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Drogas o que fazer a respeito

Após um século tentando eliminar as drogas, o mundo descobriu que isso é impossível. Saiba então como conviver com elas.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h36 - Publicado em 31 dez 2001, 22h00

Rodrigo Vergara

Bálsamo ou veneno? Comida dos deuses ou maldição do diabo? Hábito natural ou desvio da sociedade moderna? Não há resposta certa ou fácil quando o assunto são as drogas. As pesquisas de opinião refletem essa ambigüidade. Quando abordam o tema, em geral mostram que estamos longe de um consenso. Mas as pesquisas revelam algo mais. Em meio aos números, nota-se que quase não há indecisos sobre o assunto. Ou seja, não importa de que lado as pessoas estejam, o fato é que todas elas têm opinião formada – e arraigada – sobre o uso de drogas.

Surpreende encontrar esse grau de convicção em um assunto tão complexo, com aspectos médicos, econômicos, sociais, históricos e morais tão sinuosos. Quem examina esse vespeiro percebe que a coisa mais rara de achar são respostas 100% seguras.

“Só há uma coisa certa sobre as drogas: é preciso haver informação. Informação de qualidade, desvinculada da moral, do poder econômico e das forças políticas”, diz o juiz aposentado Wálter Fanganiello Maierovitch, ex-secretário nacional antidrogas e um dos maiores experts no tema no Brasil.

É isso que tentamos oferecer a você nas próximas páginas: informação. Ao longo da leitura, você encontrará questões que raramente são formuladas a respeito das drogas. E outras que, apesar de formuladas há muito tempo, seguem sem resposta definitiva. Verá que os conceitos mais simples revelam contornos inéditos quando examinados à luz do debate. E conhecerá os interesses que até agora ditaram as regras do jogo.

Drogas

TABACO

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A nicotina é uma droga mais letal que a maconha e vicia com mais facilidade que a heroína; no entanto, é bem mais acessível que as outras duas

ECSTASY

As drogas sintéticas, fabricadas em geral nos países ricos, são as que tiveram maior aumento de consumo nos últimos anos

COCAÍNA

A política de redução de danos, que substitui drogas mais letais por outras menos agressivas, ainda não achou substituto para a cocaína

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HEROÍNA

Os opiáceos são a droga usada há mais tempo pela humanidade. Há registros de 8 000 anos sobre o poder da papoula

MACONHA

Uma das razões para a criminalização da maconha foi o lobby da indústria farmacêutica, cujos produtos concorriam com a erva

CRACK

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Uma das raras notícias boas sobre o crack foi um teste brasileiro que curou dependentes usando a maconha como degrau para chegar à abstenção

Como estamos lidando com o problema?

O modelo atual de combate às drogas busca nada mais nada menos que a abstinência completa das substâncias ilegais. Qualquer outro resultado que não passe pelo abandono dessas substâncias de uma vez por todas é considerado um fracasso. O argumento para chegar lá é forte: quem não largar o baseado ou a seringa vai para a cadeia.

Essa guerra tem três frentes de batalha. A primeira é tentar acabar com a oferta, ou seja, combater os fornecedores, os narcotraficantes. A Polícia Federal brasileira, que apreende toneladas de entorpecentes todo ano, trabalha nessa frente. Outro exemplo saído desse front foi a substituição de cultivo realizada na Bolívia e no Peru, pela qual os agricultores receberam incentivos para trocar a lavoura de coca por outras culturas.

A segunda frente de combate é a redução da demanda. Há duas maneiras de convencer o sujeito a não usar drogas, ou seja, de prevenir o uso das drogas. Além de ameaçar prendê-lo, processá-lo e condená-lo – ou seja, reprimi-lo –, pode-se tentar educá-lo: ensinar-lhe os riscos que determinada substância traz à sua saúde e colocá-lo em contato com pessoas que já foram dependentes.

A terceira frente de batalha é o tratamento. Chegar à eliminação das drogas não pelo ataque à oferta ou ao consumo, mas tratando aqueles que já estão dependentes da droga como vítimas que precisam de ajuda médica em vez de algozes que merecem repressão policial.

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Das três estratégias, a que tem recebido mais atenção e recursos é, disparado, o combate ao tráfico.

Após sucessivos aumentos do orçamento destinado à guerra contra as drogas, os Estados Unidos são hoje o país que mais gasta com isso. Há 18 anos, o país dispendia 2 bilhões de dólares nesse combate. No ano 2000, o governo federal, sozinho, torrou 20 bilhões nessa guerra – outros 19 bilhões foram gastos por Estados e prefeituras. Desse total, 13,6 bilhões (68%) foram usados no combate ao tráfico de drogas e 6,4 bilhões (32%) destinaram-se a ações de redução da demanda. Destes últimos, porém, mais da metade acabou financiando a repressão: prisão, investigação e processo de usuários. As campanhas educativas receberam 3 bilhões.

Em 1998, houve uma tentativa de correção de rumos. Em uma reunião da assembléia geral da ONU (com a presença do então presidente americano Bill Clinton e de Fernando Henrique Cardoso), a entidade fez uma recomendação, que todos os países membros assinaram, de que deveria haver mais equilíbrio entre os recursos destinados à redução da oferta e da demanda. Mas isso ainda não aconteceu.

