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Bolsa de valores: Money! Money! Money!

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h45 - Publicado em 31 dez 1995, 22h00

Cristiane Segatto

Observe esses homens. Eles parecem tensos como soldados em combate ou atletas numa competição. E não é para menos. São operadores da Bolsa de Valores de São Paulo. Por suas cordas vocais circulam mais de 200 milhões de reais num dia. Por isso, vivem em vertigem, com os nervos à flor da pele. Para entender como e por que gasta-se tanta adrenalina, a Super visitou esse mundo intrincado, no coração do capitalismo, o qual muito se fala mas pouco se explica.

As metamorfoses são rápidas entre os homens engravatados que se movimentam, como feras enjauladas, no saguão da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Em minutos eles demonstram emoções tão diversas quanto apatia e euforia, desespero e contentamento, angústia e alívio. É que para esses homens, conhecidos como operadores, um minuto vale ouro. Ou melhor, vale dinheiro, muito dinheiro. Por isso, o pregão, o lugar da Bolsa onde são compradas e vendidas as ações (frações do capital) das empresas mais bem cotadas no mercado, parece uma selva, só que muito barulhenta. Em cada centímetro dos seus 1 000 metros quadrados prevalece a lei do mais forte: quem corre mais rápido e grita mais alto consegue melhores resultados. “Em nenhum outro lugar a natureza competitiva do capitalismo é tão visível” constata a professora de Antropologia da Universidade de São Paulo Maria Lúcia Montes.

E é compreensível que seja assim. Todos os dias, a Bovespa negocia cerca de 200 milhões de reais. Uma quantia notável, suficiente, por exemplo, para comprar 3 142 bons apartamentos de dois quartos na cidade de São Paulo.

As razões do sufoco

São parcelas dessa montanha de dinheiro – alheio – que 420 operadores disputam a berros e empurrões, todos os dias, no pregão. A rotina deles é pura adrenalina. A tarefa do operador é comprar e vender ações para os clientes, obedecendo ordens que recebe pelo telefone, do qual nunca desgruda. Então, imagine que o preço de uma das ações está subindo. Se um investidor manda comprar 1 milhão delas a 0,40 reais cada (e isso acontece muito), ele gasta 400 000 reais. Dois minutos depois, manda vender o mesmo lote a 0,41 reais cada. Lucrou 10 000 reais em 120 segundos! Se achar que a ação vai continuar em alta, o operador pode propor que se espere por uma oferta melhor (que pode chegar ou não, eis o risco). Se dormir no ponto, outro, mais esperto, grita “fechado”, antes, e ele perde a chance de vender o lote na hora certa. Entendeu a razão do sufoco?

Esse componente de jogo que a Bolsa tem é extremamente sedutor e chega a viciar alguns investidores, que não conseguem passar um dia sequer sem negociar. Há quem realize cinqüenta operações num único dia. São especuladores compulsivos e até bem-vindos na Bolsa, porque dão liquidez ao mercado. Ou seja, fazem com que sempre haja comprador para as ações colocadas à venda.

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Um fenômeno da economia do país

Quem realmente movimenta a Bovespa são os bancos, as grandes empresas e os grupos estrangeiros. Partem deles 88% de todos os investimentos. Só 12% vêm de pessoas físicas. Mesmo assim, os jornais e a televisão vivem noticiando que a Bolsa subiu ou caiu. É que seu comportamento é um termômetro da situação econômica do país que o governo leva muito em conta, junto, claro, com outros fatores, antes de mexer em impostos, taxas de juros e vários aspectos da economia. Ou seja, a Bolsa interfere na vida de todos nós.

Mas este é o fim do processo. Comecemos pelo começo. Quando uma empresa emite ações – e qualquer uma pode fazê-lo –, diz-se que abriu o capital. Ou seja: quer sócios. A vantagem para o comprador das ações é receber os dividendos (parcela dos lucros paga aos acionistas). Se a empresa crescer, o investidor ganha. Caso não dê lucro, as ações se desvalorizam e ele vê suas economias descerem pelo ralo.

A maior parte dos investidores, no entanto, ganha ou perde, mesmo, é no mercado chamado secundário, comprando e vendendo ações na Bolsa de Valores. Todas as negociações são feitas por corretoras. Mesmo que morra de vontade, o investidor não pode negociar pessoalmente na Bolsa, instituição privada que fica com 0,05% do valor de cada negócio realizado.

