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Respostas para as perguntas que surgem entre a primeira e a última página e outras notas de rodapé sobre livros fundamentais – e outros nem tanto. Por Pâmela Carbonari
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Frida persiste porque as mulheres se reconhecem nela, diz biógrafo

Por Pâmela Carbonari Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 10 Maio 2018, 16h09 - Publicado em 8 Maio 2018, 21h28

Se existe uma verdade que não há como ser contestada na indústria cultural é a de que Frida é pop. E, ao que tudo indica, vai continuar sendo.

A mexicana transcende sua pintura. Suas frases estão emolduradas e tatuadas. Seu rosto estampa camisetas, murais e até a caneca que tomo chá enquanto escrevo este post. Seu trabalho não ficou para trás, continua incômodo, e mais icônico que quando ela mesma os expunha. Suas produções, sua história, seu pioneirismo e suas sobrancelhas dão cara à irreverência e foram ainda mais catalisadas por um recente processo (pelo menos ocidental) de tomada de consciência de gênero pelas mulheres.

Muito se fala do casamento tempestuoso da pintora com o muralista Diego Rivera, do grave acidente que sofreu na juventude, das consequências dessa tragédia que a obrigaram a ficar acamada e refém da própria saúde diversas vezes ao longo da vida. Agora, a extravagância habitual de Frida ganha contornos mais alegres, enérgicos e apaixonados em Frida e Trótski: a história de uma paixão secreta, de Gérard de Cortanze. O escritor, poeta e ensaísta francês têm mais de 50 livros publicados, sendo a biografia Frida Kahlo: La beauté terrible um deles.

Neste romance histórico lançado no Brasil pela editora Planeta, Cortanze narra o envolvimento da artista com o revolucionário bolchevique Leon Trótski. Em 1937, Frida e Diego receberam na famosa Casa Azul o criador do Exército Vermelho e a esposa, Natalia Sedova, que fugiam do fascismo e do stalinismo em busca de asilo. O resultado da obra é um vibrante relato artístico e político da Cidade do México, e do encontro de duas das mentes mais brilhantes do século 20 se encantando uma pela liberdade da outra.

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Conversamos com Gerárd de Cortanze:

Você já escreveu sobre outros personagens históricos importantes, como Ernest Hemingway e Paul Auster, por exemplo. O que mais te intriga na vida e na herança de Frida?

Frida sofreu horrivelmente, mas a vida dela não foi só sofrimento. É por isso que, neste livro, eu não mostro isso. A ideia dela como uma pessoa deficiente na cama, que não pode se mover sem a sua cadeira de rodas, é falsa. Sempre que podia, ela dançava e caminhava. Passeava pelo interior do México com Trótski e Breton, viajava para Nova York, Paris, ia a festas. Sim, Frida sofreu, mas usou o sofrimento para superá-lo. Como se ela estivesse abençoando-o, como se essa provação lhe permitisse encontrar uma felicidade que nunca teria sido dela se tivesse tido uma vida mais “fácil”.

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Frida e Diego receberam Trotsky e Natália Sedova na sua própria casa, a Casa Azul. Diego e Natalia sabiam do caso amoroso entre seus parceiros?

Em janeiro de 1937, Lázaro Cárdenas, então presidente do México, abriu as portas do país a exilados, aos perseguidos de todos os tipos. A pedido de Diego Rivera, que era seu amigo, Cárdenas concedeu asilo político a Leon Trótski e sua companheira de longa data, Natalia Sedova. De cara, os dois casais se deram bem, ficaram amigos. Frida, que mantinha um relacionamento acalorado com o marido, não tinha nem 30 anos. Trótski beirava os 60. O encontro deles foi de dois universos, dois cometas que nunca deveriam ter colidido. Foi essa trajetória do destino que me interessou tanto: por que dois seres que não tinham nada predestinado para se conhecerem se encontram e têm um relacionamento.

Mas todos sabiam que a relação entre o russo e Frida foi tórrida e efêmera(durou seis meses). Tanto que Natalia alertava o marido para acabar com o caso, não tanto por ciúme, mas porque esse amor proibido podia colocar em risco o asilo. Eles foram perseguidos durante anos, expulsos de todos os países onde encontraram refúgio. E no momento em que eles estavam mais tranquilos, distantes da Europa em guerra, da União Soviética stalinista, Trótski começou a ter um caso justo com a esposa do homem que lhe ajudou a conseguir asilo. Diego foi o último a saber e precisou de um ano para entender. Quando entendeu, foi atrás de Leon no Dia dos Mortos. Bateu na porta de Trotski e lhe ofereceu uma caveira de açúcar onde tinha escrito “Stalin”. Imediatamente, Leon deixou a Casa Azul, se instalou a algumas ruas de distância e não viu mais Diego. Os críticos dizem que os dois se afastaram por diferenças ideológicas, mas a razão é muito mais prática: Diego não queria mais ver Trótski, porque ele dormiu com sua esposa. E que ironia: Frida, esposa do comunista Diego Rivera, dormiu com a “doença infantil do comunismo”, Leon Trótski.