A abordagem atual funciona?

Os burocratas resistem a admitir, mas o mundo já perdeu a guerra contra as drogas. É essa a opinião unânime dos estudiosos do assunto, desde a conservadora e prestigiada revista inglesa The Economist até o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, um dos mais liberais dentre os que já ocuparam a cadeira. Um bom resumo da opinião desses experts é a declaração de Bruce Michael Bagley, Ph.D. em Ciência Política na Universidade da Califórnia e consultor sobre tráfico e segurança pública: “A política antidrogas é um fracasso. As drogas estão mais baratas, mais puras e mais acessíveis do que nunca. E o consumo de drogas aumenta ao redor do mundo”.

Traduzindo suas palavras em números: no combate à oferta, as forças policiais apreendem apenas 20% da droga em circulação. Já pelo flanco da demanda, os tratamentos que visam a abstinência curam só 30% dos usuários. “Eu não sustentaria por um dia sequer uma campanha de vacinação que fracassasse em 70% dos casos”, diz o médico Fábio Mesquita, coordenador do programa de DST/Aids da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo e vice-presidente da Associação Internacional de Redução de Danos.

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De fato, se estivéssemos vencendo, o inimigo não estaria tão viçoso. A ONU estima que o tráfico movimenta 400 bilhões de dólares no mundo, equivalente ao PIB do México. Para comparar, a indústria farmacêutica global fatura 300 bilhões; a do tabaco, 204 bilhões; a do álcool, 252 bilhões.

O irônico é que a própria repressão sustenta esse vigor, graças a uma famosa lei de mercado – “quanto maior o risco, maior o lucro”. No caso da heroína, essa margem chega a ser de 322 000%. Um quilo de ópio custa 90 dólares no Afeganistão e 290 000 dólares nas ruas americanas. E 90% do preço final fica com os traficantes do país consumidor.

Correndo subterrâneo, esse rio de dinheiro vira uma fonte inesgotável de corrupção. No Brasil, a CPI do Narcotráfico calculou que o tráfico emprega pelo menos 200 000 pessoas no país, mais que o Exército, cujo efetivo é de 190 000 pessoas. Exercendo o trabalho para o qual é paga, essa gente causa outros problemas, como o aumento da criminalidade. É evidente: quem se dispõe a enfrentar a lei atrás de lucros enormes não vai se prender a outras convenções sociais.

Na Inglaterra, um estudo da Universidade de Cambridge calculou que dependentes de drogas são responsáveis por 32% dos crimes. “Mas, ao contrário do que se pensa, a violência não é decorrente do uso da droga, mas do comércio ilegal”, diz Mesquita. Sua opinião é confirmada por pesquisa da Universidade de Columbia, em Nova York: 21% dos presos por atos violentos em 1999 nos Estados Unidos cometeram seus crimes apenas sob o efeito do álcool, 3% haviam usado crack ou cocaína e 1%, heroína. Os demais estavam sóbrios.

Por outro lado, há nas cadeias uma multidão de pessoas pouco violentas presas por envolver-se com drogas. Nos Estados Unidos, são 400 000 pessoas (20% da população carcerária), sendo 180 000 por posse e 220 000 por tráfico. Detalhe: só em 12% dos casos houve arma de fogo envolvida. Ou seja, há 340 000 presos por envolvimento não-violento com drogas.

Enfim, são altos os custos da atual abordagem sobre as drogas. Mas os benefícios compensam? Nem de longe. Há, hoje, 180 milhões de usuários de drogas no mundo, segundo a ONU. Pior: dados de 112 países divulgados no mês passado pela entidade mostram que o consumo de maconha, cocaína, heroína e anfetamina aumentou em 60% das nações entre 1996 e 2001. Além disso, triplicou a produção mundial de ópio e dobrou a de coca, entre 1985 e 1996.

Exceção à regra, os Estados Unidos reportam uma redução de consumo desde os anos 70, mas são poucos os que atribuem essa redução à ação oficial. “A repressão tem mais a ver com o ritmo natural de uma epidemia: as pessoas vêem que quem usa tem problemas e, então, não usam”, diz o economista Peter Reuter, professor do Departamento de Criminologia na Universidade de Maryland, consultor do governo americano e considerado um dos maiores especialistas do mundo no tema.

Restaria uma justificativa moral para a manutenção da atual política: se a maioria acha que a guerra vale a pena, que se respeite a democracia. Mas nem nos Estados Unidos isso acontece: mais de 75% dos americanos acreditam que a guerra contra as drogas está sendo perdida.

Se perdemos a guerra contra as drogas, quem ganhou?

Do ponto de vista econômico, há ao menos cinco grandes beneficiados pelo modelo atual de combate às drogas.

1) O produtor

No caso da heroína, estão incluídos aí o agricultor que planta papoulas e o processador que faz da planta uma droga para consumo. Da renda obtida na venda final, o lavrador fica com 6% e o processador, com 2%, segundo estudo da ONU.

2) Traficante

Nos mercados de ópio da Ásia, o intermediário é mal remunerado: morde 2% da receita. Os outros 90% acabam no bolso do tráfico internacional, que arca com o risco de transportar a mercadoria até o consumidor.