Jogo de estratégia

Quem quiser entrar na aventura precisa estar disposto a correr riscos. A Bolsa pode não ser um cassino, no qual aposta-se no amarelo ou no vermelho e conta-se apenas com a sorte para ganhar. Mas o investidor aposta, sim. A única diferença é que faz isso amparado em informações que lhe permitem prever o comportamento do mercado. Digamos que seja um jogo de estratégia, não de azar. Quando as empresas vão bem, aumenta o número de compradores e diminui o de vendedores de ações. Por isso o preço delas sobe, de acordo com a tal lei da oferta e da procura. Mas isso não é tudo. Fatos políticos, econômicos e mesmo boatos podem mexer com o preço de uma ação (veja quadro ao lado). Aí, começa a roda-viva. O investidor compra e espera o preço subir. Só o fato de ter comprado já contribui para que suba, pois aguça o interesse de outros investidores. Ele pode vender e comprar muitas vezes. Se não parar na hora certa, perde dinheiro. Blefar é perigoso, porque, em geral, os investidores são bem informados.

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Estatais dominam

“É por isso que curioso não deve aplicar na Bolsa”, diz o presidente do Conselho de Operadores da Bovespa, José Luiz do Amaral Sampaio. Pelo menos, não sozinho. Quem tem até 10 000 reais, aconselha Sampaio, pode optar pelos Fundos Mútuos de Ações, oferecidos pelos bancos, que reúnem correntistas para comprar ações. O investidor se arrisca menos, pois não precisa analisar balanços de empresas nem prever os sustos do mercado. O banco faz o trabalho.

Um dos critérios para essa análise é a oscilação do Ibovespa, o índice que indica altas e baixas dos preços das ações mais negociadas na Bolsa paulista. Ele é medido diariamente e as ações que o integram são selecionadas a cada quatro meses. Entre elas, um grande número pertence a estatais que, sozinhas, representam 80% dos negócios da Bolsa. Agora, com os projetos de privatização, as estatais são ainda mais procuradas, pois, acredita-se, cortarão as despesas e aumentarão os lucros. Nem multinacionais atraem tanto os investidores. Enquanto a participação da Telebrás no Ibovespa é de 33,89%, a da Souza Cruz, multinacional fabricante de cigarros, é de 0,29%.

Pregão parece videogame pastelão

Visto de cima, o pregão da Bovespa lembra um videogame pastelão, no qual os personagens se trombam enquanto tentam cumprir as ordens do comandante. O inimigo é o relógio. Basta um segundo para um grande negócio ir por água abaixo. Por isso, os operadores correm muito, gesticulam muito e gritam muito.

Quem os observa imagina que o que está em jogo é a própria vida, ou suas fortunas pessoais. Mas não é bem assim. São raros os operadores que aplicam o próprio dinheiro. Em geral, eles apenas executam ordens, contabilizando lucros ou perdas para os clientes da corretora para a qual trabalham. Ganham salário e, às vezes, comissão, o que lhes rende cerca de 1 500 reais por mês. Mas o pregão pode ser ponto de partida para carreiras promissoras. Nos Estados Unidos, grandes analistas de mercado, que começaram como operadores, chegam a embolsar 15 milhões de dólares por ano. No Brasil, há notícias de rendimentos acima de 12 000 reais por mês.

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O começo, no século XIV

Como esse mercado ficou tão poderoso é uma história antiga. Quando nasceram as Bolsas, no século XIV, eram os próprios comerciantes que se reuniam para fazer os negócios. As primeiras reuniões aconteceram na cidade de Bruges, na Bélgica. Como os grupos se encontravam na casa de uma família de nome Burse, que tinha na porta um brasão com um escudo e três bolsas, o lugar acabou conhecido como a casa das bolsas. Logo a moda pegou. No Brasil, porém, só chegou em 1845, quando D. Pedro II regulamentou a profissão de corretor, no Rio de Janeiro. As sessões ocorriam a céu aberto, para intermediar compra e venda de mercadorias, moedas e metais nobres. Em 1876, a Bolsa do Rio começava a funcionar em recinto fechado. Ali, já se negociavam títulos da dívida pública (empréstimos que os cidadãos faziam ao Império) e as primeiras ações. Inaugurada em 1890, a Bovespa ajudou a desenvolver as primeiras indústrias paulistas. Os fazendeiros de café eram, então, os grandes investidores.

