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Viagem insólita

Conheça a nanotecnologia, que promete produzir máquinas do tamanho de um átomo, e tudo o que ela pode fazer por você.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h32 - Publicado em 1 dez 2002, 00h00

Yuri Vasconcelos

São Paulo, ano de 2050. Num hospital qualquer da cidade, um paciente chega com sintomas de infarto. Depois que o diagnóstico é confirmado, os médicos injetam em sua veia uma solução líquida contendo milhares de minúsculos robôs, menores que um glóbulo vermelho. Viajando pela corrente sangüínea a uma velocidade espantosa, os robozinhos, alguns dotados de microcâmeras que filmam a investida, rapidamente encontram a barreira de lipídios que interrompe o fluxo de sangue, perfuram-na e removem seus restos. A ação, coordenada por sofisticados programas de computador, acontece em menos de uma fração de segundo. As funções vitais do paciente se normalizam e ele é salvo.

Essa cena parece coisa de ficção científica – lembra filmes como Viagem Insólita, de 1987, em que pessoas miniaturizadas viajam, em submarinos, pelo organismo de outro sujeito. Com o aprimoramento da nanotecnologia, o braço da ciência empenhado em construir aparatos em escala atômica ou molecular, ela será quase tão corriqueira quanto extrair um dente ou fazer uma operação de apêndice. Para que isso aconteça, no entanto, os cientistas terão que desenvolver a habilidade de manipular com eficiência estruturas microscópicas. Não se trata apenas de uma corrida pela miniaturização. A nanotecnologia diz respeito ao entendimento e ao controle de materiais cujas estruturas exibem propriedades e fenômenos físico-químicos e biológicos significativamente novos em função da sua escala nanométrica. A meta dos cientistas é explorar essas propriedades para alcançar o controle sobre as estruturas em nível atômico e aprender a fabricar e a usar de forma eficiente esses dispositivos.

Em outras palavras, construir novos objetos manipulando átomo por átomo.

É um desafio e tanto. O mundo nanométrico é infinitamente pequeno. O prefixo grego nano, que significa anão (daí a palavra nanico), refere-se à bilionésima parte do metro (10-9 m). Difícil de imaginar, não? Então, vamos tentar de outra forma. Se você colocar uma nanocoisinha qualquer ao lado de uma régua de 1 m e ampliar os dois sucessivamente, de forma que a régua atinja 3 mil km de comprimento – a distância entre São Paulo e Fortaleza –, a nanocoisinha será um pouco maior que uma formiga.

“A nanotecnologia é a última fronteira da engenharia de materiais”, afirma o físico brasileiro Cylon Gonçalves da Silva, diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), especializado no estudo de átomos e moléculas. “Isso abre a perspectiva de produzir novos materiais e de desenvolver novos processos de produção de materiais convencionais que sejam menos poluentes, menos intensivos no uso de energia e de matérias-primas.”

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Não é de hoje que se fala em desenvolver robôs e outras estruturas nanométricas. Em 1997, cientistas da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, construíram, com o auxílio de microscópios de altíssima resolução e computadores supervelozes, uma guitarra menor que uma célula sangüínea. Sete anos antes, dois pesquisadores haviam feito a proeza de escrever a sigla IBM com 35 átomos de xenônio. Foi a primeira vez que se conseguiu manipular partículas tão pequenas. As pesquisas ganharam impulso nos últimos anos. Só nos Estados Unidos, foram gastos, em 2001, mais de 420 milhões de dólares em estudos e experimentos na área. No resto do mundo, investiram-se outros 835 milhões de dólares. Os americanos, líderes em tecnologia nanométrica juntamente com o Japão e a União Européia, têm mais de 30 centros de pesquisas especializados no assunto – há três anos, não passavam de dez.

O Brasil também decidiu investir nessa área e criou o seu Programa Nacional de Nanociências e Nanotecnologias. Com tanta gente queimando os miolos para transformar em realidade o mundo da nanotecnologia, não é difícil acreditar que a cena narrada no início dessa reportagem se torne, dentro de algum tempo, realidade.