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O que mais te fascina na relação entre Frida e Trótski?

Talvez seja o aprendizado da tolerância. Um era membro do Partido Comunista e o outro era considerado pelo mesmo Partido Comunista como a doença infantil desse mesmo comunismo. E ainda assim eles se entenderam, se amaram, e mesmo que tenha sido efêmero, tiveram um projeto de vida juntos.

Você é um dos maiores biógrafos da Frida, mas o livro foi publicado como um romance histórico. Por quê? Foi uma opção para ficar menos refém dos fatos? Existem muitos documentos e registros históricos que comprovam o relacionamento entre os dois?

Não há nada sobre o assunto. Esse desafio em particular, como escritor, me interessou muito. Tive um enorme e emocionante trabalho de pesquisa. Me tornei uma espécie de Sherlock Holmes, rastreando todas as pistas, todas as evidências, organizando dados e informações. Tudo o que digo e escrevo é verdade. A imprensa da época, as testemunhas, diários, memórias: tudo foi útil para contar essa história. É claro que a arte do romancista intervém, se incrusta nesta realidade, penetra nas dobras e faltas deste tempo que não é meu, mas que eu recrio e revisito. Estou convencido de que o papel do romancista é preencher as impossibilidades narrativas deixadas pelos historiadores.

Hoje, a imagem da Frida, mais que sua produção artística, é um produto. Você acha que a popularização do feminismo foi o motor para que ela se tornasse tão vendável?

Não acho que possamos formular o problema dessa forma. Durante sua vida, Frida Kahlo foi esmagada pela forte personalidade do marido, Diego Rivera, pela importância do muralismo na história pictórica do México. Após sua morte, os papéis se inverteram. Hoje, quando se fala de pintura mexicana, a imagem da arte mexicana de Frida Kahlo surge como a força motriz por trás da máquina. Rivera foi essencial na história da pintura mexicana, mas não produziu descendentes. É bem diferente com Frida. Eu fui a muitos países para falar sobre o México e Frida: tem sempre um pintor que vem me contar sobre a influência que ela teve em sua pintura.

Quanto ao feminismo, é verdade que o reconhecimento de Frida foi, provavelmente, passado pelo trabalho dos movimentos feministas nos Estados Unidos que reconheceram em Frida uma igual, uma irmã. Mas não é só isso. Frida se tornou uma espécie de ícone, popstar. Há roupas Frida, acessórios Frida, a empresa que fabrica a Barbie acaba de colocar no mercado uma boneca Frida Kahlo. De qualquer forma, ela atravessa o tempo, porque sua pintura toca o coração, a intimidade, as mulheres se reconhecem nela, em suas lutas, em sua carreira. Sua luta pela vida, pelo amor, pela independência sexual e econômica. E que lição de vida é essa mulher lutando pela igualdade, lutando contra a morte e as doenças, lutando em um país onde as mulheres ocupam apenas os papéis secundários. O sucesso de Frida é que ela é moderna, contemporânea e que muitas mulheres jovens a veem como uma guia, uma mestre amorosa.

Para você, qual foi a principal busca de Frida? A arte, a política ou o direito à irreverência?

Seu grande desespero permaneceu na esterilidade: ela, que teria amado ser mãe, não pode ter filhos. Me parece que esse é o grande problema de sua vida, mais do que o acidente, mais do que as recorrentes mentiras de seu marido Diego Rivera. Ela chegou ao ponto de pedir a um amigo médico que lhe desse um feto que ela guardou em uma prateleira da casa de Coyoacán. A questão de seu suicídio permanece em aberto: acidente, overdose, gesto voluntário. No meu romance, optei por essa última hipótese, porque me parece a mais plausível. Não acho que ela tenha dito tudo o que tinha para dizer, mas que ela não tinha mais forças para dizer o que ainda tinha a dizer, para pintar o que ainda tinha que pintar. Frida faz parte daquelas pessoas que nunca terminam em si mesmas, que acham que ainda têm algo para contribuir, alguma resposta para encontrar. O que eu quero manter dessa jornada, e o sentido que queria dar ao meu romance, é esse desejo insaciável de viver e amar. Tanto que o título provisório do livro, ao qual ainda estou apegado, era: Um amor de Frida Kahlo.

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