A partícula de Deus
Depois de 3 anos e US$ 10 bilhões, o maior acelerador de partículas do mundo está próximo de seu grande resultado: comprovar a existência de uma partícula que não tem nenhuma utilidade prática. E isso é ótimo. Saiba por quê
“Cientistas podem ter encontrado a partícula de Deus.” Foi com essa frase estampada em manchetes pelo mundo que o maior experimento científico do planeta recuperou parte de sua reputação. Lançado com estardalhaço na mídia internacional, o acelerador de partículas LHC estreou com o pé esquerdo, em 2008. Devido a uma falha de soldagem, a máquina de US$ 10 bilhões ficou de molho por mais de um ano. Mas agora a pista de 27 km enterrada sob a fronteira entre a França e a Suíça está produzindo resultados que podem justificar o investimento. Por conta deles, uma das ideias mais importantes da física pode ser comprovada: o bóson de Higgs, mais conhecido por partícula de Deus.
A partícula celestial é uma popstar da ciência. Procurada há mais de 40 anos, chegou a ser chamada de “o Santo Graal” da física. Mas a fama veio mesmo quando o cientista Leon Lederman resolveu escrever um livro sobre ela. A intenção de Lederman não tinha nada a ver com canonizar a partícula idealizada por Petter Higgs em 1966. Muito pelo contrário. Tanto que o título que Lederman propôs para o livro foi The Goddamn Particle (A Partícula Amaldiçoada). Mas os editores acharam melhor transformar a revolta de Lederman com a dificuldade em encontrar a partícula em algo mais comercial. O livro saiu como The God Particle (A Partícula de Deus). E o apelido pegou. Agora “bóson de Higgs” está para “partícula de Deus” assim como Edson Arantes do Nascimento está para Pelé.
Para entender o que ela tem de divino, responda: qual é a diferença entre você e um raio de luz? “Nenhuma” seria a resposta há 13,7 bilhões de anos, no instante em que o Universo nasceu. Nesse estágio embrionário do Cosmos, a grandeza física a que chamamos massa ainda não existia. Nada tinha peso. A matéria que forma o seu corpo hoje era só uma coleção de partículas subatômicas se movendo à velocidade da luz. E aí é que vem a bênção. Certas partículas, os bósons de Higgs, estavam espalhadas por cada milímetro do Universo. Uma hora elas se uniram e, num processo similar ao vapor d’água se transformando em água líquida, e formaram um “oceano” invisível – o Oceano de Higgs. Para algumas das outras partículas que vagavam por aí não fez diferença, caso dos fótons, que passavam (e ainda passam) batidos por esse oceano. Para outras, fez toda. Caso dos quarks (as que formam basicamente todo o seu corpo). Do ponto de vista delas, o Oceano de Higgs era (e ainda é) como um óleo denso. E à força que os quarks fazem para atravessar esse óleo nós damos o nome de massa. Em suma: sem os bósons de Higgs, a matéria não existiria – já que “matéria” é tudo o que tem massa. E você seria algo tão sem substância quanto uma onda de rádio. Chato.
Essa é a teoria de Peter Higgs. Uma teoria complexa, com pinta de ficção científica, mas que está a caminho de sair do mundo das ideias. Não é à toa que os físicos do CERN estejam em festa só com os sinais de que ela talvez se comprove.
E como os cientistas fazem para encontrar esses sinais? Eles pegam pedaços de átomos, aceleram loucamente e provocam colisões frontais entre eles. Das pancadas saem explosões com intensidades similares à do Big Bang, mas confinadas a um espaço ínfimo. No meio, da força dessas explosões deveriam aparecer bósons de Higgs soltos, assim como havia há 13,7 bilhões de anos, segundo a teoria. Bom, os cientistas vasculham dados dessas batidas para ver o que aparece de fato. É um trabalho parecido com procurar agulhas em palheiros. No caso do bóson de Higgs, agora, o que eles encontraram foi o brilho da agulha. Não é pouco: imagine que provar algo na física seja como jogar na Megasena. Por essa comparação, os dados encontrados no LHC são tão bons quanto acertar uma quadra.
A questão é: valeu a pena investir bilhões só para tentar comprovar uma teoria que não tem nenhuma aplicação prática? Quem responde “não” costuma pensar que o estudo dos problemas teóricos fundamentais da ciência não tem utilidade prática. Mas foi de coisas sem “utilidade” que surgiu o mundo que a gente conhece. A relatividade de Einstein, por exemplo, possibilitou o GPS. E o mesmo instituto do acelerador de partículas foi um dos reponsáveis pela criação da internet. O maior argumento a favor do LHC, enfim, é justamente a imprevisibilidade de resultados práticos que podem sair da ciência pura. Nesse sentido, a busca pela partícula de Deus não deixa de ser uma aposta na magia. Na magia divinatória da ciência.