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A ciência do sexo

Afinal, como a ciência pode melhorar a sua vida sexual?

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h46 - Publicado em 31 Maio 2003, 22h00

Denis Russo Burgierman / Bárbara Soalheiro

Pesquisadores de diversas áreas elegeram como prioridade dar ao mundo um sexo melhor. Pênis erguidos por substâncias químicas, órGãos sexuais mapeados milimetricamente, orgasmos planejados no laboratório. Afinal, como a ciência pode melhorar a sua vida sexual?

O ano era 1954. Masturbação era pecado, homossexualismo era crime, posições sexuais, que se soubesse, havia uma só. Impotência, ejaculação precoce, anorgasmia, fetiche, sexo oral, sexo anal, prazer, orgasmos múltiplos, clitóris não eram assuntos para serem discutidos à mesa. Aliás, não eram assuntos para serem discutidos em lugar nenhum. Naquele ano, um fisiologista da Universidade do Missouri iniciava seu projeto de pesquisa.

Bill Masters era o nome dele. Parte de seu trabalho tinha a ver com um objeto que ele criou: um pênis de plástico com uma câmera no seu interior. O aparelho, instalado sobre uma cama, era acoplado a uma roda de ferro. Quando a pessoa deitada na cama, uma mulher, girava a roda, o pênis de plástico descia, entrando numa parte da anatomia feminina que câmera nenhuma jamais havia filmado.

Masters fez mais. Recrutou homens e mulheres casados, ligou neles sensores para medir seus batimentos cardíacos e sua transpiração e colocou-os para transar. Aí chamou homens e mulheres que jamais haviam se visto e fez o mesmo, para comparar. Completos desconhecidos passaram semanas praticando intercurso, fazendo sexo oral e se masturbando numa sala, na bucólica Universidade do Missouri, nos saudosos idos de 1954.

Para a maior parte do mundo, aquilo tudo não passava de safadeza mal disfarçada de ciência. Para Masters, tratava-se de considerar o sexo um ato natural, que portanto se prestava à investigação científica. Mais: ele estudava sexo não apenas para entender a reprodução humana. Masters estava interessado em algo que a ciência até então ignorava redondamente: os mecanismos do prazer. E saiu por aí dizendo que as pessoas – em especial as mulheres, as mais oprimidas na cama, e não apenas pelo peso dos corpulentos maridos – têm direito a gozar.

Masters publicou seus achados com a co-autoria de Virginia Johnson, com quem, depois de anos discutindo sexo, acabaria se casando. Junto com um outro pioneiro, Alfred Kinsey, autor do famoso Relatório Kinsey, uma monumental série de entrevistas que desvendou o que os americanos faziam na cama, publicado entre 1948 e 1953, Masters e Johnson abriram o caminho para o mundo de hoje.

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Agora, sexo é um ato natural, está provado. Natural e faz bem, provou-se também. Quem tem uma vida sexual saudável tem índices menores de estresse, o que pode repercutir em vários aspectos da vida, desde melhorando a pele até atrasando a morte, ao prevenir doenças sérias. Há Viagra nas farmácias, terapeutas sexuais em cada esquina, livros em profusão prometendo um caminho fácil e rápido ao nirvana orgásmico. Milhares de pesquisadores se dedicam a aumentar o prazer da humanidade, seja com mágicas bioquímicas, seja explorando os meandros da mente, seja resgatando técnicas milenares e testando-as no laboratório.

Temos direito ao orgasmo. Temos direito ao prazer. Depois de meio século de pesquisas, desenvolveu-se um arsenal variado para combater todos os males que afligem as camas do planeta. Qualquer pessoa, se quiser, pode melhorar a qualidade do seu sexo. Nas próximas páginas, você vai conhecer esse arsenal. No final, está convidado a tomar parte da discussão do momento: que mundo é esse que os seguidores de Masters estão criando? Ou, em outras palavras, para que tudo isso?

Sexo na farmácia

Em 1998 a Pfizer exorcizou o fantasma da impotência – ou, na linguagem politicamente correta mais em voga, “disfunção erétil”. Foi sem querer – o Viagra era um remédio para tratar pressão alta, a ereção foi apenas um bem-vindo efeito colateral. Mas, depois disso, parecia não haver limites para os recursos da indústria farmacêutica na luta pelo prazer.

