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A reforma da natureza

Nascimento da ovelha Dolly, o primeiro clone de um animal adulto, causa um misto de pavor e fascinação.

Por Igor Fuser
Atualizado em 21 fev 2019, 16h29 - Publicado em 31 jul 1997, 22h00

Desde a chegada do primeiro homem à Lua, em 1969, que uma notícia científica não provocava tamanho alvoroço. No dia 25 de fevereiro de 1996 o geneticista escocês Ian Wilmut, do Instituto Roslin, em Edimburgo, anunciou o nascimento da ovelha Dolly, o primeiro clone gerado artificialmente a partir de uma célula de um mamífero adulto. Dolly não tem pai – é um clone de sua mãe, com quem compartilha os mesmos genes. A novidade provocou espanto. Agora já não existe obstáculo técnico para a produção de clones humanos. É possível fabricar outra pessoa igualzinha a você, ao menos do ponto de vista genético.

A clonagem de seres humanos está fora do horizonte dos cientistas que criaram Dolly. O objetivo da experiência é a melhoria dos rebanhos e a produção de medicamentos a partir de animais transgênicos, ou seja, portadores de genes de outras espécies. Isso já é feito com vários bichos e plantas manipulados geneticamente, como você verá nas próximas páginas. Mas é compreensível a inquietação de filósofos e religiosos. Dolly se tornou o símbolo de uma época em que parece não haver limites para nossa capacidade de moldar a natureza. Para o bem e também para o mal.

Uma ovelha revoluciona a ciência

Dolly nasceu no dia 5 de julho de 1996, depois de um período de gestação normal. Até agora, nada a diferencia dos demais animais de sua raça, a Finn Dorset. Com o tempo, vai dar para saber se ela tem algum problema de saúde e se poderá procriar normalmente.

A ovelhinha escocesa não é o primeiro clone da História (clone é qualquer animal geneticamente idêntico a outro). Há décadas, os pecuaristas utilizam a clonagem para melhorar seus rebanhos. Por que, então, tanto barulho por causa de uma ovelha? É que Dolly não é um clone comum. Seu ponto de partida é uma célula de um animal adulto e não um embrião, como ocorreu com todos os clones que a antecederam. É isso que faz de seu nascimento uma revolução na Genética.

Dolly surgiu depois de quase sessenta anos de pesquisas e tentativas fracassadas. A base teórica da experiência foi lançada em 1938, pelo embriologista alemão Hans Spemann. Ele acreditava que qualquer célula de um animal pode gerar outro animal geneticamente igual. Os biólogos já sabiam, naquela época, que as células do embrião possuem uma qualidade chamada totipotência. Ou seja, cada uma delas contém todos os genes necessários para produzir um indivíduo inteiro, com cabeça, membros e tudo o mais. Na medida em que o embrião vai crescendo, suas células se multiplicam e se tornam cada vez mais especializadas. Elas continuam a conter a receita completa para a formação de um indivíduo, mas manifestam apenas uma pequena parte dela. Só uns poucos genes entram em ação. Os demais ficam quietinhos, adormecidos.

Spemann estava convencido de que, mesmo depois de se especializarem em alguma função, as células manteriam sua totipotência. Deveria haver uma maneira, portanto, de despertar novamente todo seu potencial. Ele chegou a idealizar o transplante do núcleo de uma célula de um animal adulto no óvulo de uma fêmea. Mas a experiência estava fora do alcance da tecnologia de sua época. Durante décadas, os cientistas fizeram tentativas com rãs e camundongos, sem sucesso. Até que o geneticista escocês Ian Wilmut superou os obstáculos técnicos e tornou realidade a idéia de Spemann. (Veja quadro abaixo).

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Em busca do ouro genético

Qual é a utilidade prática de se clonar uma ovelha? O “pai” de Dolly, Ian Wilmut, trabalha num organismo de pesquisa aplicada que tem objetivos econômicos bem claros. Embora financiado pelo Estado, o Instituto Roslin, de Edimburgo, é gerido por uma empresa privada, a PPL Therapeutics, com sede nos Estados Unidos. Dolly só veio ao mundo porque existe uma concorrência impiedosa entre as companhias de biotecnologia.

As atuais pesquisas de clonagem têm duas finalidades. A primeira delas é a melhoria da pecuária. A experiência com Dolly, se der certo, permitirá a formação de rebanhos inteiros de ovelhas idênticas, de alta qualidade, e que crescerão no mesmo ritmo. Essas ovelhas fornecerão lã e carne absolutamente homogêneas, com grande vantagem para o criador. Os mesmos resultados poderão ser obtidos com bovinos e outros animais.