3) Mercado financeiro

A dinheirama gerada pelo negócio não fica guardada no colchão do traficante, é claro. Quem presta esse serviço são os bancos que operam em paraísos fiscais e os governos dessas localidades, em que o sigilo é a alma do negócio.

4) Indústria de armas

Além de sustentar uma vida de rei para os criminosos, a renda do tráfico também é, digamos, reinvestida na produção. Em um negócio em que não se pode ter uma sede vistosa, isso significa proteção, armamento. “O tráfico financia indiretamente mais da metade das armas ilegais em circulação no país”, diz Luiz Eduardo Soares, ex-coordenador de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro e hoje secretário da Prefeitura de Porto Alegre. Nas favelas do Rio, os traficantes têm até mísseis antiaéreos.

5) Forças de repressão

Você poderia dizer que as forças de repressão (polícias etc.) são compostas por funcionários públicos, que – em tese, pelo menos – não fazem uso pessoal do dinheiro que lhes é confiado para viabilizar seu trabalho. Ainda que fosse assim, quem não quer o poder de administrar alguns bilhões de dólares? São, portanto, mais um beneficiário desse negócio.

O curioso é que, embora 90% da renda da droga fique nos países consumidores, ou seja, as nações ricas, essa receita ilegal faz mais diferença nos países produtores, em geral muito pobres. Comparada com o PIB dos Estados Unidos, de 11 trilhões de dólares, nem a receita global do tráfico faz medo: não chega a 4% da pujança americana. Mas, na Colômbia, o narcotráfico injeta no país o equivalente a 10% do PIB. Hoje, a Colômbia é certificada pelos americanos como zona de exclusão de drogas, um reconhecimento à simpatia do atual governo colombiano pela política antidrogas americana. “Mas, mesmo quando o país não tinha esse tratamento, a Colômbia nunca pediu socorro ao Fundo Monetário Internacional, tamanha a contribuição da droga no país”, diz Maierovitch, ex-secretário nacional antidrogas.

Os países ricos prestam mais atenção nos custos que as drogas lhes causam. O Canadá, por exemplo, gasta 14,8 bilhões de dólares (2,7% do PIB) com abuso de substâncias em geral, sendo 1,1 bilhão com drogas ilegais (atenção: 92% dessa verba é gasta com o abuso de drogas legais). Desses últimos, 6% vão para tratamento de saúde, 29% para repressão e 60% são desperdiçados com absenteísmo, morte e perdas de produtividade – quem usa drogas ganha, em média, 60% menos do que seria esperado para sua idade.

Afinal, o que é droga?

Depende. Do ponto de vista médico, “drogas são substâncias usadas para produzir alterações nas sensações, no grau de consciência e no estado emocional”, de acordo com a cartilha da Secretaria Nacional Antidrogas. Essa definição inclui maconha, cocaína e heroína, mas também café, chocolate e Prozac, sem falar no álcool e no cigarro. Do ponto de vista legal e jurídico, existem as drogas livres, que qualquer um pode comprar sem controle (álcool e cigarro); as de uso controlado (que podem ser compradas com receita médica); e as ilegais.

O que impressiona é que não há nenhum critério técnico que justifique a inclusão das substâncias em uma ou outra categoria. “À luz da ciência, não há ponto de corte”, diz o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, coordenador do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes, da Universidade Federal de São Paulo.

Heroína e cocaína causam dependência? Sim. Mas a nicotina, presente no cigarro que qualquer criança pode comprar na esquina, é, disparada, a droga com maior poder de criar dependência (leia quadro na pág. 55). Segundo a ONU, 1,5 bilhão de pessoas sofrem de alcoolismo, contra 55 milhões de dependentes de drogas ilegais. Além disso, algumas drogas ilegais, como o LSD, não causam dependência.

As drogas ilegais são proibidas porque causam danos à saúde? Evidente. Mas álcool e cigarro são as substâncias que mais matam no Brasil, segundo o médico Fábio Mesquita. “Não há lógica nenhuma na legalização ou não.”

Na verdade, a classificação das drogas muda de acordo com o lugar e o momento. “Muitas das substâncias hoje ilegais foram usadas durante milhares de anos para tratar dor e angústia mental e dar prazer”, diz o historiador Richard Davenport-Hines. Em seu livro The Pursuit of Oblivion (A busca do esquecimento, inédito no Brasil), ele lembra que, há poucas décadas, nos Estados Unidos anfetaminas e outras drogas foram consumidas por donas-de-casa infelizes, homens de negócio e “até pelo presidente americano John F. Kennedy, quando tinha que encontrar-se com líderes estrangeiros”, escreveu (leia texto sobre a história das drogas na pág. 60).

O Estado tem o direito de proibir o uso?

Roberto (nome fictício) foi preso fumando um baseado. Encarcerado, ele ficou matutando sobre a periculosidade de seus colegas de cela: um aplicou o golpe do bilhete premiado em uma velhinha; o outro tentou roubar um banco; e o terceiro matou a mulher. “E eu?”, pergunta-se. “Mereço ser isolado da sociedade? Quem eu ameaço estando em liberdade, além de mim mesmo?”

Em favor de seu cliente, o advogado de Roberto poderia citar a revista inglesa The Economist, que abraça a tese do filósofo John Stuart Mill: “A respeito de si mesmo, sobre seu corpo e mente, o indivíduo é soberano”. Esse raciocínio não só inocentaria Roberto, como impediria o Estado de se meter sobre o que cada um faz consigo.

