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Estaleiro de ossos: baleias centenárias restauradas

Com trabalho pesado e muita paciência, cinco técnicos belgas restauram três centenárias baleias do Museu de História Natural de Paris.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h50 - Publicado em 30 jun 1993, 22h00

Gisela Heymann de Paris

Gisela Heymann, de Paris

Na primavera de 1991, um insólito comboio atravessou a fronteira entre a França e a Bélgica. Dezenas de enormes peças, numeradas e cuidadosamente dispostas em caixotes, deveriam chegar intactas às mãos de Michel de Spiegeler, arqueólogo do Ateliê de Museologia da cidade belga de Waterloo. “Recebemos três vedetes para um tratamento de beleza”, brinca Spiegeler, que junto com quatro assistentes passou os dois anos seguintes cuidando das clientes. Limparam a poeira do tempo, examinaram cada centímetro da carga à caça de sinais de 100 anos de deterioração e corrigiram as imperfeições. Além disso, como num quebra-cabeça, remontaram suas freguesas uma a uma, para então devolvê-las ao expedidor, o Museu de História Natural de Paris.

A trinca, no entanto, estava à altura do trabalhoso tratamento. Afinal, são três personalidades de peso, atrações incontestáveis da Galeria da Evolução do museu desde o final do século XIX, quando foi inaugurada: Physeter macrocephalus (14,15 metros de comprimento e 2 011 quilos), Eubalaena australis (14,05 metros e 2 163 quilos) e Balaenoptera musculus (23,47 metros e 3 326 quilos). Ou cachalote, baleia-franca e baleia-azul, como são vulgarmente conhecidas, três esqueletos impressionantes, tanto pelo porte como pela estrutura, que mais parecem um casco de um navio invertido.

Não foi à toa que o galpão de 1 500 metros quadrados do ateliê — uma cooperativa privada de artesãos especializados em restaurações — ganhou ares de estaleiro, totalmente ocupado pelos “navios” de cálcio. A primeira missão dos belgas foi recuperar a cor original das ossadas, bombardeando-as com jatos de vapor, a 120°C, para que seu tom marfim voltasse. “Usamos este tipo de limpeza duas vezes, para tirar a camada de poeira e para dissolver a gordura que se acumulou com os anos”, explica Spiegeler. Um trabalho aparentemente simples, mas que envolveu cuidados técnicos sutis.

“Foi preciso calcular com precisão o tempo de exposição e a pressão dos jatos, de acordo com a idade que cada um dos cetáceos tinha ao ser morto”, conta o arqueólogo belga. O esqueleto da baleia-azul, por exemplo, o mais resistente dos três, é de um animal adulto, abatido em 1881 na Lapônia. Como sua ossada já estava totalmente solidificada, pôde suportar bem a pressão e o calor. “Já o cachalote, capturado por uma expedição científica francesa em 1886 no Arquipélago dos Açores, era jovem ao morrer. Seus ossos são mais sensíveis e tivemos que reduzir a pressão.” A baleia-franca morreu adulta, em 1896, perto da Nova Zelândia.

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Para restaurar estragos que surgiram após a limpeza, a equipe de Waterloo preparou uma massa à base de poliéster que fica totalmente invisível ao olhar leigo dos visitantes. “Trabalhar com esse material é simples. O principal desafio mesmo é manipular os esqueletos”, garante Spiegeler. Para se ter uma idéia, cada costela de baleia mede por volta de 2,8 metros e pesa 25 quilos. E cada baleia tem em torno de trinta delas, quinze de cada lado, presas a uma espinha dorsal que, da cabeça à cauda, chega a setenta vértebras.

As costelas foram fixadas com hastes de aço nas duas pontas: em cima, prendendo-as à coluna, embaixo, formando uma armação fixa. Já as vértebras exigiram mais criatividade. “Fizemos uma estrutura resistente e, ao mesmo tempo, maleável”, conta Spiegeler. Um conjunto de tubos de aço foi incrustado ao longo da espinha dos animais. Com isso, quando estiverem instalados em Paris, os esqueletos poderão ser dispostos de forma a simular o movimento que suas donas faziam no mar. “A impressão de que elas estão nadando vai dar realismo à exposição”, explica o francês Jacques Maigret, responsável pelas estrelas aquáticas no museu.

Mais do que peças fundamentais para entender a evolução animal, duas das vedetes são exemplares de espécies em extinção. Hoje, estima-se que só existam cerca de 1 700 baleias-francas e um número menor ainda de azuis nadando nos oceanos. “Elas não podem ser substituídas e são uma excelente ferramenta para divulgar a vida dos mamíferos marinhos”, lembra Maigret, que já recebeu as ossadas, novinhas em folha. Mas, ao contrário de quando partiram, elas viajaram os 300 quilômetros de volta para Paris montadas em blocos: “Um presente para os colegas franceses, que não quebraram a cabeça para juntar as partes destes enormes puz-zles”, diz o gozador De Spiegeler.

Para saber mais:

A rainha do mar

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(SUPER número 9, ano 2)

Mestres da pintura no laboratório

(SUPER número 2, ano 5)

Falsas assassinas

(SUPER número 5, ano 8)

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O perfil das vedetes

Se ainda nadassem livremente, as donas dos esqueletos de Paris seriam assim

Baleia-azul

É o maior mamífero que já povoou a Terra. Ameaçada de extinção

Nome científico: Balaenoptera musculus

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Comprimento médio: 27 metros

Peso médio: 110 toneladas

Longevidade: em torno de 60 anos

Profundidade de mergulho: entre 150 e 250 metros

Tempo de submersão: de 20 a 30 minutos

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Região: quando era abundante, vivia nas costas da Islândia, Alasca, Japão, México, Chile, Estados Unidos e África do Sul. Hoje, nada apenas nos mares antárticos

Hábitos alimentares: 4 toneladas diárias de krill (Euphausia superba), um camarão de 5 centímetros

Quantas restam: cerca de 1 000 indivíduos, de uma população inicial de mais de 200 000

Cachalote

Apesar do tamanho, não é classificado como baleia, pois possui dentes como os golfinhos.

Nome científico: Physeter macrocephalus

Comprimento médio: machos, 20 metros; fêmeas, de 12 a 15 metros

Peso médio: machos, entre 30 e 35 toneladas; fêmeas, cerca de 10 toneladas

Longevidade: em torno de 60 anos

Profundidade de mergulho: alcança até 3 000 metros

Tempo de submersão: pode chegar a uma hora

Região: é encontrado em todos os mares tropicais

Hábitos alimentares: as presas favoritas são os calamares e as lulas-gigantes

Quantos restam: algo perto de 425 000 indivíduos

Baleia-franca

Primeiro cetáceo caçado industrialmente. Ameaçada de extinção

Nome científico: Eubalaena australis

Comprimento médio: 14 a 16 metros

Peso médio: 50 a 60 toneladas

Longevidade: em torno de 30 anos

Profundidade de mergulho: 150 metros

Tempo de submersão: 20 minutos

Região: é encontrada desde a costa sul do Brasil (Oceano Atlântico) até a Califórnia (Oceano Pacífico), nos Estados Unidos

Hábitos alimentares: como a baleia-azul, alimenta-se de krill, além de outros pequenos crustáceos

Quantas restam: cerca de 1 700, de uma população inicial que foi estimada em 100 000

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