A Terra já foi atingida por meteoro do tamanho de quatro Montes Everest
Pela primeira vez, cientistas traçam um panorama detalhado do que aconteceu após o impacto – e por que ele pode ter sido bom para a evolução da vida na Terra
Há 3,26 bilhões de anos, um meteoro do tamanho de quatro Montes Everest se chocou com o planeta. Ele é 200 vezes maior do que o famoso meteoro que extinguiu os dinossauros há 66 milhões de anos. O impacto conhecido como S2 provocou um tsunami, ferveu as águas do oceano e afetou profundamente a história da vida na Terra.
Sabemos disso graças ao chão do Cinturões de Rochas Verdes, na África do Sul. Foi para lá que a pesquisadora Nadja Drabon, da Universidade de Harvard, partiu com a sua equipe. Durante três expedições, a equipe coletou pedrinhas esféricas que encontravam no chão, que eram a chave para entender toda essa história.
Apesar de ser conhecido desde os anos 80, é a primeira vez que sabemos tantos detalhes sobre o S2. Por não ter deixado uma cratera, por muito tempo existiam dúvidas se a formação rochosa indicava mesmo uma colisão daquela proporção. Mas são muitas as evidências: o solo da África do Sul tem uma conservação excepcional, que funciona como uma máquina do tempo.
As amostras de solo coletadas foram analisadas por meio de alguns métodos: o estudo dos sedimentos, a geoquímica e a composição de isótopos de carbono. Assim, os pesquisadores conseguiram traçar um panorama do que aconteceu naquela ocasião.
Naquela época, a Terra não era como a conhecemos. Ainda não existiam continentes, e quase toda a superfície do globo era coberta de água. A vida já existia, mas era bem simples e menos abundante, composta unicamente de microorganismos de uma célula só.
Como foi o impacto?
Pense no impacto gerado quando alguém pula violentamente em uma piscina. Agora, ao invés de uma pessoa, imagine um meteorito que tinha entre 37 e 58 quilômetros de diâmetro. “Foi um tsunami maior do que qualquer coisa que os humanos já viram.”, disse Drabon em entrevista à Super.
O deslocamento da água inundou regiões secas, e secou o fundo do mar. O calor liberado pelo impacto não só aqueceu o ar da atmosfera em mais de 100ºC, mas também fez com que a camada mais superficial do oceano evaporasse.
Ainda mais do que isso: o calor pulverizou as rochas do próprio meteorito. Assim surgiu uma nuvem de poeira que circulou ao redor do globo, o que escureceu os dias por um bom tempo.
Ao entrar na atmosfera, os minerais do meteorito passaram por transformações físicas rápidas e radicais que culminaram nas pedrinhas redondas que a equipe de Drabon coletou na África do Sul. Elas são compostas por metais extraterrestres, que não existem naturalmente no nosso planeta e só podem ter sido originados de um choque com um corpo celeste.
Nas águas rasas, as altas temperaturas, mudanças de maré e a escuridão atmosférica tornaram impossível que os microorganismos fizessem fotossíntese. Mas o fim do mundo é sempre o fim de um mundo, e o começo de outro.
O recomeço da Terra
Após o impacto, a vida bacteriana se recuperou rapidamente. O movimento dos oceanos misturou regiões ricas e pobres em ferro, o que funcionou como um fertilizante natural para as bactérias.
“Dá para ver esse aumento do ferro claramente nas rochas. Elas passam de listras pretas e brancas para um tom bem avermelhado”, explica Drabon. “Assim, o tsunami trouxe ferro enriquecido para a superfície e esse ferro também pôde ser usado por micróbios. Essa é, na verdade, uma maneira muito boa de os micróbios ganharem a vida. Eles obtêm muito mais energia do uso do ferro do que de muitos outros elementos.”
Também houve um aumento expressivo na quantidade de fósforo disponível na superfície: uma parte vindo do desgaste e erosão do solo, outra vinda da composição mineral do meteorito. Esse elemento também serviu de combustível para a recuperação dos microrganismos.
“Esse meteorito era um condrito carbonáceo, um tipo que pode conter bastante fósforo. E o fósforo é um nutriente absolutamente bioessencial. A vida realmente precisa de fósforo”, diz Drabon. “Antes do impacto, os oceanos provavelmente eram bastante limitados em fósforo. Assim, com o impacto, o meteoro forma uma nuvem de vapor que vai chover em todo o mundo, e funciona como uma bomba de fertilizante, colocando muitos nutrientes no meio ambiente.”
As bactérias capazes de metabolizar o ferro teriam, então, florescido logo após o impacto. “Sempre há essa percepção de que os impactos de meteoritos são simplesmente desastrosos, que acabam com tudo. E foi assim que os dinossauros morreram, certo? Mas temos de lembrar que a vida era muito diferente naquela época e que qualquer evento negativo terá aspectos positivos para algumas formas de vida.”, diz Drabon.
“Como os impactos eram mais frequentes durante os primórdios da Terra, toda vez era como se alguém colocasse um monte de fertilizante nos oceanos. Isso foi realmente muito bom para a evolução da vida durante esse período.”, acrescenta.
O estudo foi publicado no dia 21 na revista PNAS. A pesquisadora diz que ela e sua equipe terminaram essa parte da pesquisa com várias novas perguntas, que devem motivar novas investigações.
“Por exemplo, só analisamos o impacto S2, mas há uma série de outros eventos de impacto registrados nessas rochas. Como a vida respondeu a esses impactos? Nós analisamos principalmente o ferro e o carbono, mas e o enxofre? Observamos alguma mudança no enxofre durante o evento de impacto? E o que isso nos diz sobre a resistência dos micróbios que utilizavam enxofre? Eu poderia continuar…”, diz Drabon, empolgada.