Combatendo a Aids

O campo de aplicação de dispositivos nanotecnológicos é muito amplo, virtualmente infinito. “Qualquer coisa que envolva energia, materiais e biologia poderá se beneficiar com os avanços da nanotecnologia”, afirma Jeff Wyatt, diretor da Nanomix, uma empresa especializada no desenvolvimento de nanomateriais no Vale do Silício, Califórnia, Estados Unidos. Trocando em miúdos, isso quer dizer que essa nova fronteira do conhecimento poderá ser aplicada desde a medicina até a construção civil, da indústria aeronáutica à de embalagem de alimentos.

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O campo médico será um dos que mais terão a ganhar. Objetos infinitamente pequenos serão aliados fundamentais para fazer diagnósticos, tratar determinadas doenças e incrementar a pesquisa biotecnológica. “A nanotecnologia tem um grande potencial de melhorar as ferramentas da ciência biomédica”, afirma Paul Alivisatos, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e um dos maiores estudiosos das propriedades físicas de nanocristais. “Ela poderá ser útil em experimentos para descobrir novas drogas ou para revelar que genes estão ativos nas células sob determinadas circunstâncias”, diz ele. O pesquisador acredita que nanopartículas poderão ser usadas como meio para levar os medicamentos ao órgão que realmente precisa deles, evitando os inconvenientes efeitos colaterais causados por drogas mais potentes. “A liberação controlada de drogas representa um mercado de 22 bilhões de dólares anuais nos Estados Unidos”, diz o físico Cylon da Silva.

Na área do diagnóstico, cristais artificiais nanométricos dotados de magnetismo serão empregados para identificar a presença de microorganismos indesejados no corpo. Além disso, uma nova geração de nanoblocos artificiais causarão uma revolução no que diz respeito à regeneração de ossos, cartilagens e órgãos.

Segundo o diretor do LNLS, dentro de dez anos já existirão no mercado cápsulas com sensores nanométricos no seu interior. Elas serão utilizadas para fazer análises clínicas e diagnósticos, inclusive com imagens do interior do corpo humano. Os dados serão transmitidos, via rádio, para um aparelho receptor na cintura do paciente. Dessa forma, será possível identificar, numa escala nanométrica, células nas quais viria a se instalar um tumor.

Tem mais. Por mais espantoso que seja, os cientistas trabalham para criar nanodispositivos com a capacidade de se replicar dentro do corpo humano. Eles serão usados para reconstruir estruturas ou revitalizar células, bem como para combater vírus, como os da Aids, ou células cancerosas que se multiplicam descontroladamente. Uma empresa americana, a Zyvex, que se autodenomina a primeira companhia mundial de nanotecnologia molecular, garante que já conseguiu tal façanha (a replicagem de microrrobôs). Mas nem todo mundo concorda com a idéia de nanocoisinhas se reproduzindo dentro de você. É o caso do diretor da Nanomix, Jeff Wyatt. “Isso não faz sentido”, diz ele. “Acredito que estamos a muitas décadas de conseguir desenvolver alguma coisa que tenha capacidade de se auto-replicar, como as células e os vírus.”

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Circuitos invisíveis

Outro campo de vasta aplicação nanotecnológica será a microeletrônica, a “arte” de armazenar cada vez mais dados em espaços cada vez mais reduzidos. Pesquisadores dos Laboratórios Nacionais Sandia, um dos mais avançados centros de pesquisa tecnológica dos Estados Unidos, já conseguiram criar uma nanoengrenagem de silício menor que uma bactéria, que poderá ser usada numa série de equipamentos. Trata-se da menor corrente de tração do mundo. No futuro, os chips de silício, que equipam os nossos computadores, só serão encontrados em museus e nos livros de história. O micro do terceiro milênio será dotado de nanochips criados em escala atômica. Eles serão infinitamente menores que os chips atuais e muito mais eficientes, com uma capacidade de processamento infinitamente superior.