O Viagra, medicamento mais vendido do Brasil, vulgo “diamante azul”, apelido devido à forma e à cor do comprimido, acaba de ganhar dois aliados nessa luta. Aliás, aliados coisa nenhuma. Eles são concorrentes pesados no já imenso mercado de drogas contra a impotência – movimenta 100 milhões de dólares ao ano no país. O Levitra, a “pastilha rosa”, resultado de uma união entre as gigantes Bayer e Glaxo, chegou ao Brasil no dia 5 de maio, anunciado numa coletiva de imprensa realizada num motel, para o qual os jornalistas foram conduzidos de helicóptero, uma não tão sutil referência ao movimento ascendente que o remédio promete. Já o Cialis, ou “amêndoa amarela”, do laboratório Eli Lilly, também está à venda desde o mês passado. Os dois chegam com a intenção anunciada de serem líderes do mercado hoje monopolizado pela Pfizer. Viagra, Cialis e Levitra custarão todos mais ou menos o mesmo preço. Que é alto. Quase 100 reais pelo pacote de quatro comprimidos.

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O Levitra aposta nos menos favorecidos ao lançar uma embalagem de apenas um comprimido por quase 30 reais.

Todos agem de maneira parecida. Eles bloqueiam temporariamente a PDE5, uma enzima que funciona como comporta na represa que é o pênis. Explicando: uma ereção acontece porque a excitação masculina provoca o relaxamento dos músculos nos corpos cavernosos do pênis. Relaxados, eles viram uma esponja e encharcam-se de sangue. Aí o dito-cujo fica duro. Se ficasse duro por duas ou três horas, o pinto caía. Sangue parado, você sabe, gangrena. Para evitar essa tragédia, o corpo produz a tal PDE5, que solta o sangue e o deixa voltar a circular. Os princípios ativos do Viagra, do Levitra e do Cialis são sutilmente diferentes um do outro. Mas todos fazem o mesmo: desligam a PDE5.

Os dois remédios novos chegam prometendo vantagens, embora não haja ainda pesquisas comparativas. A Bayer e a Glaxo afirmam que o Levitra age mais rápido – em 15 minutos, contra 40 do Viagra – e tem menos efeitos colaterais – não causa alterações na visão, mas, assim como o concorrente da Pfizer e o Cialis, pode dar dor de cabeça e entupir o nariz.

Já o Cialis aposta na duração do efeito. Quem toma a amêndoa amarela fica sujeito a ereções a qualquer estímulo por até 34 horas, contra menos de oito horas para seus dois concorrentes. O pessoal da Eli Lilly diz que isso dá mais naturalidade para a relação. O sujeito não precisa tomar o remédio logo antes de transar, pode consumi-lo antes mesmo do encontro e ficar preparado para o que der e vier. Já os concorrentes falam que tanta duração é uma desvantagem. “Imagine o inconveniente se o sujeito for andar num metrô lotado no dia seguinte”, diz um médico da Bayer, com um sorriso malicioso.

De qualquer forma, a longa duração pode ser um atrativo a mais do Cialis para os “usuários recreacionais” desses remédios: aqueles que tomam não porque têm disfunção erétil, mas porque querem turbinar o sexo. Um efeito de 36 horas pode ser bem aproveitado numa “festinha” de fim de semana, diminuindo o período refratário, aquele tempo que todo homem precisa entre uma ejaculação e uma nova ereção – uns minutinhos aos 18 anos, algumas semanas na velhice.

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O uso recreacional preocupa os especialistas. “Existe a possibilidade de que o Viagra cause dependência psicológica”, diz o médico Alfredo Romero, diretor do Instituto Brasileiro para Saúde Sexual (Ibrasexo), em São Paulo. Noventa por cento dos diamantes azuis da Pfizer são vendidos sem receita médica – apesar da tarja vermelha na embalagem. O grande perigo da venda indiscriminada é o fato de que hoje se sabe que raramente disfunção erétil é um problema isolado. Na maioria dos casos, ela está ligada a alguma doença que pode ser séria: hipertensão, diabetes, depressão, colesterol alto. Por isso é fundamental que o paciente vá ao médico para obter a receita. Só assim ele saberá do seu estado de saúde e se cuidará, em vez de tratar só a disfunção erétil e maquiar sintomas de algo mais sério.