Mas há uma brecha na teoria: se Roberto, depois de anos fumando maconha, tiver um câncer, o Estado terá que tratá-lo. O prejuízo seria coletivo. “O direito coletivo suplanta o individual. Todo mundo tem direito à propriedade, mas, se o Estado quer abrir uma avenida onde está sua casa, você vai ter que se mudar”, diz Wálter Maierovitch. Ou seja, se o simples uso da droga – não se trata aqui de crimes ou acidentes envolvendo usuários sob o efeito da droga, que são outra história – acarreta um custo social, o Estado teria o direito de se intrometer. Além disso, é dever do Estado proteger o cidadão. A obrigatoriedade do cinto de segurança segue o mesmo raciocínio.

“O detalhe”, diz Maierovitch, que é juiz aposentado, “é que há infrações cíveis, administrativas e criminais. O trato criminal serve para situações que geram intranqüilidade social, o que não é o caso do usuário de drogas. Ele deve ser resgatado, não criminalizado.”

É o que faz hoje Portugal, cuja legislação serve de modelo: lá, o porte de drogas é proibido, mas não criminalizado. A punição para os infratores é a mesma – para ficar no mesmo exemplo – de quem não usa cinto de segurança, ou seja, uma multa.

É preciso lembrar, porém, que o Estado em geral representa os interesses dos grupos mais influentes. “Nos Estados Unidos, a classe média, que tem grande influência sobre a opinião pública, tem muito medo de ver suas crianças envolvidas com drogas”, diz o cientista político Bruce Bagley.

Em muitos casos, e em especial no americano, os grupos mais próximos da burocracia são puritanos. “As drogas foram proscritas na América por americanos idealistas, que acreditavam que a natureza humana poderia ser tornada perfeita, que a virtude deve triunfar sobre o vício”, diz o historiador Richard Davenport-Hines.

Para o médico Fábio Mesquita, interesses econômicos também pesaram na decisão. “A maconha foi proibida, entre outras razões, por pressão da indústria farmacêutica, que produzia substâncias que disputavam com a erva o mercado dos remédios para abrir apetite, reduzir dor e enjôo.”

Para Milton Friedman, prêmio Nobel de Economia e defensor da legalização das drogas, a demora da burocracia oficial na correção da política contra as drogas é típica. “Em uma empresa privada, um programa fracassado é abortado assim que se detecta seu insucesso, para evitar prejuízo ainda maior. Um programa governamental ruim, não. Alega-se sempre que ele precisa ser um pouco diferente, um pouco maior e um pouco mais caro”, disse ele, em 1992, à revista alemã Der Spiegel.

Duelo de idéias

Conheça os argumentos de quem defende a criminalização e os de quem a combate

Por que usar drogas deve constituir um crime

1 – Fazem mal à saúde

Maconha provoca câncer, cocaína aumenta as chances de isquemia e ataque cardíaco. Além disso, o uso de drogas reduz a auto-estima e aumenta a chance de depressão

2 – Causam dependência

Cocaína, heroína e maconha causam vício com o uso freqüente. Estatísticas indicam que até 10% dos usuários de maconha ficam dependentes

3 – Incitam a violência

Na Holanda, 5 000 dos 25 000 dependentes de drogas são responsáveis por cerca de metade dos crimes leves. Na Inglaterra, eles respondem por 32% da atividade criminal

4 – As mais leves levam às mais pesadas

Quase todos os usuários de drogas pesadas já consumiram maconha. O governo americano diz que fumar maconha aumenta em 56% a chance de consumo de outra droga

5 – Sem punição, o uso vai aumentar

A Holanda liberou o uso de maconha e ele subiu 400%. Nos Estados Unidos, o uso de álcool caiu 50% com a Lei Seca (1920-33) e só voltou ao nível anterior em 1970

6 – Causam prejuízo à sociedade

Usuários de drogas consomem mais recursos do sistema público de saúde e têm produtividade menor

7 – Pervertem quem as usa

O uso da droga transforma pessoas produtivas em indolentes, responsáveis em inconseqüentes, cidadãos em párias

Por que as drogas devem ser descriminalizadas

1 – A criminalização faz mal à saúde

Tratar o uso como crime mantém os usuários longe do serviço de saúde. E o produto ilegal, vendido sem controle, é tão perigoso para a saúde quanto remédio sem bula

2 – Repressão não cura dependência

Criminalizar o uso afugenta os usuários ocasionais, mas não os viciados. E encarcerar dependentes não os livra da droga. Há tráfico nas cadeias

3 – Criminalidade cairia

A maior parte dos crimes relacionados a drogas decorre do comércio ilegal, não do uso ou do efeito psicoativo das substâncias. Além disso, o tráfico financia a compra de armas

4 – As mais leves não levam às mais pesadas

As pesquisas que fazem essa associação não são conclusivas. Como explicar, por exemplo, que a maioria das pessoas que usa maconha não migra para drogas mais pesadas?