Estamos falando dos chips feitos com nanotubos de carbono, com diâmetro da ordem de alguns nanômetros e comprimento de outros tantos milionésimos de metro (micrômetros). Eles serão capazes de armazenar 10 mil transistores no mesmo espaço que hoje ocupa um chip de silício. “Dependendo da maneira como são enrolados, nanotubos de carbono podem se comportar como semicondutores ou como pequenos fios metálicos, sendo excelentes condutores de eletricidade e calor, como um fio de cobre”, afirma o diretor do LNLS, Cylon da Silva. IBM, Nanomix e outras companhias já dominam a técnica da sua fabricação, mas apenas em pequenas quantidades e por um custo extremamente elevado. Isso, por enquanto, inviabiliza sua colocação no mercado.

A nanotecnologia aplicada à eletrônica e à informática encontra-se num estágio bem avançado. Além da engrenagem dos Laboratórios Sandia e dos tubos de carbono da IBM, pesquisadores já conseguiram desenvolver, a partir de moléculas orgânicas, uma parafernália de estruturas nanoscópicas, como transistores, fios e diodos. Agora, o grande desafio é montar todos esses componentes num único circuito e fazer com que funcionem juntos, a um gasto relativamente baixo.

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Poeira inteligente

Apetrechos nanotecnológicos também poderão ser usados para fins pouco nobres, como a guerra entre países inimigos. O uniforme dos soldados do futuro terá a capacidade de mudar de cor continuamente para se confundir com o ambiente em que se encontram. Além disso, os exércitos serão equipados com pelotões de soldados microscópicos, que poderão ser lançados à frente em missões de espionagem (leia mais na reportagem “Tudo de novo que há no front”, na página 42). Sofisticadas nanocâmeras também estarão, em breve, pairando no ar, monitorando tudo o que se passa nas cidades, ajudando a colocar ordem no trânsito e a combater a criminalidade. Nanossensores serão instalados nas residências em substituição aos sistemas de vigilância que existem hoje e nanodefensivos ajudarão a combater as pragas que atormentam a vida dos agricultores. A Nasa, por sua vez, já trabalha no desenvolvimento de nanorrobôs, que serão embarcados em naves espaciais e enviados a outros planetas para desvendar seus mistérios.

O meio ambiente também ganhará com o avanço da nanociência. Materiais nanoporosos serão usados para a fabricação de filtros capazes de reter poluentes ultrafinos que hoje não se consegue filtrar, ou mesmo microorganismos causadores de doenças. O uso de dispositivos nanométricos também poderá ser muito útil, por exemplo, para aumentar a eficiência de células fotovoltáicas, que transformam a energia solar em eletricidade. E os nanotubos de carbono terão capacidade de armazenar hidrogênio para ser usado como combustível automotivo. “Dentro de 12 a 18 meses, esperamos colocar no mercado os primeiros sensores eletrônicos para detecção de produtos químicos: poluentes, armas químicas, explosivos, pesticidas etc.”, afirma o diretor da Nanomix.

O sonho mais delirante do mundo nanotecnológico foi formulado pelo cientista americano Josh Storrs Hall, membro do Institute for Molecular Manufactering, em Palo Alto, na Califórnia. Segundo ele, no futuro essa tecnologia irá se desenvolver de tal maneira que será possível construir uma espécie de material polimórfico inteligente composto de bilhões de estruturas microscópicas. Esses nanodispositivos, menores que uma bactéria, ficariam permanentemente pairando no ar, como uma poeira invisível, e seriam capazes de atender a comandos de voz, agrupando-se para formar qualquer tipo de objeto material. Você poderia, por exemplo, ordenar que eles pintassem todas as paredes da sua casa ou trocassem o piso de carpete por um de madeira. Para atender aos seus desejos, os robozinhos teriam a capacidade de se replicar sucessivamente – coisa que a Zyvex jura que já faz. Se tudo isso vai se tornar realidade, só o tempo dirá. Há quem garanta, no entanto, que esse futuro não está muito distante.

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É o caso do diretor da Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos, Mihail Roco, um dos maiores especialistas em nanotecnologia. “Em dez ou 15 anos, a nanociência será uma parte tão fundamental de nossas vidas como é hoje a eletrônica”, diz ele. Quem viver, verá. Ou não, tendo em vista a diminuta escala dessas maravilhas.

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