A indústria farmacêutica, otimista, acha que seus remédios não melhorarão apenas o sexo. Melhorarão também a saúde, porque levarão os homens aos médicos e os estimularão a tratar seus males de maneira adequada. Hoje, um homem com problema de ereção demora em média 5,6 anos para procurar um especialista, segundo dados do Ibrasexo. E isso é perigoso. Muitos diabéticos deixam de tomar as vitais doses de insulina porque elas podem causar também uma dificuldade de ereção.

Outro espectro que apavora os homens é o câncer de próstata. Uma conseqüência freqüente da operação de próstata é a disfunção erétil que se segue à cirurgia. Pois, nos testes, o Levitra tem se mostrado eficiente para reerguer até esses pacientes. A depressão é outra doença que amolece muitos pênis pelo mundo. Pois os laboratórios afirmam que seus remédios aumentarão a auto-estima de seus usuários, auxiliando no tratamento da própria depressão. Ou seja, os laboratórios estão alardeando que suas pastilhas ajudam a curar quase tudo.

A euforia, portanto, é grande. Pudera. Entre 10 e 15 milhões de homens brasileiros têm disfunção erétil. Isso sempre foi encarado como um desses fatos incontornáveis da vida. A especialista em sexo Carmita Abdo, da Universidade de São Paulo, diz que a porcentagem de homens com problemas de ereção coincide mais ou menos com a faixa etária. Ou seja, 20% dos homens na faixa dos 20 têm disfunção erétil, 80% na dos 80. Trata-se do maior problema sexual entre os homens do mundo – no Brasil, afeta 46% deles, segundo pesquisa do Projeto Sexualidade, coordenado por Carmita. Pois essas pílulas, em testes, têm dado resultados em sete a nove de cada dez pacientes.

E tem mais: de acordo com a mesma pesquisa, o segundo problema mais freqüente entre homens é a ejaculação precoce, que atinge 16% dos portadores de pênis. Define-se um ejaculador precoce como um sujeito que goza sempre antes de penetrar a parceira ou logo ao fazê-lo. Carmita acredita que o Viagra e seus concorrentes trarão alívio também a muitos desses homens. Isso porque ejaculação precoce pode ser causada por insegurança – o sujeito ejacula rápido com medo de perder a ereção. Ou seja, saem beneficiados os afligidos pelos dois maiores problemas sexuais masculinos do Brasil. Claro que tudo isso gerou um grande otimismo. Boa parte do público antevê uma época em que todos os problemas sexuais serão tratados por pílulas mágicas.

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Não é tão simples assim. Disfunção erétil é algo simples: não passa de uma questão, digamos, “hidráulica”. Há problemas bem mais complexos e, para esses, ainda não existe remedinho salvador. As mulheres, assim como os homens, manifestam sua excitação sexual com um aumento do fluxo sanguíneo na região dos genitais. Ou seja, teoricamente, um remédio como o Viagra poderia também deixá-las prontas para o sexo. Ainda assim, os testes com Viagra em mulheres foram desapontadores. Isso talvez tenha a ver com o fato de que os problemas sexuais femininos geralmente vão além de um vazamento na represa de sangue.

Homens e mulheres com falta de desejo, um dos problemas sexuais mais difíceis de tratar e, ainda assim, dos mais relegados pelos terapeutas sexuais e pela indústria farmacêutica – não têm tantas razões para celebrar. Viagra, Levitra e Cialis funcionam apenas para homens que têm o mecanismo de desejo intacto. Os outros, algo como 15% dos machos entre 18 e 59 anos, nem põem para funcionar o aparato bioquímico no qual esses remédios interferem. O laboratório Abott até tentou atacar o problema com o medicamento Uprima, que age diretamente no sistema nervoso central, estimulando a ereção. Mas os resultados ainda deixam a desejar.

Os pesquisadores acenam com outras possibilidades. Uma substância apelidada de PT-141, administrada por spray nasal, cuja ação no cérebro recai diretamente sobre o hipotálamo, controlador dos estímulos sexuais, tem se saído bem em testes com animais. Daí a chegar às farmácias tem um longo caminho. Ou seja, não há dúvida de que a indústria farmacêutica trouxe avanços. Mas ela ainda não nos colocou num mundo perfeito.