O outro objetivo da clonagem tem a ver com a indústria farmacêutica. A principal atividade do Instituto Roslin é a produção de proteínas de interesse médico a partir do leite de vacas e ovelhas transgênicas. Animais transgênicos são aqueles que possuem em suas células genes de outras espécies. Hoje sai muito cara a produção de uma fêmea transgênica. Para cada tentativa bem-sucedida, há muitos fracassos. A partir de Dolly, tudo pode ficar mais simples. Em vez de uma fêmea de cada vez, será possível produzir logo meia-dúzia de clones.

A receita de Dolly

Os passos de Wilmut para clonar uma ovelha:

1 – Retiram-se células da mama de uma ovelha Finn Dorset de 6 anos de idade. As células ficam guardadas numa solução química.

2 – Um óvulo não fecundado é extraído de uma segunda ovelha, da mesma raça. Com uma agulha, retira-se o núcleo do óvulo.

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3 – Junta-se uma célula mamária da primeira ovelha com o óvulo sem núcleo da segunda. Uma corrente elétrica provoca a fusão das duas células, que começam imediatamente a se dividir, formando um embrião.

4 – Seis dias depois, o embrião é transferido para o útero de uma terceira ovelha, que cumpre a função de “barriga de aluguel”. Espera-se cinco meses, o tempo normal de gestação de uma ovelha, e… bem-vinda, Dolly!

Medicina aposta no porco humano

Suínos transgênicos trazem a chance de transplantes sem risco de rejeição.

O porco, e não o cão, é o melhor amigo do homem. Pelo menos é esta a opinião dos cientistas americanos que estão preparando suínos com genes humanos para a produção de sangue, insulina e órgãos para transplantes. Em 1991, o laboratório DNX, de Princeton, nos Estados Unidos, conseguiu fazer com que porcos transgênicos passassem a produzir hemoglobina humana. Os porcos transgênicos poderão fornecer fígados, pulmões, corações e rins para transplantes. Por enquanto, nenhum transplante de órgão suíno em seres humanos foi bem sucedido, devido à rejeição do sistema imunológico. Mesmo assim, na Inglaterra já existem 27 porcos transgênicos criados para esse fim.

Camundongos verdes brilham no escuro

Genes de água-viva produzem animais fluorescentes.

Ratos extraterrestres, fugidos do porão de algum disco-voador? Nada disso. O bicho esquisito da foto é um dos cinco camundongos transgênicos nascidos no início de junho no Instituto de Pesquisas de Doenças Microbiológicas da Universidade de Osaka, no Japão. Os animaizinhos apresentam uma cor verde quando expostos à luz artificial. Eles são o resultado de uma experiência na qual os cientistas injetaram nos genes de uma camundonga o DNA de uma água-viva norte-americana chamada Aequorea victoria. Essa água-viva produz uma proteína rara que lhe dá uma cor verde fluorescente.

A possibilidade de usar esses genes em cobaias facilitará as pesquisas. “Isso vai ajudar não só no tratamento do câncer e nos transplantes, mas na biotecnologia em geral”, disse o professor Masaru Okake, que anunciou a proeza. A introdução dos genes da água-viva fluorescente já vinha sendo feita, há alguns anos, com alguns tipos de peixes e de insetos, mas todas as tentativas de obter o mesmo resultado com mamíferos tinham fracassado.

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Como funciona a clonagem de bovinos

Como a Biologia Molecular auxilia a pecuária na melhoria dos rebanhos.

1 – Escolhe-se uma vaca para clonagem. Quando ela engravida, coletam-se os embriões.

2 – Ao mesmo tempo, retiram-se os ovócitos de uma outra vaca.

3 – Depois de seis dias, as células do embrião da primeira vaca são separadas.

4 – Enquanto isso, extraem-se os núcleos dos ovócitos por micromanipulação

5 – Cada célula do embrião é fundida a ovócitos sem núcleo e vão se desenvolver em novos embriões

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6 – Alguns dos embriões serão congelados.

7 – Nos dois processos, os embriões serão instalados no útero de vacas receptoras, verdadeiras mães de aluguel

A máquina de fabricar olhos

Pesquisadores descobrem o mecanismo que comanda a formação de órgãos do corpo.

Quase por acaso, cientistas americanos descobriram, em 1995, um gene-mestre responsável pela manufatura dos olhos. Acredita-se que esse gene esteja presente em todos os animais. O gene, apelidado de ey, foi isolado e reinplantado em várias células do embrião de uma mosca-das-frutas. O resultado foi digno de um filme de terror: a mosca desenvolveu catorze olhos espalhados pelo corpo, inclusive nas asas e na cabeça. Em outra experiência, os cientistas isolaram o gene ey de um rato e o transplantaram para outra mosca. Em todas as células em que esse gene foi colocado, nasceram olhos. Ou seja, o DNA da mosca reconheceu o gene-mestre do rato e o considerou igual ao seu gene natural para a manufatura de olhos.