5 – Descriminalizar reduz os danos

Descriminalizar não significa liberar, apenas parar de tratar o usuário como criminoso. A droga pode continuar proibida e o uso pode ser combatido com campanhas educativas

6 – A sociedade nada ganha com a criminalização

Hoje, quem lucra são os produtores, os traficantes, o mercado financeiro, a indústria de armas e as forças de repressão

7 – Cada um faz o que quer consigo mesmo

Ninguém tem o direito de dizer o que cada pessoa faz com o próprio corpo, desde que não cause prejuízo a ninguém

Que mal causam o usuário e o traficante?

Descriminalizar a droga pode fazer sentido quando se trata de um sujeito inofensivo como Roberto. Mas o que dizer dos inúmeros casos de pessoas que, sob efeito de uma substância psicoativa – legal ou ilegal –, furtam, roubam e matam? E dos traficantes, que, segundo a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, são responsáveis pela maioria das chacinas na cidade?

Cada caso merece tratamento diferente, mas é bom lembrar que a maioria dos usuários é como o Roberto, nada ameaçador. Segundo Arthur Guerra de Andrade, psiquiatra do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas, da USP, e coordenador do curso médico da Faculdade de Medicina do ABC, há vários tipos de usuários, de acordo com seu grau de dependência.

O primeiro é o usuário experimental. Nos Estados Unidos, no que diz respeito à maconha, metade das pessoas com menos de 40 anos, uns 70 milhões de pessoas, já experimentaram a droga. O segundo tipo é o usuário ocasional como o Roberto, que usa drogas socialmente. Uma pesquisa do governo americano mostra que, nos últimos 12 meses, 25 milhões de pessoas (12,4% da população maior de 12 anos) haviam usado alguma droga ilegal. Desses, metade havia feito uso no último mês. Os usuários severos, o terceiro tipo, que precisam de tratamento, são 3,6 milhões (1,7% da população).

O dependente é um problema para a sociedade porque ele perde o controle, consome a droga em situações de risco, causa acidentes e comete crimes. “Medidas repressivas reduzem o número de usuários ocasionais, mas a quantidade de dependentes, que é o que importa, não diminui”, diz Dartiu Xavier. E qual é a vantagem de impedir que usuários ocasionais de álcool ou drogas consumam essas substâncias? Além disso, há dependentes de todo tipo de coisa: sexo, jogo, comida e até trabalho. “Tem gente viciada em sexo, que transa com vários parceiros sem camisinha e transmite doenças. Mas nem por isso vamos proibir o sexo”, diz Xavier. Se essas pessoas causam acidentes ou cometem crimes, essas atitudes é que precisam ser penalizadas.

Para o economista Peter Reuter, a repressão só funciona se for um meio de obrigar as pessoas a levar a sério seus problemas com as drogas. “A política atual não tem sentido porque só tem sentido punitivo. E a punição não pode ser um fim em si mesmo”, diz.

De fato, experiências em curso sugerem que o que traz resultados é tratar, não reprimir o dependente. Na Suíça, clínicas de tratamento para dependentes de heroína recuperam dois terços dos pacientes e reduzem em 60% seus contatos com a polícia. Criminalizar o uso, porém, aumenta a distância entre o usuário e o remédio de que ele precisa. Na Holanda, onde a maconha é vendida legalmente e há bastante tolerância ao uso de drogas, 80% dos usuários estão em contato com os órgãos de saúde pública. No Brasil, menos de 2%. “O problema da droga é um problema de saúde e de educação”, afirma o ex-ministro José Carlos Dias.

O traficante, por sua vez, mereceria tratamento mais duro. “O fornecedor visa o lucro, o controle de partes da sociedade e o domínio de território. Ele causa dano social maior”, diz Wálter Maierovitch, ex-secretário nacional antidrogas. Se bem que o pequeno traficante, que vende a droga para manter o vício, se aproxima bastante da condição de vítima. “Ele deveria ter punição mais branda. Na prisão, ele só vai ser aperfeiçoado no crime”, diz Dias.

Como seria o mundo se as drogas fossem legalizadas?

Conheça as vantagens e as desvantagens de viver em um mundo onde o uso de drogas fosse liberado

Que ninguém se iluda: o primeiro efeito da legalização das drogas seria o aumento imediato do consumo, por várias razões. Primeiro, o preço cairia muito. Segundo Mark Kleiman, da Universidade da Califórnia, o custo de produção e distribuição da cocaína equivale a 5% do seu valor atual. Uma porção de maconha custaria o mesmo que um saquinho de chá. Não bastasse esse incentivo, o estigma social do usuário seria menor: ninguém precisaria esgueirar-se para fumar um baseado. Ou seja, o acesso às drogas, por mais rigorosa que fosse a legislação regulando seu comércio, seria muito mais fácil e seguro do que é hoje. Resta saber que regras adotar para cada droga.

Alguns, como Milton Friedman, ganhador do prêmio Nobel de Economia, acham que todas as drogas deveriam ser vendidas como são os remédios: pela indústria farmacêutica. Em seu mundo ideal, ele já vislumbra a heroína light e a cocaína de baixo teor. A idéia parece extravagante e acarreta várias desvantagens, mas teria pelo menos um benefício inconteste: obrigaria os usuários a procurar um médico, o que permitiria ao governo saber quantas pessoas consomem o quê no país. E drogas produzidas legalmente teriam controle de qualidade. Hoje, a cocaína vendida em São Paulo chega a ter 93% de impurezas.

