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Tesouros em nome de Deus

Histórias das preciosas imagens religiosas que estão escondidas em conventos e igrejas do Peru, Bolívia e Equador. Essas imagens foram feitas pelos indígenas sul-americanos para os conquistadores espanhóis que vieram para a América em busca de ouro e prata e os frades acabaram enterrando essas relíquias com medo dos ladrões internacionais.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h32 - Publicado em 31 ago 1991, 22h00

No caminho aberto por Cristóvão Colombo, vieram os conquistadores espanhóis em busca de ouro e prata americanos. Os indígenas, derrotados e subjugados, foram forçadamente convertidos ao cristianismo, e a serviço dos catequizadores transformaram seus metais preciosos em imagens religiosas. Boa parte desse tesouro está escondida hoje em conventos e igrejas distantes, espalhados por onde se estendiam no século XVI os povos inca e asteca. O jornalista Christian Gallissian e a fotógrafa Anne – Laure Baron – Siou percorreram por seis meses o interior do Peru, do Equador e da Bolívia atrás dessas riquezas, enterradas em criptas pelos religiosos com medo dos ladrões internacionais dessas valiosíssimas obras de arte barroca.

Os homens do Novo Mundo

Primeiro Cristóvão Colombo descobriu a América. Seguiram-se então os conquistadores: Hernán Cortez no México, Francisco Pizarro no Peru. Mais tarde a civilização asteca foi descoberta. Os espanhóis tinham ouvido histórias sobre o ouro e as fabulosas riquezas do império montanhês do Peru. Uma horda de aventureiros ambiciosos, bárbaros, astutos e sem piedade chegou até lá, liderada por Pizarro.

Quando chegaram ao Peru, assim como ao México, os conquistadores foram saudados como deuses. O império inca estava no meio de uma revolta e a liderança do império era contestada pelos rivais. Com a ajuda da tribo canãri, os espanhóis derrotaram o exército inca. Pizarro foi coroado rei do Peru. Recolhidos os espólios, os aventureiros espanhóis acabaram brigando entre eles.

Pizarro morreu pelas mãos de seu antigo capitão Almagro. Eles se matavam por ouro e poder. Minas de ouro – palavra mágica – e de prata, na Bolívia, iriam desencadear uma intensa febre por riqueza nos europeus.

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No tempo dos conquistadores, os incas eram um povo no ápice de sua civilização, versados em geometria, astronomia, cirurgia e arquitetura. O berço de sua civilização era Cuzco, no Peru. No seu auge, o império se estendia das fronteiras chilenas à atual Colômbia.

Os incas andavam de vale em vale por uma rede de trilhas montanhosas. Novas conquistas originaram o estudo de novas disciplinas e ciências como a logística. Lhamas eram usados para transportar comida e materiais para longe de Cuzco, capital do império. Nas tribos conquistadas, eles impunham seu sistema social. Em minas, nas montanhas, eles desenvolveram a extração de ouro e pedras preciosas. Adoravam o Sol, que chamavam Inti.

Atahualpa, o último imperador, caiu nas mãos dos espanhóis. Capturado por Pizarro, ele pagou um enorme regaste de ouro pela sua liberdade, mas nunca foi solto. Primeiro, os espanhóis pensaram em queimá-lo vivo, mas depois o batizaram e o enforcaram, como era feito com o condenado pela Inquisição que aceitava o batismo antes de morrer na fogueira. Os incas deixaram tesouros por todo o império, riquezas ainda procuradas pelo guaqueros (caçadores de tesouros em túmulos indígenas).

Os frades soldados

Frades dominicanos acompanharam os espanhóis na abertura de trilhas pelos Andes. Os frades soldados e os irmãos construtores vieram para converter os “selvagens”. Das ruínas do império inca eles construíram igrejas, sobre as fundações de templos incas destruídos. Abriram escolas de arte, ensinando pintura, escultura e diversas disciplinas.

Os indígenas já sabiam trabalhar a pedra e modelar o ouro. Riquezas enormes foram gastas na frente dos indígenas, oprimidos pela grandeza da Igreja. Os dominicanos produziam milhares de imagens artística da vida de cristo, para seduzir o povo conquistado, usando – as para cativar sua imaginação. Todas as suas riquezas iam para a igreja.

Os indígenas usavam símbolos incas como assinatura nas obras que faziam, obras que permaneceriam anônimas. Os irmãos foram seus primeiros professores. Logo chegaram artistas da Europa, das escolas italiana e flamenga. A arte clássica seria transformada por esse contato com a América do Sul. As escolas produziam tanta arte que as obras – telas, estátuas, cálices, roupas, ícones e outras peças – eram exportadas para outros países no continente.

