha sido algo único no sistema solar. É possível que, em Vênus, as placas tectônicas não sejam tão bem separadas quanto as terrestres. Desse modo, as rochas derretidas não poderiam vazar nos intervalos entre elas e tenderiam a erguer grandes frações da crosta, fraturando-as. Outro fenômeno pitoresco são largas redomas – pontos em que a crosta, de alguma forma, tornou-se mais maleável e inflou, tomando a aparência de uma bacia de boca para baixo.
Essa imagem traz à lembrança que a temperatura no solo de Vênus alcança 500 graus Celsius – o bastante para criar rios de chumbo, se esse metal existisse em grandes quantidades à superfície. Em tal forno, a crosta pode perder a rigidez, especialmente se for menor espessa do que a terrestre, como se supõe. Novamente, então, forças parecidas geram um cenário geológico peculiar, que se completa com os vulcões. Desde 1978, já se desconfiava que Vênus podia abrigar crateras explosivas, mas ninguém as imaginava tão numerosas como sugerem os sensores da Magalhães. Sua importância parece ser até maior que a Terra, onde a atividade vulcânica concentra-se em pontos e faixas associados com os vazamentos rochosos.
Em Vênus, a atividade vulcânica estende-se, de forma indiscriminada, por regiões inteiras – áreas cobertas por correntes de lava endurecida, com centenas de quilômetros de comprimento. Em vista de tudo isso, já se pensa, agora, que as lições aprendidas em Vênus podem ter utilidade prática na Terra. “Elas talvez nos ensinem como prever terremotos e erupções vulcânicas”, diz o geólogo Rymond Arvidson, um dos muitos cientistas que participam do projeto da Magalhães. Pode ser apenas entusiasmo, mas a torrente de novas informações parece justificar eventuais exageros.
As imagens já obtidas cobrem apenas 1,5% da superfície venusiana, mas, nos próximos cinco anos, ela será mapeada por completo, e mapeado oito vezes. Isso permitirá aprimorar os seus contornos. Nesse longo período, com alguma sorte, poderão surgir pequenas mudanças no perfil do planeta. Ficará provado, então, que o mundo gêmeo da Terra, além de ter tido uma adolescência semelhante, continua tão vivo quanto ela.