Se bem que, no Brasil, esse benefício talvez não se concretizasse. Anfetaminas, por exemplo, são vendidas sob prescrição médica por aqui. Resultado: somos os maiores consumidores da droga. “O controle sobre medicamentos é muito ruim no país”, diz Fábio Mesquita. Não que a burla ocorra só aqui. Nos Estados Unidos, é proibido vender álcool a menores de 21 anos, mas 87% dos estudantes do ensino médio já tomaram uns tragos. Maconha, porém, só passou pelos pulmões de 46% deles. A diferença deve-se ao fato de que o uso da erva é crime.

Para o sociólogo Luiz Eduardo Soares, deveríamos legalizar as drogas aos poucos, começando pela maconha, que seria tratada como o álcool e a nicotina. “O álcool em nada difere das drogas ilegais. E estamos perdendo a guerra contra o álcool? Não. Estamos convivendo e aprendendo, difundindo o autocontrole, evitando efeitos sobre terceiros, coibindo a propaganda.”

A legalização permitiria taxar a venda de drogas. O dinheiro poderia financiar a prevenção e o tratamento de usuários. Diante dos preços atuais, mesmo um super imposto de 500% quebraria o comércio ilegal. O tráfico se transformaria em um negócio tão pouco atraente quanto é hoje o contrabando de cigarros.

Some-se a isso um controle sobre as armas e a criminalidade despencaria, diz Soares. “Os problemas socioeconômicos iriam se manifestar em algum lugar, mas o número dos crimes com morte cairia, porque o número de armas cairia e a fonte de financiamento para comprá-las estaria seca.” Os morros do Rio, por exemplo, poderiam ser finalmente reintegrados à cidade.

Existem alternativas eficientes?

Da maneira como foi formulada, a guerra contra as drogas está perdida desde o dia em que alguém escolheu como meta a erradicação completa e total. Tal façanha era e sempre foi impossível, admitem os especialistas. Mas o fato é que só agora isso saltou aos olhos da intelligentsia. “Nunca encontrei um administrador público que acreditasse de verdade que acabaria com as drogas. Mesmo os funcionários da agência americana de combate às drogas, a DEA, admitem isso quando conversam conosco”, diz o sociólogo Luiz Eduardo Soares.

Constatado o erro, os agentes públicos buscam agora uma meta que substitua a antiga utopia. E estão encontrando alternativas promissoras. A mais difundida é a redução de danos, que evita o erro anterior. Já que erradicar as drogas é impossível, tenta-se reduzir os estragos que elas causam aos usuários e à sociedade. Ou seja, as mortes, as doenças e o crime. Faz parte desse espírito, por exemplo, oferecer seringas a usuários de drogas injetáveis para evitar que eles compartilhem agulhas e contraiam doenças. Ou, como ocorre mundo afora, substituir uma droga ilegal por outra que cause menos prejuízo à saúde. “A redução de danos é claramente o caminho que os estudiosos e o mundo todo estão indicando”, diz Bruce Bagley.

A mais revolucionária experiência em curso hoje ocorre na Suíça. Lá, quem quiser usar heroína pode obtê-la de graça do governo. Parece piada, mas o Estado construiu clínicas para os usuários, com direito a parede branquinha, maca com lençol, seringa e até um enfermeiro para aplicar a injeção. Resultado: o tráfico e as mortes por overdose acabaram, todos os usuários estão sob cuidados médicos e muitos estão deixando o vício.

O Brasil também anda experimentando. Em São Paulo, dependentes de crack foram estimulados a consumir maconha. “Em oito meses, 68% deles largaram as duas drogas”, diz Dartiu Xavier, um dos autores da experiência, até então inédita.

Atrás de opções, os agentes públicos estão redescobrindo as campanhas de educação e prevenção. Segundo o instituto de pesquisas americano Rand Corporation, nos anos 90 esses programas foram 12 vezes mais efetivos que o combate ao tráfico e o encarceramento.

Mas nem os críticos da atual política querem paz para os traficantes. Nesse campo, as sugestões procuram otimizar o combate. O ex-secretário nacional antidrogas, Wálter Maierovitch, tem sua fórmula: controle eletrônico das transações financeiras, regulamentação dos paraísos fiscais e vigilância sobre os químicos necessários para a produção das drogas.

Drogas leves levam a drogas mais pesadas?

Entre os estudiosos, a “teoria da escadinha”, como é conhecida essa hipótese, é aceita por alguns e condenada por outros. As pesquisas existentes sobre o assunto, longe de esclarecer, são lenha extra para a fogueira. André Malbergier, coordenador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas da Unifesp, faz parte do grupo que defende essa tese e tem argumentos razoáveis. Primeiro, diz ele, o uso inaugural serviria para quebrar o gelo. “A pessoa que consome algo que altera seu estado de consciência fica mais vulnerável a usar outras substâncias que mexam com isso”, diz André. No caso de drogas ilegais, o uso romperia uma barreira moral. “O sujeito usa uma vez e não recebe punição. Pronto. Está aberto o caminho para outras ilegalidades”, diz ele. Por fim, existe a facilidade social. “O consumidor de maconha tem maior probabilidade de conhecer o usuário – e o traficante – de uma substância mais forte e mais letal”, afirma.