Fazenda modelo

Veja as duas técnicas mais utilizadas pelos criadores.

Microinjeção (Fecundação in vitro dos embriões)

1 – O DNA desejado é inserido dentro do ovo

2 – Formação de embriões

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3 – Os embriões são colocados no útero de uma vaca recpetora

Recombinação homóloga

1 – Implante de um gene novo no embrião

2 – Encontra-se o gene que se deseja modificar

3 – Um novo gene é inserido por um processo chamado recombinação homóloga

4 – São escolhidas as células que assimilaram o gene modificado

5 – Essas células passam pelo processo de clonagem e são colocados no útero de vacas receptoras

O clone natural

As técnicas de clonagem artificial são muito recentes. Já a natureza produz clones desde o início da vida na Terra. Isso acontece principalmente entre as plantas e alguns animais simples, como as amebas. Algumas espécies de tatu constituem um caso raro de mamífero que se reproduz por clonagem. Em cada gravidez, a mamãe tatu produz de quatro a doze filhotes idênticos do ponto de vista genético. A clonagem ocorre quando o embrião fecundado se divide várias vezes, gerando tatuzinhos iguais entre si. Os biólogos acreditam que a clonagem dos tatus é uma conseqüência do formato do ventre da fêmea, que só deixa lugar no útero para um único óvulo. Assim, a única maneira de se obter uma prole maior é a clonagem. No caso do homem, os gêmeos idênticos também são clones, já que compartilham o mesmo patrimônio genético. Mas este tipo de reprodução humana só ocorre como exceção, não como regra.

Tabaco sanguíneo

Plantas que produzem sangue humano em escala industrial parecem coisa de ficção científica, mas são o objeto de uma pesquisa desenvolvida pelo geneticista francês Claude Poyard num hospital de Paris. Ele introduziu o gene da hemoglobina humana no patrimônio genético da planta do tabaco. O objetivo é fazer com que a folha do tabaco (ao lado, em fotomontagem) produza os aminoácidos da hemoglobina, a substância que transporta o oxigênio para o sangue. A hemoglobina do tabaco poderá substituir o sangue em transfusões, com a vantagem de reduzir os riscos de incompatibilidade imunológica e de infecção por germes.

Supermercado transgênico

Alimentos com os genes modificados chegam à mesa dos consumidores.

Cenoura

Mais doce do que as cenouras comuns, a cenoura betasweet contém doses extras de beta-caroteno, vitamina cuja carência está associada a vários tipos de câncer.

Batata

Não fica escura depois de descascada. Cientistas australianos obtiveram a seqüência do material genético que faz as batatas escurecerem e inverteram seu funcionamento.

Arroz

Tem mais proteínas do que o normal, o que ajudará a combater a fome em países pobres. O arroz é um dos alimentos mais consumidos no mundo inteiro.

Melão

A fruta, modificada geneticamente pelo laboratório Upjohn, dos Estados Unidos, é mais resistente aos vírus.

Milho

A empresa Ciba conseguiu transferir para o milho um gene originário da bactéria Bacillus thuringiensis. Esse gene o torna resistente a uma praga que devasta até 7% das colheitas.

Tomate

O Favr Sadr, da empresa americana Calgene, amadurece mais devagar, o que facilita sua estocagem. Foi o primeiro alimento transgênico a ser comercializado.

Soja

Tem genes de castanha-do-pará, inseridos para aumentar o valor nutritivo. Problema: as pessoas alérgicas à castanha-do-pará também sofrem alergia com a soja transgênica.

Ervilha

A empresa DNA Plant Tecnology, dos Estados Unidos, alterou os genes da planta para permitir sua conservação por mais tempo.

Dinossauros clonados? Só no cinema

Pesquisa mostra que é impossível reproduzir animais a partir de fósseis.

No filme Jurassic Park, de Steven Spielberg, os cientistas conseguem recriar os dinossauros a partir do DNA de gotinhas de sangue achadas no estômago de mosquitos que, depois de picar as feras pré-históricas, ficaram presos na resina de árvores. Os cientistas do filme replicam esse DNA até produzir uma manada de dinos por meio de clonagem.

Uma pesquisa recente sepultou a idéia de se ressuscitarem dinossauros – ou qualquer outro animal – a partir de insetos fossilizados, pois o material genético se deteriora depois da morte. O biólogo inglês Jeremy Austin pesquisou durante dois anos uma coleção de insetos conservados em resina por períodos que variam de 30 milhões até 125 milhões de anos. Nada de DNA.

Crédito da imagem: Getty Images

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