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Tudo sobre o nada: 4 grandes fatos a respeito do vazio

O nada é bem mais que uma simples ausência. Ele compõe a maior parte do seu corpo, pode destruir buracos negros e é o começo e o fim do Universo.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 17 Maio 2023, 17h20 - Publicado em 24 abr 2018, 17h12

1. Seu corpo é feito de nada

“Você não é de nada.” Essa frase está errada. Você, na verdade, é de nada. Mais precisamente, 99,9999999999999% do volume do seu corpo é vazio puro. Oco.

E quando eu digo “nada”, por favor, não entenda “nada” como o espaço que há entre os seus olhos e a tela do computador. Isso aí é ar, e ar é alguma coisa: nitrogênio, oxigênio, vapor d’água. Estou falando de outro tipo de vazio.

Lembra a ilustração clássica do átomo, em que um núcleo, feito de prótons e nêutrons, é rodeado por elétrons? Ela está errada. Os elétrons ficam bem mais longe do núcleo do que o senso comum imagina.

Pense no mais simples dos átomos, o de hidrogênio, feito de um único próton rodeado por um elétron igualmente solitário. O raio de um átomo de hidrogênio, chamado constante de Bohr, é 5,3 · 10-8 milímetro. Ou seja: 0,000000053 mm. Sim, isso é inconcebivelmente pequeno – você precisaria enfileirar 750 mil desses átomos para alcançar a espessura de um fio de cabelo. Mas o núcleo de um átomo de hidrogênio (o próton) é bem menor: 8,4 · 10-13 milímetro.

Se o núcleo tivesse o volume de uma cabeça de alfinete, o átomo seria mais ou menos do tamanho do Estádio do Maracanã. Seu corpo é feito disso, um mar de Maracanãs desertos, cada um com uma cabeça de alfinete no centro. Os elétrons são os torcedores na arquibancada – no caso do hidrogênio, um único torcedor, em um único assento.

É claro que você não é feito só de hidrogênio. Dos seus 7 · 1027 átomos – 4 milhões de vezes mais do que os grãos de areia do deserto do Saara –, 65% são de hidrogênio, mas eles correspondem a só 11% do peso do seu corpo, porque são mais leves. Em segundo e terceiro lugar vêm o oxigênio (1,8 · 1027, ou 25%) e o carbono (0,7 · 1027, ou 10%). Os demais elementos aparecem em quantidades bem menores. Átomos diferentes têm tamanhos diferentes, mas o espírito da coisa se mantém. Toda a matéria que forma o seu corpo, ou seja, todos os prótons, nêutrons e elétrons dentro de você, caberiam num espaço menor que uma lasca de unha. O resto é vazio puro.

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Isso leva a outra pergunta: se nós temos tanto vazio, então como é que pode sermos tão sólidos?

2. Correção: você provavelmente não é de nada

Se nada do que você leu até aqui fez sentido, não se preocupe. A ideia que elétrons são como planetinhas comportados, dando voltas perfeitas num vazio em torno do núcleo do átomo, pertence à física clássica. E os físicos já sabem há quase um século que, quando estamos lidando com coisas muito pequenas, há outro conjunto de equações que descreve a realidade com muito mais precisão: as da física quântica.

Não pense, porém, que a física quântica vai preencher seu imenso vazio interior. Pelo contrário: ela vai transformá-lo em uma mera possibilidade. Imagine o seguinte: o elétron não é um torcedor comum, sentado em uma das poltronas numeradas do Maracanã, em uma posição pré-definida pelo ingresso. Ele é uma espécie de ninja, que pode estar em qualquer cadeira, a qualquer momento. O melhor que você pode fazer para tentar encontrá-lo é criar um gráfico de possibilidades. Um gráfico que mostra qual é a chance de ele estar em cada uma das cadeiras do estádio.

E viva com isso, pois o problema não é que o ninja na verdade está em algum lugar, você só não consegue determiná-lo. O problema é que o ninja efetivamente está em todos os lugares e em nenhum ao mesmo tempo. Se o átomo for de urânio, que tem 92 prótons e 150 nêutrons no núcleo, o que temos são 238 cabeças de alfinete no meio do campo e 92 ninjas que podem estar em todos os lugares do estádio ao mesmo tempo.

“Falar em órbitas e regiões vazias é um resquício da visão clássica”, explica a astrofísica Adriana Mancini, da Associação Leibniz, na Alemanha. “O que há [na física quântica] é uma descrição matemática do estado físico de um sistema.” O gráfico que mostra onde o elétron pode estar – a tal descrição matemática – é chamado “função de onda”. Dá para dizer que a função de onda ocupa continuamente todo o volume do átomo. Uma função de onda não se sobrepõe a outra, caso contrário você poderia facilmente enfiar um átomo na órbita de outro – e o fato de que você é sólido e não atravessa paredes é a prova de que isso não é possível. O elétron praticamente não tem volume, mas, mesmo assim, é como se cada um deles estivesse espalhado por todo o volume do pequeno estádio atômico.

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As posições que um elétron pode assumir em um átomo são chamadas de “níveis de energia”. De forma muito simplificada, dois deles não podem ocupar o mesmo nível de energia. Quando você pressiona a mão contra a mesa, você está, na escala mais minúscula possível, tentando forçar seus elétrons e os da mesa a “dividir o quarto”. Ninguém tem força suficiente para tal coisa. E é por isso que o mundo é sólido.

Imagem de uma gema e clara de ovo no ar, em movimento
O nada é como um ovo. No fundo, é feito de duas coisas: a clara e a gema dele são a matéria e a antimatéria. (Tomás Arthuzzi/Superinteressante)

3. Quase nada

Uma fração de segundo depois do Big Bang (e põe fração nisso: 0,0000000000000000000000000000000000000000001 segundo, ou 10-43), a temperatura do cosmos era algo como 1032 graus Celsius – não me obrigue a digitar 32 zeros, já deu para entender que isso é quente. Nessa época não existiam galáxias: mal havia as partículas que dariam origem aos átomos necessários para construir as galáxias.