Há dados epidemiológicos que apóiam a teoria da escadinha. Segundo o órgão oficial americano de prevenção ao uso de drogas, quem usa maconha tem 56% mais chances de vir a consumir outro tipo de droga.

Quem critica a teoria da escadinha afirma que tais pesquisas são direcionadas. “Pergunta-se ao usuário de heroína se já usou maconha e liga-se uma coisa à outra. Se usarem o método em outros hábitos, vão descobrir que usar cigarro, beber cerveja, andar de ônibus e ter cachumba também leva a drogas mais pesadas”, diz o médico Fábio Mesquita.

Para Dartiu Xavier, que também não crê na teoria da escadinha, não existem drogas leves e pesadas. Tudo depende de como o usuário se relaciona com elas. Para um alcoólatra, que metaboliza bem o álcool, cerveja é droga pesada e cocaína, não. Para alguém que não tem limites alimentares, doce pode causar dependência. A escadinha sugere que uma droga desemboca na outra, mas a maioria dos usuários de maconha a abandona espontaneamente. “Quase todos os usuários de heroína ou cocaína já fumaram maconha, mas a maioria dos usuários da erva não consome heroína ou cocaína”, diz o economista Peter Reuter.

Uma tradição ou uma maldição?

Saiba como um hábito de 8 000 anos virou uma sina há um século

O pensamento único dos governos hoje em dia em relação às drogas faz parecer que elas sempre foram proibidas. Nada mais enganoso. Há apenas 80 anos, o uso das drogas hoje ilegais era tão comum que, até 1920, nos Estados Unidos havia lojas para quem quisesse fumar ópio. Maconha também podia ser fumada livremente até o início do século.

Na verdade, na história da humanidade, as drogas passaram muito mais tempo liberadas que proibidas. O ópio é, provavelmente, a primeira droga usada pelo homem: os poderes da papoula são conhecidos há pelo menos 8 000 anos. A coca já era usada pelos habitantes dos Andes há 2 000 anos. E há registros de uso da maconha como remédio em escritos chineses do século I a.C. “Ópio e maconha foram remédios tradicionais e valiosos usados por muitos séculos”, afirma o historiador inglês Richard Davenport-Hines.

A coca foi levada para a Europa pelos espanhóis e passou a ser consumida misturada com álcool. Com essa formulação, recebeu até um selo oficial do Papa Leão XIII. Em 1884, o americano John Pemberton inventou uma mistura de vinho, folhas de coca e grãos de kola, um tipo de tranqüilizante para os americanos, “o povo mais nervoso do mundo”, segundo seus anúncios. O álcool foi retirado da fórmula em 1886. Em 1901 e 1902, foi a vez da coca. Mas a bebida manteve o ótimo nome que havia recebido: Coca-Cola. A cocaína só foi descoberta em 1860 e era um anestésico cirúrgico muito usado. Em 1885, só o laboratório Merck produziu 83 toneladas da substância.

Os problemas com as drogas começaram com a multiplicação dos casos de abuso e dependência, em geral pacientes de meia-idade que se viciavam no remédio ou trabalhadores que procuravam alívio para sua vida diária. Já no século XVII, médicos alertavam para os perigos do ópio e, no final do século XIX, muitos pararam de prescrever a cocaína. Mas havia tônicos vendidos sem receita cuja composição era 99,9% cocaína.

Era preciso uma regulamentação e logo surgiram as primeiras. Mas o rigor e a maneira como elas foram adotadas revelam outros interesses além de proteger a população.

Havia muito racismo. Nos Estados Unidos, as campanhas alertavam que os negros enlouquecidos pela cocaína e os chineses sob efeito do ópio podiam fazer mal às mulheres brancas. E havia motivos econômicos, é claro. A fibra de cânhamo, derivada da maconha, concorria com fibras sintéticas recém-descobertas. Além disso, algumas drogas eram um obstáculo à sociedade industrial. “Até o início do século XX, a resposta oficial às drogas dependia se elas aumentavam ou não a produtividade humana”, diz Davenport-Hines. Não por acaso, as primeiras idéias de proibir o uso miravam só os trabalhadores. As drogas minavam sua capacidade de produzir.

O curioso é que a China, a primeira a proibir o uso do ópio, teve sua decisão desafiada pela Inglaterra, que lucrava traficando para os chineses. A divergência gerou duas guerras entre os dois países, em 1839 e 1857, vencidas pelos europeus, que abriram o mercado chinês. Não que os ingleses apreciassem o ópio. “É um artigo de luxúria, que não deve ser permitido a não ser para o propósito de comércio e que deve ser mantido longe do consumo interno”, escreveu Warren Hastings, governador da possessão britânica de Bengala, na Ásia.

Então, no início do século XX, os Estados Unidos tomaram duas iniciativas importantes: criminalizaram o usuário e pressionaram por um acordo internacional contra a venda de drogas. Mas que substâncias seriam proibidas? “As distinções entre as drogas legais e as apenas reguladas, como as anfetaminas, eram muito sutis e, às vezes, falsas. Boa parte dessas distinções devem-se ao lobby da indústria farmacêutica em prol de seus novos produtos”, diz o historiador.