Sexo e o corpo

Mas talvez a chave para o sexo bom não esteja num remédio. Talvez ela esteja em nós mesmos. Um exemplo incrível do quanto as pessoas desconheciam seus próprios corpos antes que Masters, Johnson e Kinsey abrissem as portas para a busca pelo prazer é a história do hoje famoso “ponto G”.

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O fugidio pedacinho de pele fica num lugar bem acessível, na parede superior da vagina, a mais ou menos meio dedo de profundidade, em frente ao clitóris, só que do lado de dentro. Achá-lo é fácil. Basta colocar o dedo dentro da vagina, com a ponta dele encostada no teto, e ir afundando-o. Você vai notar que a parede vai ficando cada vez mais alta até chegar a um ponto culminante, antes de começar a baixar de novo. Esse ponto culminante é o ponto G. Pouco antes desse vale, há uma área de pele enrugada, com textura parecida com a do céu da boca. Estimular o ponto e a pele enrugada paciente e lentamente – seja fazendo um movimento de “venha cá” com o dedo ou esfregando lá o pênis – pode ser um atalho para o orgasmo feminino. E ninguém sabia disso até outro dia.

A história do ponto G ilustra a repressão que cercava as pesquisas sobre prazer sexual. “G” vem de Gräfenberg – Ernst Gräfenberg, o ginecologista e obstetra alemão que descobriu o tal ponto em 1950 e morreu sete anos depois, antes da fama.

Nos anos 70, dois médicos americanos que tratavam mulheres com incontinência urinária notaram que algumas delas tinham características diferentes das outras. Para começar, elas possuíam o músculo pubococcígeo, PC para os íntimos, bem forte. O PC é o músculo que homens e mulheres usam para fechar a passagem de urina. Em quem tem incontinência urinária, como é de se esperar, ele é fraquinho. Estranho alguém com essa musculatura tão desenvolvida não conseguir segurar o xixi. Outra coisa estranha. Essas mulheres só tinham incontinência em uma situação: durante o sexo. Mais especificamente, no orgasmo ou pouco antes dele.

Em 1980, os dois médicos, chamados John Perry e Beverly Whipple, encontraram uma explicação para o mistério. As mulheres não sofriam de incontinência urinária. O líquido que elas soltavam não era urina. Ele vinha da uretra, era inodoro e sua composição era praticamente idêntica à do fluido da próstata masculina, que, misturado aos espermatozóides, forma o esperma. Em resumo: as mulheres estavam ejaculando.

Por séculos – e até hoje em muitos lugares –, mulheres que ejaculavam foram forçadas a passar por cirurgias que, muitas vezes, arruinaram seus orgasmos. A ejaculação feminina não é novidade: povos na África e na Ásia a conhecem faz tempo. Mas a ciência ocidental nunca ligou para isso porque jamais tinha se preocupado com o orgasmo. Menos ainda com o feminino.

E o que isso tem a ver com o ponto G? Perry e Whipple descobriram que a ejaculação feminina quase sempre era provocada pela estimulação da região mapeada por Gräfenberg. Descobriram mais: que ela, mesmo quando não leva à ejaculação, pode trazer orgasmos muito intensos, e é uma disparadora freqüente dos tão perseguidos orgasmos múltiplos. Foram eles que deram o carinhoso nome do ponto G. Foram eles, também, que iniciaram uma calorosa polêmica.

Muitos especialistas dizem que o afamado ponto não existe. Que os orgasmos não passam de reflexo da estimulação indireta do clitóris. “É um consenso que o terço externo do canal vaginal é a área mais sensível, mas não há confirmação sobre um ponto específico”, diz Maria do Carmo Andrade Silva, que criou no Rio de Janeiro o primeiro mestrado brasileiro de sexologia. Outros, concordando com Perry e Whipple, afirmam que o ponto G não apenas existe, como provoca orgasmos totalmente diferentes, que seguem uma rota nervosa diversa da do clitóris. O fato é que a tal região é uma zona erógena da mais alta qualidade para muitas mulheres e merece exploração.

Tudo isso é prova do quanto o corpo feminino era desconhecido até pouco tempo atrás. Mas também no corpo masculino havia território a ser explorado. Estou falando da próstata, o “ponto G masculino”. Descobriu-se que ela reserva ao homem um orgasmo muito intenso. Não é à toa que os homossexuais sentem prazer no sexo anal. Desnecessário dizer que, até bem pouco tempo atrás, a ciência não dava a mínima para o prazer sexual dos homossexuais.