O que existia eram campos de energia, campos que mudavam de valor com muita, muita violência. O que leva a outra pergunta: que diabos é um campo de energia?

Bom, você já entendeu que na mecânica quântica não dá para calcular a posição exata de uma partícula, só a probabilidade de encontrá-la em diferentes lugares. Em outras palavras, partículas também se comportam como ondas. Parece difícil entender como algo pode ser ao mesmo tempo uma onda e uma partícula, mas não é.

Veja só: você está mergulhado em campos eletromagnéticos, que, entre outras coisas, permitem que seu celular e sua TV funcionem. Esses campos nada mais são do que o “lado onda” dos fótons, as partículas microscópicas transmissoras da luz. Fótons são como Bruce Wayne. Têm identidade dupla.

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É que toda força fundamental da natureza é feita de duas entidades: um campo de energia e uma partícula associada a ele – uma partícula responsável por gerar esse campo. Fótons geram campos eletromagnéticos, e o eletromagnetismo é uma dessas forças fundamentais. A gravitação, outra força, também tem sua partícula: o gráviton. E por aí vai.

Quando faz um calor de 32 casas decimais, como no início de tudo, os campos de energia oscilam feito a barriga de um buldogue correndo. Se você pudesse observá-los na forma de um gráfico, veria uma montanha-russa, com vales e picos extremos. Conforme o tempo passou e o Universo esfriou, porém, essas oscilações se suavizaram e todos os campos passaram a tender a zero. Esse zero é o que você chama de vácuo, ou nada.

Um desses campos primordiais, porém, congelou de um jeito meio engraçado quando a temperatura esfriou. Em vez de se acomodar em zero, ele se estabilizou um pouco para cima no gráfico do Universo – isso significa que ele se manifesta o tempo todo, em todos os cantinhos do espaço-tempo, sem ser chamado. Ele é chamado campo de Higgs, batizado em homenagem ao físico Peter Higgs, que previu sua existência.

Se você acha que não tem nada a ver com isso, achou errado. O campo de Higgs, por estar “bugado”, interage em diferentes graus com todas as partículas – inclusive os elétrons, prótons e nêutrons que compõem você. Os fótons de um raio de luz passam batido por ele, mas as partículas do seu corpo, não. Elas se arrastam como se o campo fosse um óleo pegajoso. E a esse esforço que você precisa fazer para se mover, mas a luz não, damos o nome de massa. Sim, aquela que as balanças medem em quilogramas.

Ou seja: se não fosse essa propriedade curiosa do nada – do vácuo – você simplesmente não seria. É por isso que o Bóson de Higgs – a partícula associada ao campo de Higgs – foi apelidada de “partícula de Deus”. O bóson em si nem é importante assim, diga-se. Quem realmente conta nessa história é o campo. A partícula só deu aquele bafafá todo quando foi descoberta, em 2013, porque sua existência provava por tabela que o louco campo de Higgs é real.

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Imagem de um ovo quebrado
Tudo no Universo tende à desordem. E o cúmulo do caos é o nada. (Tomás Arthuzzi/Superinteressante)

4. E tudo vira nada

Mas calma. O campo de Higgs é só um entre vários campos, cada um com a sua partícula associada. Esses campos não flutuam mais como flutuavam no início do Universo – viraram linhas estáveis no gráfico do espaço-tempo. Acontece que a física quântica não gosta de estabilidade. Para ela, há só uma chance de que o campo esteja estável, não uma certeza absoluta. Se calhar de aparecer um pico de energia aleatório em algum ponto do campo, esse pico dará origem a uma partícula. Do nada. O tempo todo, em todo o Universo – inclusive aí, debaixo do seu nariz –, partículas minúsculas brotam no vácuo.

O problema é que o nada paga um preço para virar algo. Da mesma forma que + 2 – 2 dá zero, com toda partícula que o nada gera aparece, de brinde, uma antipartícula. Igual, mas perfeitamente oposta. E assim que o par partícula-antipartícula se tromba, uma aniquila a outra, e o vácuo se torna estável novamente. Volta a ser nada. Como resumiu uma vez o físico Brian Greene: “Talvez o nada seja algo intrinsecamente instável, que tenda sempre a se transformar em alguma coisa e em antialguma coisa”.

Em 1973, Stephen Hawking descobriu que, quando esses pipocos de criação de partículas acontecem do ladinho de um buraco negro, elas roubam massa dele. O monstro gravitacional, então, acaba desvanecendo até sumir na forma de uma radiação sutil.

E isso tem uma consequência: um dia, depois que nem a Terra nem o Sol existirem mais, tudo o que existe terá sido engolido por buracos negros. E aí eles terão todo o tempo do mundo para virar radiação. A essa altura, não haverá mais diferença nenhuma entre os átomos que costumavam compor animais ou pedras, planetas ou estrelas. Todos estarão distribuídos na forma de energia pura, cuspida pelos buracos negros.

A desordem do Universo, então, alcançará o grau máximo, e nada pode reverter esse processo, da mesma forma que um ovo quebrado não volta a ter sua delicada casca sozinho. Mexer nessa massa disforme será como agitar água: mudar a posição das moléculas de H2O não muda a aparência final do líquido. Essa é a hipótese mais plausível sobre o fim dos tempos: tudo irá se metamorfosear em um grande nada. Bem, valeu a pena. Entre o nada do começo do Universo e aquele do futuro, afinal, aconteceu alguma coisa: tudo.

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