É importante lembrar que, quando o uso foi criminalizado, as drogas já não eram vendidas livremente. Em muitos Estados, só médicos podiam fornecê-las. Depois, nem eles. Nos primeiros quatro meses sob a lei, 257 médicos e 40 dentistas foram processados. Em 1922, a Suprema Corte proibiu até que os pacientes recebessem doses decrescentes para curar a dependência. Em 1924, o uso medicinal da heroína foi proibido. Ao dependente só restava agir à sombra da lei ou abster-se.

O poder americano abriu caminho no mundo para sua visão sobre as drogas e sua política sobre as drogas expandiu o seu poder político. No final da Segunda Guerra, os americanos indicaram que não liberariam as colônias holandesas e britânicas ocupadas pelos japoneses durante o conflito se os governos coloniais não adotassem a proibição. Até então, os governos coloniais achavam que impor tal política às populações locais era imperialista e contraprodutivo.

Finalmente, em 1979, o presidente Richard Nixon lançou sua Guerra Contra as Drogas, que se revelou um fracasso, mas foi retomada depois por Ronald Reagan e George Bush (pai). “Foi um desastre proibir as drogas”, afirma Davenport-Hines.

Por que as pessoas se drogam?

O sentido de usar drogas varia de cultura para cultura e de momento para momento. Mas, por trás de todas as nuanças, o interesse do usuário é sempre o mesmo e o mais óbvio possível: a busca do prazer. E droga dá prazer, não há como negar. Por que, então, algumas pessoas usam drogas e outras não? E por que algumas pessoas usam uma droga e viciam, e outras não?

“A droga dá prazer, mas não para qualquer um. Tem gente que não gosta da sensação de ficar com a consciência alterada. Essas pessoas não voltarão a usar, porque ninguém fica dependente de algo que cause desprazer. O que prova que não é o acesso à droga que gera o uso”, diz o psiquiatra Dartiu Xavier. Além disso, algumas pessoas se dão bem com certas substâncias, mas não com outras. “A interação da química do usuário com a da droga é importante. O prazer obtido com essa interação é que vai nortear o risco de a pessoa querer usar mais”, diz o médico Arthur Guerra de Andrade.

O conhecimento humano ainda não permite saber, de antemão, quem vai virar dependente de uma substância. Mas as pistas indicam que os dependentes de droga têm dificuldades em sentir prazer e encontram nas drogas um alívio para o sofrimento que os atormenta emocionalmente.

O uso precoce é um dos fatores de risco mais importantes. Até os 16 ou 18 anos, a personalidade do jovem ainda não está desenvolvida, ele ainda está tentando encontrar sua forma de se relacionar com o mundo. Oferecer a ele uma fonte instantânea de prazer pode ofuscar sua visão para outros mecanismos saudáveis que, tanto quanto as drogas, têm o poder de alterar sua consciência e seus sentimentos, como os esportes, os estudos e as atividades artísticas.

Famílias pouco afetivas também povoam o histórico de muitos usuários regulares. É como se o sujeito possuísse um déficit afetivo, uma sede do prazer negado pela família. Essa lacuna ele vai ocupar de alguma maneira, muitas vezes com drogas.

Por fim, a prevalência de transtornos psíquicos entre usuários reforça a tese de que as drogas trazem alívio a quem as consome. Depressão, pânico, distúrbio de atenção e quadros de ansiedade são mais comuns entre usuários de droga. E, em geral, precedem o uso. Em São Paulo, uma pesquisa com 523 usuários de drogas identificou que 44% tinham doença depressiva. Desses, 77% já sofriam de depressão antes do contato com drogas. Ou seja: o uso de drogas é conseqüência e não causa desse desequilíbrio, desse desespero emocional.

A pressão social também favorece o uso de drogas. Mas não se trata, aqui, da influência de “más companhias” e, sim, de algumas das mensagens transmitidas à sociedade. Entre outros recados, ensina-se às crianças que a felicidade está ligada ao consumo e que a tristeza e a solidão devem ser eliminadas. “Estamos dizendo que a felicidade pode ser comprada e que tristeza e solidão devem ser evitadas a qualquer preço. Se você parar para pensar, a relação doentia entre consumidores e produtos é igual à que existe entre os dependentes e as drogas”, diz Dartiu Xavier.

Para Richard Davenport-Hines, que estudou a relação entre os homens e as drogas ao longo da história, o ser humano consome drogas porque isso simplesmente faz parte da sua natureza. “Seres humanos precisam ocasionalmente de momentos de fuga da sua existência costumeira. Alguns escalam montanhas, outros entram para monastérios, outros ficam completamente bêbados e alguns usam drogas. Não há nada natural em estar sóbrio.”

Para saber mais

Na livraria:

The Pursuit of Oblivion

Richard Davenport-Hines, Weidenfeld & Nicolson, 2001

Intoxicating Minds

Ciaran Regan, Columbia University Press, 2001

Food of The Gods

Terence McKenna, Bantam Books, 1992

Se Liga! O Livro das Drogas

Myltainho Severiano da Silva, Record, 1997

The Alchemy of Culture

Richard Rudgley, British Museum Press, 1993

Na internet

https://www.undcp.org

https://www.samhsa.gov

https://www.druglibrary.org

https://www.drcnet.org

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