Mas, para estimular a próstata, uma glândula que fica logo à frente do reto, não é necessário forçar a entrada por esse orifício tão delicado para os machos latinos – embora haja quem afirme que um dedinho bem colocado… Ah, meu Deus, precisamos mesmo falar disso? Um outro jeito de estimular a próstata é pressionando o períneo, a área que fica entre o escroto e o ânus do homem.

Sexo no Oriente

Pressão no períneo. Ejaculação feminina. Ponto G. Tudo isso tem soado como novidade no Ocidente. Mas, no Oriente, essas coisas são mais velhas que Confúcio. Os taoístas da China conhecem o poder do períneo há três milênios – eles denominaram um ponto naquela região de o “ponto de 1 milhão de moedas de ouro”, uma referência a quanto valia o conselho de um sábio que ensinasse onde ele era. Árabes e indianos também tinham complexos manuais de sexo.

Será que isso prova que a ciência ocidental não vale nada frente à sabedoria ancestral do Oriente? Claro que não. Prova apenas que nossa sociedade relegou as pesquisas sobre prazer sexual a um segundo plano por muito tempo. Nada mais natural que, com a nova ênfase surgida nas últimas décadas e exacerbada na era do Viagra, os cientistas se interessassem em testar em laboratório as idéias sobre sexo dos sábios do Oriente.

Uma das correntes mais surpreendentes é a que se baseia no Tao, o sistema filosófico chinês simbolizado pelo símbolo do yin-yang. O fisiologista tailandês Mantak Chia é um dos autores que têm se destacado na difusão dessas técnicas sexuais. Junto com o escritor Douglas Abrams, ele ajudou a formular aquilo que os dois chamam de “kung fu sexual”. Calma, não há socos e chutes na cama, kung fu significa apenas “prática”.

A idéia básica é a de que todo mundo, inclusive os homens, é capaz de obter orgasmos múltiplos. Sim, meu caro leitor, você leu certo. Para tanto, tudo o que o sujeito tem que fazer é aprender a ter orgasmos sem ejacular. O primeiro passo para isso é fortalecer o tal músculo PC. Para saber que músculo é esse, comece a urinar. No meio da função, interrompa o fluxo. Pronto, você achou o PC. Os taoístas recomendam que homens e mulheres contraiam e relaxem o tal músculo várias vezes, sempre que lembrarem, na fila do cinema, em casa, no trabalho. Valem tanto séries de contrações curtas quanto manter o músculo tenso por alguns segundos. Os especialistas ocidentais em sexo já aceitam que um músculo PC forte realmente leva a orgasmos mais intensos e facilita o gozo de mulheres com dificuldades para chegar lá.

Mais difícil para um ocidental entender é a técnica taoísta de evitar a ejaculação na hora do orgasmo. Chia e Abrams aconselham o sujeito a parar de se movimentar alguns segundos antes, contrair o PC com força, jogar toda a “energia” do pênis para o períneo, contrair os músculos da bunda e o esfíncter e arremessar essa energia pela espinha para cima, até o crânio. Deixe a energia circulando por seu cérebro por alguns segundos, encoste a língua no palato e a libere para descer de novo por entre as sobrancelhas, pelo nariz, garganta, coração, até a barriga.

Nada disso faz muito sentido para um cientista ocidental. A palavra “energia” já provoca suficientes arrepios. Mas, seja lá o que essa técnica envolver, o fato é que ela, bem ensaiada, faz com que nenhuma gota de esperma pingue. E uma coisa os cientistas puderam constatar: medições de batimentos cardíacos mostraram que homens que dominam a técnica são capazes de ter seqüências de vários orgasmos. Mulheres que querem se tornar multiorgásticas também devem fazer o mesmo com a energia na hora de gozar.

A recusa da ejaculação tem semelhanças com as técnicas indianas de sexo tântrico, propagadas por alguns mestres de ioga. Ou “yôga”, como dizem os seguidores do Mestre De Rose, dono de uma grande franquia de escolas de ioga e popularizador desse método. De Rose é menos democrático que os taoístas. Ele acha que sexo tântrico não é para todos, apenas para pessoas “especiais”, e afirma que os interessados só podem aprender o caminho se tiverem um mestre. Mas a idéia central é a mesma: a de preservar e acumular a “energia” sexual, evitando a ejaculação e tendo orgasmos cada vez mais intensos.

