A revolução industrial do Tinder
Se um economista fosse analisar o mercado da sedução, concluiria que ele é mais ineficiente que as ex-empresas do Eike. O que não falta são dificuldades operacionais, custos insanos e riscos desmedidos. Ir para uma balada, por exemplo: sai caro, demanda um baita tempo e, pelo menos para os homens, ainda tem o fator Rocky […]
Se um economista fosse analisar o mercado da sedução, concluiria que ele é mais ineficiente que as ex-empresas do Eike. O que não falta são dificuldades operacionais, custos insanos e riscos desmedidos. Ir para uma balada, por exemplo: sai caro, demanda um baita tempo e, pelo menos para os homens, ainda tem o fator Rocky Balboa: “Não importa quantos socos você consegue dar, mas quantos você consegue tomar”, diz Rocky. Na noite funciona igual: suportar uma sequência de foras e manter a fleuma é fogo. Coisa para campeões.
Mas esse mercado talvez já tenha mudado. Para sempre. E para melhor, graças a aplicativos que deixam a operação de conquista mais enxuta. É o caso do Tinder. Para quem não conhece: se a sua avó visse a interface da coisa, iria achar que se trata de um jogo de cartas com polaroids no lugar do baralho. Primeiro, você entra no app e seleciona o perfil das pessoas com quem quer “jogar”, tipo “mulheres de 25 a 35 anos”. Nisso, o app mostra a foto de alguma mulher dessa faixa etária cadastrada ali. Se você gostou, dá um like. E vem outra foto. Se não gostou, dispensa. E vem outra foto… Bom, lá do outro lado, alguma mulher selecionou ver homens. E ela pode ter dado um like em você. Se você também deu um nela, parabéns: o Tinder avisa que rolou um “match” ali, que vocês se gostaram. E abre uma espécie de WhatsApp para a conversa começar.
Não fica nisso. O app dá preferência para mostrar gente que esteja geograficamente perto de você, o que facilita a transformação do encontro virtual num de verdade. No fim das contas, cinco minutos de Tinder acabam valendo por cinco horas de balada. É um ganho de eficiência comparável ao da Revolução Industrial. E com um extra: você não sente quando toma um fora. Se der like em alguém e não receber um de volta, pode se confortar com a ilusão de que o outro não viu sua foto lá no meio.
Não que tudo isso seja 100% novo. A internet e a sedução andam de mãos dadas desde o Cambriano Inferior – quando trilobiotas caçavam membros dos sexo oposto no chat do UOL. Mas a coisa estava longe do ideal: você precisava de uma fé razoável para acreditar que o ser humano que se identificava como “gatinhamanhosa” era de fato gatinha, ou manhosa, ou mulher. As salas de chat, enfim, eram bem menos eficientes que as baladas.
Para resolver isso, em pouco tempo apareceram os sites dedicados especificamente à conquista, com softwares que ajudavam a selecionar pares. Vieram o OkCupid, o Match.com, o Parperfeito… Seja como for, você precisa fornecer um monte de informações para a coisa funcionar: só o OKCupid exige o preenchimento de formulários com centenas de perguntas. Uma burocracia soviética.
O Tinder dribla tudo isso. E com tecnologias que, nem de longe, foram criadas para facilitar conquistas amorosas. O GPS começou como um sistema militar nos anos 70. Depois migrou para o mundo civil, até alcançae a onipresença absoluta. E agora permite que solteiros encontrem outros solteiros no mesmo bairro. Com os smartphones é parecido. Eles nasceram para levar o poder de computação de um PC para o bolso. E agora esse poder ajuda a selecionar parceiros – à velocidade da luz. Mais: quem verifica a identidade das “gatinhasmanhosas” de hoje, com alguma segurança, é o Facebook, que surgiu para… Não. Mark Zuckerberg criou sua rede justamente como uma brincadeira sexual. Foi em 2003, quando estudava em Harvard e desenvolveu o avô do Face de hoje, o Facemash. O programa colocava na tela duas fotos de meninas da universidade, uma ao lado da outra, e os estudantes votavam em qual era a mais bonita. Aí vinha outro par de fotos. E mais outro… Tosco. Mas ainda assim parecido com o que o Tinder faz hoje. Certas coisas nunca mudam… Só ficam mais eficientes.
O perigo é que a coisa seja eficiente demais. É que o jogo tradicional da conquista também serve para os parceiros em potencial mostrarem suas habilidades em situações adversas – como o ambiente competitivo de uma balada, ou do campus da faculdade, ou do trabalho. Sem esse elemento, encontrar a melhor tampa para a sua panela talvez fique é mais difícil. E isso não tem nada de eficaz.
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Fiz este texto com o Pedro Burgos, editor do genial Oene, para a Super de janeiro.