A arte foi transformada pela mistura de influências artísticas e culturais. O movimento barroco iniciaria uma dimensão completamente nova, relegando o clássico ao velho continente. Milhares de igrejas foram construídas com tesouros em quantidades espantosas.

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Os padres, jesuítas rapidamente se tornaram a ordem mais rica e poderosa do continente, a ponto de amedrontar a Igreja em Roma. Expulsos, suas riquezas foram confiscadas por ordens vindas do Vaticano. Tudo ficou sob controle no Novo Mundo: os conventos, os monastérios, os carmelitas, os florescentes mosteiros, todos cheios de riquezas vindas de doações de devotos e indígenas.

As escolas: Cuzco, Quito e Potosí

A escola de Quito, no Equador, foi a primeira a abrir as portas em 1928. O padre Francisco Joost de Rijke, um amigo do imperador do Sacro Império Romano, Carlos V, foi o primeiro diretor da escola. A Igreja rapidamente compreendeu o poder das imagens em converter a população indígena. Como a televisão, as series de pinturas retraçavam a história de Jesus como uma novela primitiva.

Os indígenas admiravam e respeitavam a arte, e foram mais facilmente convencidos por imagens coloridas do que pela força armada. Em massa, e para a glória de Deus, eles tornaram – se pintores, escultores, ourives, tapeceiros e, é claro, cristãos.

As tribos subjugadas pelos incas por mais de 500 anos foram atraídas para estas novas culturas e estas novas ciências, que ofereciam novas opções nas suas vidas. Para elas, os espanhóis chegaram como libertadores.

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O que se seguiu foi um fenômeno sem precedentes na História. Um povo inteiro num estágio pré – colombiano de desenvolvimento criaria uma arte cristã indígena que iria afetar toda a arte do período. Este rompimento com o passado não poderia ser explicado pela força das armas ou por milagres forjados por zelosos missionários.

A resposta para esse fenômeno repousa em parte nas amostras de arte e design barrocos trazidos ao Novo Mundo pelos conquistadores – barroco que era uma revolta contra um estilo clássico, uma certa mentalidade e uma maneira de ver o mundo. O barroco tornou- se uma expressão da fé misteriosa dos índios. Em menos de um século, estas civilizações abandonariam suas tradições para esculpir e pintar imagens de Nossa Senhora e de Jesus Cristo.
A arte trazida pelos espanhóis foi expandida pelos índios e levada a novos extremos, recebendo novas formas que atingiram o sublime. Todas as escolas sul-americanas competiam em todas as formas de arte, esforçando-se para criar uma obra maior, mais rica e mais extravagante. A criação era uma maneira de chegar mais perto de Deus.

Quito, Cuzco e Potosí (na Bolívia) tornaram-se centros de grande atividade e são renomadas ainda hoje. As riquezas criadas permanecem uma parte da herança da humanidade. Largas somas de dinheiro tem sido levantadas para restaurar as igrejas e conventos nos quais muitos desses tesouros – peças de ouro, esmeraldas, rubis e diamantes em quantidades espantosas – estão escondidos.

A reportagem

Foram necessárias varias viagens a América do Sul para obter permissão de penetrar estes secretos esconderijos. Muitos padres e irmãos em vários monastérios e conventos somente nos permitiram a visita depois de numerosos contatos. Algumas jóias no tesouro de Quito valem milhões de dólares. O ostensório do Convento de São Francisco contém milhões de pérolas, centenas de esmeraldas, diamantes, rubis e vários quilos de ouro puro. Parte do tesouro desse convento foi doada pelo imperador Carlos V, e ficou trancada nos últimos 70 anos.

Os frades e padres são relutantes em mostrar seus tesouros. Somente o papa João Paulo II pôde ver as jóias de Quito, que não tinham sido removidas de seu esconderijo por muitos anos. Grupos internacionais de ladrões não hesitam em pilhar, quando o conseguem, agindo em nome de colecionadores sul – americanos e estrangeiros.

O tráfico de arte roubada chegou a tala ponto que medidas severas estão sendo tomadas, e será impossível ver esses objetos guardados em monastérios distantes. Tivemos sorte em poder vislumbrar esses tesouros escondidos em criptas subterrâneas. Seria ideal que os governos locais organizassem museus onde essas preciosidades da arte religiosa pudessem ser vistas por todos, com segurança.

Hoje, as igrejas estão se esvaziando. Os padres envelheceram e os novos para substituí-los não chegam a tempo. Há cinco séculos eles vieram param tomar dos incas o que estes tinham dominado por 500 anos. De acordo com um provérbio indígena “tudo vai retornar aos índios, é só uma questão de esperar”.

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