O suicídio dos magnatas

Desde essa época, as ações passaram a ser um prato apetitoso. Porém, da mesma forma com que fizeram algumas fortunas, dissolveram outras. Quem já não ouviu falar da quebra da Bolsa de Nova York, em 1929? Antes daquele ano, a Bolsa estava abarrotada de dólares. Havia dinheiro sobrando e milhares de pessoas decidiram investir em ações. Tudo ia bem, até que a confiança na economia do país começou a desmoronar e os investidores retiraram o dinheiro da Bolsa de uma hora para outra. Como ninguém queria comprá-las, as ações não valiam mais nada. Fortunas se desintegraram, levando vários investidores a saltar dos arranha-céus de Wall Street, o centro financeiro da cidade.

Apesar de riscos como esse, as ações continuam constituindo motivo de disputa. Curiosamente, no entanto, não são documentos assinados, carimbados e gravados em letras douradas. Aqueles papéis pomposos, parecidos com diplomas, que os antigos investidores guardavam no cofre, não existem mais. Hoje, o único comprovante que o investidor recebe é um parco relatório, semelhante a um extrato bancário, que parece não valer nada.

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Para saber mais

Mercado Financeiro e de Capitais, Armando Mellagi Filho, Atlas, São Paulo, 1995.

Índice Bovespa: Um Padrão Para os Investimentos Brasileiros, Hélio de Paula Leite, Atlas, São Paulo, 1995.

Com o Dinheiro dos Outros, filme (comédia), Warner, 1991.

Wall Street – Poder e Cobiça, filme (aventura), Abril Vídeo, 1987.

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A ciranda do capital

Passo a passo, o caminho que leva à Bolsa de Valores

A empresa quer dinheiro

Para evitar os juros dos bancos, ela coloca ações à venda e atrai sócios. 25% do lucro passam a ser rateados entre todos os sócios. Eles podem comprar ações ordinárias nominativas (ON), que dão direito a voto nas reuniões dos acionistas, ou preferenciais nominativas (PN), que não dão direito a voto, mas têm preferência na hora da distribuição dos dividendos.

O investidor tem dinheiro

Pessoas, empresas ou bancos querem multiplicar o dinheiro que têm nas mãos. Eles compram (em uma corretora) ações de uma empresa que acaba de abrir seu capital ou lançar novas ações. O dinheiro vai direto para a empresa, sem passar pela Bolsa de Valores. Por isso, esse mercado é chamado de primário.

O dinheiro muda de mãos

Ações compradas no mercado primário podem ser vendidas na Bolsa de Valores. É o mercado secundário. As partes só podem negociar por meio de uma das corretoras associadas à Bolsa, que cobram taxas de 0,5 a 2% do valor da operação. Os negócios são fechados por computador ou pelos funcionários que a corretora tem na Bolsa (os operadores).

Ações menos disputadas

São a maioria, mas representam apenas 15% do dinheiro que circula na Bolsa. Pertencem a cerca de 530 empresas e são compradas ou vendidas por meio de computadores ligados à Bolsa.

Ações mais disputadas

As corretoras mantêm operadores na Bolsa apenas para comprar e vender ações das empresas mais cotadas (cerca de 20). Eles recebem ordens da corretora por telefone, e fazem os negócios aos berros num ambiente chamado pregão, palavra derivada do verbo apregoar. (Veja mais detalhes sobre o pregão nas próximas páginas)

O que faz o preço das ações subir ou descer

Mudanças das taxas de juros

Se elas caem, a Bolsa sobe. Investidores tiram o dinheiro de aplicações que rendem juros e aplicam na Bolsa. Quanto mais procuradas, mais as ações têm seu preço aumentado. A situação inversa é igualmente verdadeira: se os juros sobem, a Bolsa cai.

Inflação

Quando ela sobe, a Bolsa cai. Os investidores abandonam o mercado de ações e aplicam na poupança ou outros investimentos menos sujeitos a oscilações. Não vale a pena correr os riscos da Bolsa se podem contar com um rendimento seguro mensalmente.