Sexo na cabeça

Talvez uma possível explicação para o sucesso das técnicas orientais baseadas na “energia” esteja num outro fato recentemente aceito. O de que o sexo bom muitas vezes se resolve na cabeça, e não naquilo que está entre as pernas. A bem da verdade, isso não é tão novidade assim. Nosso amigo Masters, já nos anos 50, culpava a educação repressora das jovens americanas pela dificuldade de se chegar ao orgasmo.

Encontrei num simpático par de livros escritos nos anos 50 por um médico americano chamado Harold Shryock um bom exemplo do que Masters chamava de “repressão”. Os livros são O Moço e Seus Problemas, envolto em capa azul-clara, e A Moça e Seus Problemas, de capa cor-de-rosa. Na versão masculina do livro, Shryock diz que “a masturbação não deve ser praticada. Ela consome a reserva de força vital, deixando o indivíduo cansado, apático e alquebrado”.

O livro das moças dedica mais páginas a criticar a masturbação e o faz com um tom mais apavorante. Afirma que, para evitar os “efeitos trágicos” da masturbação, é importante que a adolescente não passe muito tempo sozinha. Shryock chega a dizer que as jovens masturbadoras ficam privadas “de grande parte da alegria de viver”.

Não é de estranhar que jovens educados com essas lições vejam o sexo com pouca naturalidade e que sintam culpa por ter prazer. Pesquisas mostram que meninas repreendidas na tenra infância quando punham a mão sobre o sexo – um ato de natural curiosidade – tendem a gozar menos na vida adulta. Hoje, 30% das mulheres brasileiras raramente chegam ao orgasmo.

A ejaculação precoce também tem sido vista como uma filha da repressão. Garotos acostumados a se masturbar trancados em banheiros, prendendo a respiração, assustados com a possibilidade de chegar alguém, tendem a aprender a gozar rápido – e a estabelecer a rapidez como um padrão para sua vida sexual futura.

É por isso que psicoterapia tem sido vista como uma forma eficiente de combater esses males – e os problemas sexuais em geral. Para as mulheres anorgásticas, recomenda-se relaxar, focar menos no orgasmo e aproveitar o caminho. Os ejaculadores precoces devem fazer o contrário do que aconselha a sabedoria popular (pensar num jogo de futebol ou cantar mentalmente o hino nacional). Eles se sairão melhor se concentrarem-se na relação sexual, focando sua atenção no prazer e buscando o controle.

Com tantos males causados pela repressão ao sexo, é natural que os terapeutas sexuais do mundo repitam sempre a mesma ladainha: fale mais sobre sexo. Isso vale para a educação das crianças, que não podem crescer achando que fazer sexo é errado. E vale, muito, para as relações: as ficadas, os namoros, os casamentos. “Mesmo que você esteja com o parceiro há 20 anos, não significa que sabe tudo sobre ele”, diz o psicólogo Paul Joannides, autor do best seller Prazer e Emoção, um guia de sexo que se autodefine como o mais legal que existe. Parceiros devem dizer um ao outro do que gostam – e do que não gostam. “E não vá achando que você vai aprender tudo em uma noite”, diz o escritor.

Para que tanto sexo?

Bill Masters morreu em 2001, com 85 anos. Seu legado está exposto acima. Cinqüenta anos depois de suas pesquisas pioneiras com pênis de plástico, remédios resolvem impotência, a fisiologia feminina foi mapeada, a ciência passou a olhar a sério para as práticas sexuais do Oriente. Fala-se cada vez mais abertamente sobre sexo. Em resumo, o mundo está melhor. Será?

“A pesquisa de Masters era basicamente sobre novos modos de medir a performance física – o que ajudou a nos colocar no caminho da pesquisa do sexo mecânico: a viagrificação das relações sexuais”, escreveu Leonore Tiefer, talvez a maior sexóloga viva, que apelidou Masters de “Vasco da Gama da vagina interior”. Leonore é uma feminista e está incomodada com os rumos do mundo. Mas… Uma feminista criticando o legado de Masters? Não foi ele que transformou o orgasmo em um direito da mulher? “A confiança de Masters na biologia evoluiu para uma forma bem americana de pressão pela performance sexual – pelo orgasmo a qualquer custo”, afirma ela. Orgasmo não é mais um direito. É um dever.

