Líder da Coreia do Norte teria matado irmão por causa de montanha
Mitologia coreana pode estar por trás do misterioso caso
A história recente do país mais fechado do mundo ganhou um novo episódio perturbador com a morte por envenenamento de Kim Jong-nam, meio-irmão do ditador norte-coreano, Kim Jong Un, no aeroporto de Kuala Lumpur. Duas mulheres foram presas suspeitas de ter atacado Nam, que vivia exilado e, supostamente, temia por sua vida. A primeira delas declarou que achava que estava em um programa de pegadinhas na TV que consistia em uma bobagem inocente: borrifar líquidos em homens de olhos fechados. A outra mulher estava hospedada em um hotel pulguento ao lado do aeroporto, teria cortado o cabelo na véspera e carregava muito dinheiro vivo – o que já faria de qualquer um suspeito típico e certeiro. Mas ainda tinha o detalhe cômico da camiseta: “LOL”, o que já começa a deixar a trama mais próxima de um thriller tonto de Seth Rogen.
Nesta sexta, o governo malaio disse que Kim Jong-nam foi atacado com VX, uma arma química letal. O governo da Coreia do Norte nega a história e diz que Kuala Lumpur informou que o homem morreu de ataque cardíaco e fim de papo. Mas espiões da Coreia do Sul acreditam que o homem foi, sim, assassinado. E mais. Nam teria sido morto em um complô arquitetado por longos cinco anos pelo irmão, com quem ele jamais teria se encontrado.
E isso por causa de uma montanha.
O Monte Baekdu é o mais alto da Península Coreana (2.744 m) e está no centro da mitologia coreana. É o berço do lendário Dangun, fundador do primeiro reino da Coreia, e, não coincidentemente, um lugar especial na mitologia contemporânea da Coreia do Norte. Kim Il Sung, grande líder do país e avô de Un e Nam, teria liderado a guerrilha contra os japoneses na base dessa montanha. Desde 1910, o Japão dominava a península, cometia atrocidades e lutava para extirpar a cultura e a língua coreanas do mundo. O Baekdu teria ajudado Kim II Sung a vencer os inimigos e a estabelecer a dinastia Kim no comando da Coreia do Norte, quando a Guerra Fria dividiu a península em dois países antagonistas, a capitalista Coreia do Sul e a socialista Coreia do Norte (que, tecnicamente, estão em guerra até hoje).
Kim Jong Il, filho Kim Il Sung, assumiu o poder após a morte do pai, em 1994. Com 1,57 m disfarçados por sapatos plataforma e penteados ousados, ele era fã de cinema (filmoteca de 20 mil títulos), gastronomia (lagostas eram rotina) e bebidas (champanhe, vinho e, especialmente, o luxuoso conhaque VSOP Hennessy). Nasceu na Sibéria, quando seu pai estava exilado na União Soviética. Mas isso é o que os detratores dizem. Na historiografia oficial do país, ele nasceu exatamente no Monte Baekdu.
A montanha está no emblema nacional norte-coreano e batiza mísseis, usinas e muitas outras coisas a natureza não dá, mas o homem cria. Por essas e outras, ela é tão importante na identidade nacional da Coreia do Norte e ajuda a explicar a misteriosa morte de Kim Jong-Nam. Irmão mais velho de Kim Jong Un, ele era tão “descendente” da montanha mágica quanto ele. Uma figura que ameaçaria o seu poder. Fora que destronar o ditador da vez e substituí-lo por um irmão ou outro parente no exílio não é nenhuma novidade na milenar história da Coreia, ainda mais quando se é irmão mais velho. Então, o “general de Baekdu”, como o inseguro presidente já foi chamado, teria eliminado o misterioso Kim Jong-Nam, um playboy gordinho que curtia apostas.
Mas Kim Jong Il teve, pelo menos, três filhos. O caçula é o todo-poderoso e o mais velho morreu. Resta o do meio, Kim Jong Chol, três anos mais velho que o líder supremo (que tem 33 anos). Ele foi poupado porque já teria sido tirado da jogada pelo próprio pai. Kim Jong Il teria dito que Kim Jong Chol é “efeminado demais”. Dele, sabe-se que vive em Pyongyang, é um sujeito recluso e um grande fã de Eric Clapton.
Localizado na fronteira da Coreia do Norte com a China, o Monte Baekdu é um belo vulcão com um lago no cume. Uma paisagem bucólica que, ironicamente, insufla os ânimos de um dos cantos mais belicosos e nervosos do mundo.