Boatos

Eles podem movimentar os preços para cima ou para baixo. Os mais comuns se referem à troca de ministros, concordata de empresa privada ou privatização de estatais. Em abril de 1995, por exemplo, a hipótese de privatização da Telebrás fez o Ibovespa disparar 28,02% em relação ao mês anterior. A privatização anima os investidores porque, em geral, significa melhor administração.

Crises externas

A economia de outros países pode repercutir na Bolsa. A crise mexicana, no final de 1994, fez o Ibovespa cair 10,77% em janeiro e 15,81% em fevereiro do ano passado. O México se deu mal porque estimulou as importações, reduzindo impostos. O consumo de importados cresceu e as empresas sentiram. No Brasil, a política era semelhante. Temeu-se uma repetição da novela mexicana e os investidores retiraram o dinheiro da Bolsa.

Planos econômicos

Sempre que o governo inibe ou estimula o consumo, a Bolsa se agita. Com o Plano Real (junho de 1994), ela subiu e atingiu um pico de 26,85% de alta, em agosto. Como a população comprava muito, as empresas lucravam mais. Ações eram boa pedida. Em setembro, o governo acabou com os consórcios e criou impostos bancários compulsórios. O consumo despencou e a Bolsa foi junto. Em outubro, caiu 12,51%.

Investimentos estrangeiros

Eles promovem altas e baixas na Bolsa. No começo de 1994, o Partido dos Trabalhadores estava na frente na campanha presidencial e isso assustava os investidores brasileiros, pois podia significar um freio nas privatizações. Mesmo assim a Bolsa subiu 70% entre dezembro de 1993 e fevereiro de 1994. É que, nesse período, fundos de pensão americanos investiram 1 bilhão de dólares na Bolsa.

Operadores anti-éticos

Ao saber do interesse de um cliente de sua corretora por determinada ação, eles compram lotes dessa ação. Assim, aumentam o preço da ação e ganham um dinheiro garantido, uma vez que a venda está praticamente acertada. Esses operadores são conhecidos como “ratos”. Quando descobertos, eles podem sofrer suspensões. Mas elas não ultrapassam os 15 dias.

Onde bate o coração da Bolsa

Conheça e entenda o cenário do pregão

Curiosos

Há duas galerias envidraçadas para quem quer observar o corre-corre do pregão. Na superior, qualquer um pode entrar. A de baixo é reservada aos raros investidores que gostam de acompanhar as sessões.

Operadores

São 420 funcionários de 106 corretoras autorizadas a negociar na Bolsa. Pelos telefones sem fio, eles recebem ordens das corretoras e correm, alucinados, até pequenas rodas onde se leiloam ações. Ali, gritam suas ofertas. Depois que dizem “fechado” não podem voltar atrás

Painel eletrônico

É um resumo de tudo o que se passa na Bolsa. Os dados são atualizados o tempo todo, como num painel de partidas e chegadas de aeroporto. Por meio dele, informações como os preços e as oscilações dos preços das ações (em pontos percentuais), o volume de dinheiro negociado e o índice Ibovespa tornam-se públicas

Terminais de consulta

Vira e mexe, o operador corre a um desses terminais. Ali, pesquisa informações sobre as ações (a corretora que comprou, a que vendeu ou a que quer negociar e a que preço). Ele fixa os olhos na tela e dedilha o teclado com as mãos nervosas. Um bom negócio deve ser avisado depressa à corretora, para que ela alerte o cliente e ele decida rápido se entra na roda.

Diretor do pregão

É funcionário da Bolsa. Anuncia a abertura e o fechamento das negociações. Tem papel de xerife e pune (com advertência ou suspensão) operadores que não apregoam claramente, negociam após o encerramento do pregão ou agridem colegas. Também comanda leilões quando o preço da ação varia 5% ou mais em relação ao dia anterior.

Amarelinhos

São funcionários das corretoras. Antes do telefone sem fio, atendiam as ligações e levavam as ordens aos operadores. Hoje, estão em extinção. Conferem relatórios divulgados pela Bolsa a cada meia hora para saber se os negócios foram registrados corretamente. O paletó amarelo sinaliza que não são operadores e, portanto, não podem negociar.

Postos de registro

Após fechar um negócio, os operadores correm com os boletos (papéis nos quais anotam preços, número de ações, quem comprou, quem vendeu) para esses guichês. Os funcionários da Bolsa registram tudo nos computadores. Simultaneamente, as informações aparecem nos monitores instalados logo acima.

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