O Uruguai tornou-se nesta quarta-feira a primeira nação do mundo a vender a maconha controlada pelo Estado. O “maço” é uma embalagem lacrada, com advertências sobre a proibição para menores, sobre os riscos da droga para saúde e prazo de validade da erva – de 6 meses. O pacotinho com 5 gramas custa o equivalente a 20 reais. Ou seja, a 4 reais por grama o governo colocou a maconha legalizada pelo mesmo preço da proibida e prensada que vem do Paraguai. Foi o prometido pelo governo desde o princípio: concorrer, centavo a centavo, com o mercado ilegal para arrancar dos traficantes o faturamento com a maconha.
A erva da farmácia é mais limpinha, em pelo menos dois sentidos. Primeiro, porque a grana que ela movimenta não vai parar na mão do tráfico para compra de armas ou pagamento de propinas. Depois, porque é feita com controle de qualidade digno de um produto que se vende na farmácia.
Mas a “droga oficial” é mais fraquinha, também, com apenas 2% de THC. Para se ter uma ideia, estudo da Polícia Civil de São Paulo encontrou média de 5,5% de THC nas amostras apreendidas no Estado em 2010 – é a mesma maconha que circula no tráfico de Montevidéu, produzida e prensada no Paraguai. Ou seja, teoricamente, o usuário que comprar na farmácia vai ter que fumar um baseado de 2 a 3 vezes mais comprido para ter a mesma onda que o que compra na boca de fumo.
Por outro lado, além da limpeza literal e figurada, ele também vai usar uma droga potencialmente mais segura. É que as duas variedades “oficiais”, a Alfa 1 e a Alfa 2, têm 7% e 6% de canabidiol (CBD), respectivamente. E o CBD, que ficou famoso no Brasil por seus efeitos convulsivantes, também tem a capacidade de inibir alguns indesejados do THC, como seu potencial de causar ansiedade e episódios psicóticos.
Um uruguaio que provou a novidade hoje mesmo disse a este repórter que “o CBD te deixa com a mente clara e disposto”, ao contrário da maconha paraguaia, que deixa o usuário sem energia. “Ela é muito boa, dá um astral legal”, diz o usuário, que ainda contraria uma hipótese levantada por críticos, de que a erva não daria onda. “Dá bastante!”
A erva da farmácia também têm, para os usuários, a vantagem de produzir uma experiência mais agradável para os fumantes. Porque os prensados paraguaios são famosos por chegar aos pontos de venda literalmente mofados, com fungos e altas concentrações de amônia, subproduto da decomposição da droga no longo período em que ela permanece estocada e escondida, entre sua produção e seu consumo.
O ponto mais fraco desse início de vendas no Uruguai é o pequeno número de farmácias que estão vendendo a maconha do governo. Apenas 16 farmácias já estão na ativa. É muito pouco, mesmo para um país menor que o Paraná, com uma população equivalente à do Distrito Federal.
Na capital, onde estão 3 mil dos quase 5 mil usuários cadastrados para comprar, são apenas 4 lojas. Imagine filas, muitas filas. Hoje de manhã, elas estavam lá, lotando calçadas, apesar do vento e dos 8 graus. Então não é preciso ser especialista em marketing ou varejo para saber que, se quiser concorrer para valer com o tráfico, o governo uruguaio vai precisar expandir suas “bocas de fumo”.
Essa escassez dos novos pontos de venda é consequência dos velhos preconceitos da “era antiga”, pré-legalização. Os donos de farmácias, liderados por sua associação nacional, acham que a droga para uso recreativo não deveria ser vendida em um local que vende remédios. O governo aposta, porém, que o número de farmácias logo vai crescer, conforme as primeiras lojas mostrarem que a venda é segura e não vai afastar os clientes de aspirina e etc.
Será preciso um pouco mais de tempo para confirmar a adesão dos usuários e das farmácias à “erva oficial”, então ainda é cedo para dizer se a legalização do Uruguai vai cumprir sua principal missão: tirar do tráfico parte importante do seu faturamento.
Mas já se pode dizer que, apesar de tocar o projeto com toda a calma que caracteriza seu povo, o Uruguai está muito à frente de todos os outros países do mundo na busca por uma política de drogas que funcione e proteja todos os cidadãos. Não apenas os usuários, e não apenas dos males que o uso abusivo de drogas pode causar, mas também dos problemas de segurança e convivência causados pelo tráfico. Como a corrupção policial e judiciária, os tiroteios e as balas perdidas que, aqui no Brasil, já se tornaram tão corriqueiros que não merecem nem nota de jornal.