As manchetes nas revistas, todos os meses anunciando uma novidade imperdível, vão virando imposições. É como se a mulher incapaz de gozar fosse menos mulher – inadequada, ultrapassada, reprimida. O homem que não tem orgasmos múltiplos ou não é tântrico é um inapto. Pessoas com vidas sexuais normais e satisfatórias têm visitado terapeutas reclamando que não conseguem ter orgasmos simultâneos. A cobrança vai enchendo os relacionamentos de mágoa e tirando a naturalidade do sexo. Homens ficam frustrados ao não verem suas parceiras ejacularem, como nos livros. As mulheres os acusam de não serem eficientes na estimulação do seu ponto G. A busca de prazeres cada vez maiores, de orgasmos novos e mais estremecedores virou uma corrida. E criou um novo problema sexual.

Problema que adquire dimensões trágicas em fenômenos como a proliferação das clínicas de cirurgia para aumentar o pênis. “Nunca vi um caso bem-sucedido de cirurgia para aumento peniano”, diz Eric Wroclawski, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia. “Vejo sim pacientes com cicatrizes horrorosas, que perderam a sensibilidade.” As cirurgias, que implicam ou a adição de tecido gorduroso na glande, para aumentar seu volume, ou a soltura da base do pênis, para que ele fique mais “para fora”, têm inúmeros efeitos colaterais. Entre eles, a perda do vigor da ereção e a sensação de que o pênis está “solto” do corpo.

Tudo isso se deve em parte à confiança exacerbada que se espalhou pelo mundo na era do Viagra. Ficou parecendo que, com os avanços da ciência, tudo é possível. Que todos os problemas sexuais têm solução. A verdade é que, embora a ciência do sexo seja fascinante, aquilo que acontece na cama, entre duas pessoas, não mudou tanto assim. “As pessoas estão lutando com as mesmas questões de sempre. Sexo está tão difícil quanto sempre foi”, diz Joannides.

E talvez a solução para a maior parte dos problemas sexuais seja aquela conhecida desde que o mundo é mundo. “O importante em sexo é não ser egoísta. Você tem que prestar atenção no outro”, diz Maria do Carmo. É dessa atenção mútua que a obsessão por performance pode nos afastar. Orgasmo é bom. Mas é só um dos momentos da relação sexual. O foco total no clímax vai tirando o prazer da descoberta, da experimentação, que são as chaves de uma vida sexual feliz.

Sexo se faz a dois (ok, não necessariamente a dois, pode ser a três ou quatro). Normalmente é num quarto fechado, longe do debate público, das promessas da indústria farmacêutica, dos ensinamentos dos mestres da ioga, das pesquisas dos laboratórios, desta Super que vos fala. O que acontece por lá é assunto só seu e de quem está com você. Se o Viagra ou o kung fu sexual tornam aquilo mais gostoso e mais satisfatório, ótimo. Se você tem prazer sem nada disso, parabéns. Se não faz sexo nunca ou quase nunca, mas tira de algum outro lugar o conforto para seguir vivendo sem muito estresse – como acontece com muitas pessoas sincera e profundamente religiosas ou com aqueles que se satisfazem com orgasmos intelectuais –, fique à vontade. Já passamos tempo demais tendo que ouvir os outros nos dizerem o que fazer na cama.

Uma homenagem a Carlos Zéfiro

Nos anos 50, enquanto Masters fazia seus experimentos nos Estados Unidos, pouco se falava de sexo no Brasil. Pelo menos aparentemente. na clandestinidade, circulando de mão em mão, um gênero de literatura ilegal fazia tanto sucesso que envolvia tiragens somadas de vários milhões. Eram as “revistinhas de sacanagem”, histórias em quadrinhos extremamente explícitas assinadas com pseudônimos. O melhor e mais famoso desses autores clandestinos era Carlos Zéfiro, que desenhou as cenas que ilustram esta reportagem. só em 1991 descobriu-se a identidade do famoso anônimo: Zéfiro na verdade era o funcionário público Alcides Caminha. Em tempos de mais abertura sexual, ele decidiu finalmente ir a público e colher os louros da fama. Alcides morreu no ano seguinte, vítima de um derrame cerebral.

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